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Epidemiologia da patologia vocal

No documento Voz e postura (páginas 50-53)

Os estudos epidemiológicos sobre patologia vocal são poucos e de interpretação difícil, por na sua maioria não permitirem extrapolação dos resultados para a população em geral, no país em que são realizados, ou generalização para diferentes países e culturas.

Segundo a literatura, estima-se que a prevalência das alterações vocais, nos Esta- dos Unidos da América (EUA), seja de 7,6% na população adulta29. Segundo Cohen30, a

prevalência de disfonia ao longo da vida é de 29,3%, o que significa que um em cada três americanos tem queixas de disfonia mais do que uma vez na sua vida.

Um estudo feito a nível nacional, na República da Coreia, tentou estabelecer a relação entre as queixas de disfonia e a efectiva presença de patologia, em indivíduos adultos, e identificou uma prevalência de 7% de patologia vocal, com um risco 4,8 vezes superior de patologia (nódulos, pólipo, quisto, edema de Reinke, paralisias laríngeas, granulomas, quisto da epiglote e laringite) em indivíduos com queixas vocais31.

O impacto negativo da patologia vocal na saúde pública é cada vez mais reconheci- do, com custos económicos e sociais significativos32,33. A presença de disfonia perturba a

comunicação, com repercussão física, social e profissional32.

Vários estudos referem isolamento, depressão, absentismo profissional e alterações da qualidade de vida associados a disfonia crónica ou frequente34-37.

No entanto, frequentemente as pessoas não valorizam as queixas vocais e não procuram cuidados médicos, mostrando os estudos que apenas 5,2% a 22,1% dos in- divíduos procuram tratamento30,35-39.

Estudos epidemiológicos, numa população que procura cuidados médicos, são de extrema importância para compreender o impacto da doença e ajudar a planear estraté- gias de avaliação e tratamento para estas populações32.

Com o objectivo de determinar a prevalência de disfonia e as suas causas, numa população que procura cuidados de saúde, Cohen et al32 realizaram um estudo retrospec-

tivo, que incluiu cerca de 55 milhões de indivíduos, entre 2004 e 2008, numa população considerada representativa da população norte americana. Identificaram uma prevalên- cia de disfonia em 0,98% da população, sendo 85% destes indivíduos residente em áreas urbanas. Como em estudos anteriores, encontraram uma percentagem maior de mu- lheres (63,4%) na população que procura cuidados médicos40-42, sendo a prevalência de

disfonia maior no sexo feminino em todas as idades, excepto entre os 0-9 anos. Como descrito noutros estudos35,40,41, a população que procura mais cuidados de saúde encon-

tra-se na faixa etária entre os 40-59 anos e os indivíduos com mais de 70 anos apresentam uma maior prevalência de disfonia, apesar de representarem apenas 14% da população estudada32. A população mais jovem apresentava sobretudo patologia laríngea benigna e

nos indivíduos mais velhos foi identificada uma prevalência superior de paralisia laríngea e neoplasia maligna (com um pico de prevalência nos homens entre os 75-79 anos)32,42,43.

A idade causa várias alterações fisiológicas que interferem com a produção vocal – alterações respiratórias, fonatórias e da ressonância. De facto, a prevalência da patologia vocal aumenta com a idade, sendo estimada em 19-29% em indivíduos com mais de 65 anos39,44-48. As alterações vocais mais frequentemente encontradas nesta faixa etária são

parésias e paralisias laríngeas, refluxo faringo-laríngeo, neoplasias malignas, inflamação e outras alterações neurológicas43. A frequência de presbifonia é controversa e varia com

os estudos entre 0-30%40,49-55. As queixas vocais destes doentes (esforço vocal, fadiga/

desconforto vocal, ansiedade, necessidade de repetir várias vezes a mensagem) estão associadas a alterações significativas da qualidade de vida39, com comprometimento da

produtividade, diminuição da auto-estima, isolamento social56, depressão e frustração

dos doentes e dos familiares/cuidadores44. Quando a disfonia é acompanhada de outros

sintomas como disfagia ou hipoacúsia, os níveis de depressão aumentam em relação aos doentes sem outros sintomas otorrinolaringológicos46,57.

Por outro lado, as alterações vocais nos idosos são de etiologia multifactorial e estão frequentemente associadas a outras co-morbilidades crónicas que agravam o impacto da disfonia na qualidade de vida dos doentes. Woo et al49 identificaram as doenças pul-

monares como a patologia mais frequentemente associada a disfonia, com óbvia reper- cussão na produção vocal. Na população estudada, foi encontrada uma prevalência de 20% de alterações neurológicas, em doentes com mais de 60 anos, com queixas vocais, sobretudo doença de Parkinson e tremor49.

A disfonia está presente em 70% dos doentes com doença de Parkinson e 30% re- ferem que as alterações vocais são mesmo a parte mais incapacitante da doença44.

O tremor essencial afecta 10% dos indivíduos com mais de 65 anos, e 30% destes doentes apresentam tremor vocal44. Gregory et al54 identificaram tremor vocal em 13%

dos doentes com mais de 65 anos, com queixas de disfonia.

Outra alteração neurológica frequente neste grupo etário, o acidente vascular cere- bral (AVC), pode comprometer de várias formas a produção vocal. Estudos mostraram que, para além de alterações da mobilidade das pregas vocais após um AVC agudo (in- cidência de 20% de parésia da prega vocal58), outros factores têm impacto na qualidade

vocal, como: mau estado geral, baixa reserva pulmonar, depressão, fadiga vocal, alte- rações da sensibilidade laríngea, laringite de refluxo, processos inflamatórios da laringe associados a intubação prolongada, entre outros44.

A polifarmácia é outro factor com potencial impacto na voz dos idosos. Woo et al49

mostraram que mais de um terço dos idosos com disfonia estão medicados com um ou mais fármacos.

Nos países industrializados a população está a sofrer um envelhecimento progressi- vo, estimando-se que em 2030 a população idosa corresponda a um quinto da população americana44. Por outro lado, o custo anual do tratamento de patologia laríngea nos EUA

é comparável aos gastos noutras doenças crónicas, como doença pulmonar obstrutiva crónica, asma, diabetes e rinite alérgica44. Estes factos, evidenciam a importância de me-

lhorar a prestação de cuidados de saúde a idosos com alterações vocais, o que implica uma análise etiológica multifactorial e uma abordagem multidisciplinar do doente.

O tratamento destes doentes é particularmente difícil, pois a generalidade dos ido- sos não procura ajuda médica quando tem queixas vocais ou da deglutição, por acha rem que estas alterações fazem parte do envelhecimento normal e por desconhecerem por completo as opções terapêuticas44-46. No entanto, estudos demonstraram que quando

procuram tratamento há uma excelente resposta à terapêutica, quer conservadora quer cirúrgica, com grande incremento da qualidade de vida44.

No documento Voz e postura (páginas 50-53)