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Fisiologia do equilíbrio humano

No documento Voz e postura (páginas 84-91)

O sistema vestibular é um dos sistemas sensoriais filogeneticamente mais antigos nos vertebrados235. O seu desenvolvimento revelou-se uma aquisição muito importante, per-

lar da cabeça, enquanto o animal se movimenta sem rotação e quando roda no espaço. Esta informação é levada até ao sistema nervoso central (SNC) pelo VIII par craniano. A informação é combinada com informação de outros sistemas sensoriais, que converge nos núcleos vestibulares, e é usada para formar uma representação vectorial da posição da cabeça e do corpo e do movimento no espaço, chamado vector gravito-inercial235.

A informação referente às forças lineares e angulares é difundida pelo SNC para incluir funções cerebrais relacionadas com o sono, a visão, a audição, somato-sensoriais, o movimento, a digestão, a cognição e até a aprendizagem e a memória235.

O sistema vestibular tem conecção com o tronco cerebral, o tálamo, os gânglios basais, o hipocampo, o cerebelo e o córtex cerebral235.

Todos estes processos sensoriais são inconscientes. Os humanos só se tornam cons- cientes do sistema vestibular quando este está disfuncional, podendo tornar-se verdadei- ramente incapacitante para a sua vida normal235.

Assim, o equilíbrio é uma tarefa sensório-motor muito complexa que envolve a recolha de informação sensorial do sistema vestibular, visual e proprioceptivo; a inte- gração no SNC dos sinais sensoriais e a geração de uma resposta motora adequada; e a capacidade músculo-esquelética para desenvolver a acção motora necessária para contro- lo óculo-motor e da postura236. O mau funcionamento de qualquer uma destas funções

leva a uma actividade muscular inapropriada e a desiquilíbrio236.

Os sistemas sensoriais envolvidos nestas tarefas são236:

Sistema Vestibular - canais semicirculares (CSCs) e órgãos otolíticos (utrículo e sáculo)

Sistema Visual – sistema de movimentos oculares sádicos, de perseguição lenta e optocinético

Sistema Somato-Sensorial – sistema proprioceptivo

O sistema vestibular recolhe informação referente à aceleração angular da cabeça, através dos CSCs, e da aceleração linear, através do utrículo e do sáculo236.

Cada labirinto contém três CSCs, fazendo aproximadamente 90º entre eles, orien- tados nos três planos do espaço (CSC externo, CSC anterior e CSC posterior) 236. Os

canais semicirculares externos de ambos os ouvidos são complanares, assim como o CSC anterior de um lado e o CSC posterior do outro. Desta forma, o movimento é sempre de- tectado por dois CSCs, em qualquer plano do espaço236. A informação das células ciliadas

dos CSCs é transmitida pelo VIII par craniano para o núcleo vestibular no tronco ce- rebral (1º neurónio) 236. O 2º neurónio envia a informação para os núcleos óculo-motores

do III, IV e VI pares cranianos, ipsi e contra-laterais236. Por fim, o 3º neurónio (motor)

mo lado e contrário aos movimentos da cabeça. Esta é a base do reflexo vestíbulo-ocular (RVO) 236.

O RVO é um movimento reflexo do olhar que tem o objectivo de estabilizar ima- gens na retina durante o movimento da cabeça, criando um movimento ocular exac- tamente na direcção oposta ao movimento da cabeça236. Sem o RVO a estabilização do

olhar durante os movimentos da cabeça estaria alterada e comprometeria a qualidade da visão236. Como os movimentos da cabeça são constantes (ex: tremor da cabeça, pulsação

cardíaca) o RVO é essencial para estabilizar a visão. Este reflexo não depende de infor- mação visual e funciona mesmo com os olhos fechados ou às escuras236.

Num individuo saudável em repouso, os órgãos vestibulares de cada ouvido enviam informação semelhante ao tronco cerebral, que interpreta estes sinais simétricos como “não movimento”236. Com os movimentos da cabeça há aumento da informação sensorial

do lado ipsilateral ao movimento e diminuição da informação enviada pelo lado con- tralateral236. Esta informação assimétrica é interpretada pelo tronco cerebral como mo-

vimento na direcção do lado de maior excitabilidade e por acção do RVO os olhos são desviados na direcção oposta, para que seja mantida a fixação do olhar236. Se o movimento

for suficientemente grande, um movimento sádico do olhar prepara o olho para um novo alvo a fixar236. Estes dois tipos de movimento ocular, um desvio lento e um rápido, pro-

duzem um nistagmo característico, com uma fase rápida para o lado do movimento236.

Em conjugação com a via directa, existe uma segunda via do RVO, que funciona como um modulador e integrador dos sinais visual e proprioceptivo236.

O utrículo e o sáculo estão orientados vertical e horizontalmente, respectivamente, no vestíbulo do labirinto. Estes órgãos enviam para o SNC a informação referente à ace- leração linear, incluindo a gravidade, através do VIII par craniano (1º neurónio) 236. O 2º

neurónio faz a ligação entre o núcleo vestibular interno e as células do corno anterior da medula (via vestíbulo-espinhal interna) e entre o núcleo vestibular externo e a medula (via vestíbulo-espinhal externa)236. A principal função destas vias é transmitir mudanças

de orientação aos músculos anti-gravidade do pescoço, tórax e membros inferiores236. Um

pequeno número de fibras leva informação utricular e sacular para os músculos extra- -o cu lares para produzir ajustes oculares rotacionais e verticais, durante a inclinação da cabeça236.

Em contraste com a actividade dos CSCs que desaparece quando a aceleração pára, a actividade neural dos órgãos otolíticos persiste durante a inclinação estática da cabeça em relação à gravidade236.

O cerebelo tem um papel fundamental na modulação da actividade motora desen- cadeada pelos reflexos vestíbulo-ocular e vestíbulo-espinhal (RVE). Inputs vestibulares directos (VIII par) e indirectos atingem o cerebelo, que por acção das células de Purkinje, produz uma acção inibitória dos movimentos oculares e posturais e assegura a correcta

O cerebelo tem ainda várias outras funções (avaliação correcta da velocidade de padrões de movimento; sensibilidade táctil da ponta dos dedos; relação com a audição, olfacto, sede, fome e dor; memória e atenção; planeamento e programação de tarefas simples; comparação volumétrica de objectos; modulação adequada das emoções; repro- dução do ritmo sonoro, percepção adequada do intervalo de tempo entre dois tons e dis- criminação no timbre; discriminação de palavras foneticamente semelhantes; papel no cumprimento de ordens verbais para execução de tarefas) que participam na constituição do vector gravito-inercial, cujo correcto funcionamento é essencial para a integração das múltiplas funções fisiológicas necessárias para produzir uma resposta harmoniosa pe- rante o desafio do movimento do corpo, cabeça e olhos relativo à força da gravidade235,237,238.

O sistema visual permite o controlo óculo-motor através dos movimentos oculares sádicos, de perseguição lenta e optocinéticos236.

O RVO estabiliza o olhar durante os movimentos da cabeça, mantendo a fixação num alvo estável. Para mudar o olhar para outro alvo que apareça no campo visual uti- liza-se o sistema sacádico236. Por outro lado, movimentos oculares sádicos involuntários

e reflexos ocorrem durante a estimulação vestibular e optocinética com o objectivo de recolocar o olho numa posição neutra236. O sistema de perseguição lenta gera movimen-

tos lentos conjugados dos olhos para seguir objectos pequenos, lentos e discretos236. O

sistema optocinético está em estreita relação com o sistema de perseguição lenta mas difere deste pois, em vez de estimular exclusivamente a fóvea, estimula toda a retina pe- riférica, criando um movimento ocular mais reflexo236.

Os movimentos oculares induzidos pelos sistemas vestibular e visual têm a função de manter o objecto visual de interesse centrado na fóvea, para a máxima qualidade visual236. O RVO tem esta função quando a cabeça está em movimento e o objecto de in-

teresse está estável236. Os sistemas sádicos, de perseguição lenta e optocinéticos são usados

para objectos em movimento236. Num ambiente visual complexo, quando a cabeça e o

objecto de interesse estão simultaneamente em movimento, tem de haver uma interacção precisa entre o controlo vestibular e visual236. O vestíbulo-cerebelo tem um papel essen-

cial nesta interacção visual-vestibular. Assim, lesões cerebelosas podem causar alterações como diminuição da supressão de fixação do olhar, respostas alteradas na perseguição lenta e optocinética ao seguir um objecto em movimento e fraca estabilização do olhar236.

O envelhecimento leva a uma diminuição progressiva das células de Purkinje, so- bretudo a partir da sexta década de vida239, o que interfere com o nistagmo optocinético e

com as respostas visio-vestibulares, funções básicas para que um indivíduo em movimen- to olhe para um dos lados, meça correctamente a distância de um obstáculo ou perceba a velocidade do movimento das pessoas com quem se cruza237.

O sistema somato-sensorial tem a função de manter o equilíbrio corporal estático. A estimulação de receptores de pressão na sola dos pés e de receptores de estiramento nos músculos cervicais, torácicos e lombares, gera informação somato-sensorial, referente à orientação do corpo em relação à gravidade e à superfície de suporte, que é enviada ao SNC236.

Para manter uma posição ortostática estável, o cérebro humano usa uma combi- nação de sinais vestibulares, visuais e somato-sensoriais para despoletar uma acção mus- cular a propriada. Informação do utrículo e do sáculo a respeito da posição da cabeça no espaço e da aceleração linear é transmitida à musculatura da medula e dos membros inferiores, pelas vias vestíbulo-espinhal interna e externa236. O movimento visual e a pro-

priocepção somato-sensorial e das articulações é comparada com a informação vestib- ular, para que seja produzida uma resposta muscular (coluna, anca, joelho, tornozelo) adequada para manter o corpo centrado na sua base de suporte (pés)236.

O Centro de gravidade (COG) de um corpo é o ponto onde pode ser considerada a aplicação da força da gravidade de todo o corpo. Num indivíduo normal em ortosta- tismo, o centro de gravidade está localizado na região abdominal inferior e ligeiramente à frente das articulações do tornozelo236. Quando o COG se desvia do centro do corpo,

há várias estratégias para prevenir a queda236:

Estratégia do tornozelo – rotação do corpo como uma massa rígida, com desvio do COG por acção da articulação do tornozelo sobre a superfície de suporte, com estabilização das articulações da anca e do joelho. Esta estratégia permite corrigir pequenas alterações do COG quando um indivíduo está em pé numa superfície firme.

Estratégia de anca – movimento rápido do tronco sobre a anca acompanhado de uma pequena rotação oposta dos tornozelos. Esta estratégia é utilizada para correcção de desvios maiores ou rápidos do COG numa superfície de suporte estreita ou instável.

Estratégia de dar um passo – utilizada para criar uma base maior de suporte, quan- do o COG está muito afastado da base de suporte.

Em casos de hiporreflexia (deficit vestibular), o controlo postural fica muito de- pendente da informação somato-sensorial e visual. Se a superfície de suporte é pequena/ instável ou se diminui a informação visual, o doente não consegue manter o controlo postural236.

No documento Voz e postura (páginas 84-91)