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Mecanismos dinâmicos do equilíbrio na produção vocal Posturografia no estudo da voz

No documento Voz e postura (páginas 108-111)

Ao reconhecer que o mecanismo postural está subjacente a todos os aspectos da acti- vidade vocal, fica implícita a importância dos mecanismos dinâmicos do equilíbrio na produção vocal humana303.

Nos últimos anos, começou-se a estudar a relação entre controlo postural e função vocal, de uma forma mais objectiva, utilizando plataformas de posturografia294,319-327.

Entre 1998 e 2010, um grupo de Marselha, conduziu uma série de estudos com o objectivo de avaliar as alterações posturais durante o esforço vocal319-324.

No primeiro estudo319, os autores compararam a postura de 17 mulheres sem queixas

vocais com 10 mulheres com disfonia (seis com nódulos e quatro com pólipo das pregas vocais). Para estudo da postura utilizaram: um acelerómetro para medir a posição da

ricular e o ombro; e uma plataforma estática rudimentar (desenhada segundo as regras da Sociedade Francesa de Posturologia) para medir o deslocamento do centro de gravi- dade. Demostraram que com o esforço vocal houve alterações segmentares da postura, com movimentos de rotação para trás da cabeça, síncronos com o avanço do mento e translação da cabeça para a frente, em todos os indivíduos. Este movimento era mais amplo e irregular nos indivíduos disfónicos, havendo nestes um aumento do ângulo en- tre o mento, o pavilhão auricular e o ombro, durante a fonação. Demonstraram ainda, utilizando a plataforma de posturografia estática, que as alterações posturais segmentares são acompanhadas de alterações posturais globais, tanto nos indivíduos sem patologia como nos indivíduos disfónicos. Estes últimos apresentavam um maior deslocamento do centro de gravidade para a frente, que se traduziu numa instabilidade postural e num aumento do trabalho muscular para manutenção da postura e equilíbrio do indivíduo.

Estes autores319 postularam que nos indivíduos disfónicos, as compensações pos-

turais (cintura escapular, cintura pélvica e articulação do tornozelo) são limitadas pela tensão global, levando a uma rigidez geral do esqueleto. O indivíduo comportar-se-ia como um pêndulo invertido, em que o único ponto livre seria o tornozelo, daí os deslo- camentos do centro de gravidade despoletados com os movimentos da cabeça serem mais amplos e mais rápidos.

As alterações segmentares levam a alterações globais do equilíbrio por interferirem com os inputs visual, vestibular e proprioceptivo, as vias sensitivas que regulam o controlo postural319.

Em 2000, os mesmos autores320 utilizaram a mesma plataforma de posturografia

estática, para medir o deslocamento do centro de gravidade em três indivíduos saudáveis, enquanto simultaneamente era medida a actividade electromiográfica dos músculos dos membros inferiores, para provar a activação destes músculos durante o esforço vocal. Como esperado, encontraram uma associação entre o aumento da velocidade de desloca- mento do centro de gravidade e o aumento do sinal eléctrico dos músculos.

Em 2006321, utilizaram uma plataforma de posturografia estática mais sofisticada

(Médicapteurs, Toulouse®), associada a um sistema ELITE®328 (sistema digital de análise

de movimento), para estudar 19 indivíduos sem patologia durante o esforço vocal. Cal- cularam a raiz quadrada média da velocidade de variação de pressão na plataforma, em três situações diferentes: ortostatismo em repouso versus ortostatismo a segurar um peso de 3 kg, em 15 indivíduos (protocolo 1); leitura de um texto, em ortostatismo, para um ouvinte a 1,5 metros de distância versus leitura para um ouvinte a 4 metros, em 17 in- divíduos (protocolo 2); leitura em silêncio versus leitura num ambiente barulhento, em 19 indivíduos (protocolo 3). Os autores confirmaram as alterações posturais encontradas no estudo anterior320 e o aumento do trabalho muscular global durante o esforço vocal321.

Em 2008, usando uma plataforma estática, desenhada pelos autores, associada a estudo electromiográfico, Giovanni et al322 testaram 60 indivíduos sem patologia vocal,

para avaliar se a velocidade de variação do centro de pressão seria um indicador postural clinicamente válido na avaliação vocal. A população foi avaliada em quatro protocolos diferentes: ortostatismo com os olhos abertos versus olhos fechados, em 9 indivíduos (protocolo 1); ortostatismo em repouso versus a segurar um peso de 3 Kg, em 15 indiví- duos (protocolo 2); leitura de um texto em ortostatismo para um ouvinte a 1,5 metros de distância versus leitura para um ouvinte a 4 metros, em 17 indivíduos (protocolo 3); leitura em silêncio versus leitura num ambiente ruidoso, em 19 indivíduos (protocolo 4). Embora os autores sugiram a realização de mais estudos para corroborar o objectivo inicial, este estudo demonstrou que a velocidade de variação do centro de pressão tem utilidade como indicador de alteração postural durante a fonação322.

Lagier et al323, tentando objectivar as variações acústicas e posturais associadas à

necessidade de comunicação estudaram 20 mulheres saudáveis durante o esforço vo- cal. Desta vez, os autores utilizaram um sistema de análise de movimento usando raios infravermelhos (SMART®); um sistema acústico para medicação da intensidade vocal e

duração do discurso; e electroglotografia. Os indivíduos tinham de ditar números a um observador em três condições diferentes, representativas de esforço vocal progressivo: quatro metros de distância num ambiente silencioso; 10 metros de distância num am- biente silencioso; e 10 metros de distância num ambiente ruidoso (cerca de 90 dB). Os resultados mostraram que há um aumento da amplitude e duração dos movimentos do corpo com o aumento do esforço vocal, sendo para esforços menores registados apenas movimentos da cabeça e para esforços maiores movimentos da cabeça e do tronco.

Um ano mais tarde, os mesmos autores324, usando uma população semelhante nas

mesmas condições experimentais, tentaram verificar se as alterações posturais observadas eram resultantes do esforço vocal ou parte integrante do comportamento associado ao esforço para comunicar. Confirmaram o aumento na amplitude e duração dos movi- mentos do corpo com o esforço vocal e observaram que esse movimento antecipava a fonação. Postularam assim, que os movimentos da cabeça estariam associados ao esforço para melhorar a eficácia da fonação e os movimentos de anteriorização do tronco esta- riam associados ao esforço de comunicação324.

Bruno et al325, estudaram a estratégia postural em 15 indivíduos com disfonia disfun-

cional e em 10 indivíduos sem alterações vocais (grupo controlo), antes e após terapia da fala. Todos os indivíduos foram avaliados por videolaringoestroboscopia, espectrografia vocal, VHI e posturografia estática computorizada (S. Ve. P. Amplaid®). Os autores con-

cluíram que, após reabilitação vocal bem sucedida, os doentes apresentavam uma melho- ria dos parâmetros posturais, na posturografia estática, indicativos de uma melhoria do componente proprioceptivo325.

Nacci et al294, estudando 40 doentes com disfonia funcional hipocinética numa

plataforma de posturografia estática (S. Ve. P. Amplaid®), antes e após terapia da fala, ob-

tiveram os mesmos resultados e extrapolaram que: “A relação entre postura e voz parece fazer-se nos dois sentidos: modificações posturais, causadas por estímulos externos, po- dem levar a alterações vocais e alterações no mecanismo de produção vocal podem causar modificações na postura.” Postularam ainda que a avaliação por posturografia estática dos doentes antes, durante e depois do tratamento vocal, pode ser uma técnica com util- idade clínica na avaliação da eficácia da terapêutica vocal 294.

Em 2017, os mesmos autores326, usando a mesma plataforma, estudaram 40 doentes

com disfonia orgânica (15 com pólipo das pregas vocais, 11 com quisto submucoso, 10 com nódulos bilaterais e 4 com edema de Reinke) antes e após microcirurgia laríngea. Os resultados mostraram alterações posturais do centro de gravidade em apenas oito indivíduos, todos com nódulos das pregas vocais, que não sofreram qualquer melhoria após o tratamento cirúrgico.

Embora os estudos com posturografia estática tenham contribuído para um enorme avanço no conhecimento da relação entre a voz e a postura, só em 2010, Lobryeau-Desnus et al327, utilizaram pela primeira vez, posturografia dinâmica computorizada (SMART

Equitest®) na avaliação de doentes com patologia vocal. Esta técnica permite um estudo

mais completo e rigoroso da postura, pois avalia os inputs sensoriais visual, vestibular e proprioceptivo329. Os autores327 estudaram 58 indivíduos com disfonia e 19 cantores sem

patologia, como grupo de controlo. Apesar da melhoria dos valores do VHI após trata- mento com terapia da fala, neste estudo não foi diagnosticada a patologia vocal em causa, não foi realizada avaliação por videolaringoestroboscopia, nem avaliação acústica ou per- ceptiva vocal, para avaliação da melhoria da qualidade vocal com o tratamento. Apesar das enormes limitações deste estudo na definição da amostra e no método de avaliação vocal, os resultados posturográficos mostraram que, após terapia da fala, os doentes apre- sentavam uma melhoria significativa no componente vestibular do equilíbrio327.

No documento Voz e postura (páginas 108-111)