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Episódio 26: Os alunos agem comunicativamente

No documento elianatoledosirimarcofranco (páginas 102-107)

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.3.4 Episódio 26: Os alunos agem comunicativamente

O aluno Bruno manifestou que queria falar e o professor o ouviu. O Bruno falou algo de química na água, mas não ficou audível na gravação e nem no vídeo. Neste momento, outros alunos quiseram se pronunciar. A professora quis manter o combinado de abrir para as falas dos alunos após as explicações, mas o professor Cezar preferiu ouvir o que os alunos queriam dizer.

Foi dada a palavra ao aluno André que comentou que a BR passa próxima ao supermercado Bahamas. O professor Cezar o ouviu e disse que a construtora, executora da BR, não tem competência para fazer obra em área urbana e sim em área rural, áreas que não têm ocupação. Explicou que ocorreram muitos atropelamentos, muita poeira no comércio, nas

casas... Que quando chove, ocorre enchente nas casas, porque a rodovia ficou mais alta que o bairro. A rodovia virou uma barragem para a água que volta para as casas, causando enchente.

O aluno José disse que quando ele vai ao Bahamas, a estrada fica fechada, porque causa muito acidente. O professor disse ser esse outro problema que atrapalha a circulação dos carros.

O aluno Rodrigo perguntou se para eles fecharem a rodovia só iria depender da CESAMA. O professor respondeu que a CESAMA é o órgão que cuida da água de Juiz de Fora, mas que a CESAMA não viu problema na construção da BR, o que era uma incoerência, porque o pessoal da CESAMA tinha que defender a represa. Explicou que a água hoje é igual ao petróleo no passado: – A água tem um valor muito grande hoje. Onde tem água, nós temos que protegê-la, porque nós e os animais precisamos de água.

A professora interrompeu a explanação dizendo aos alunos que o professor Cezar era o autor do documento que eles haviam lido sobre as conclusões “Dos impactos sociais e ambientais do traçado da BR-440 entre a BR-040 (Vina Del Mar) e a BR-267 (Jardim Esperança), com reflexos na MG-353 (Grama)”. Este foi um dado a ser considerado porque aproximou o leitor do autor, o que serviu para uma possível compreensão para os alunos de que o autor é uma pessoa e de que eles se quiserem, também poderão se tornar autores de textos.

O Alan perguntou quantos anos o professor Cezar tinha. Os alunos riram. O professor Cezar disse que tinha 45 anos naquele dia e perguntou para o Alan: “45-32 dá quanto?” O Alan respondeu 23, o que os alunos riram e o professor fez uma expressão facial de que a resposta não estava correta. Outro aluno respondeu 13 e o professor se dirigindo ao Alan disse que naquela época ele tinha 3 anos a mais que ele. Que era um menino como eles quando começou o projeto da BR-440.

O aluno Marcelo perguntou se os professores sabiam quantos litros de água uma pessoa gastava por dia. O professor Luiz Evaristo disse que isso vai muito de acordo com os países e as normas. Aqui no Brasil é recomendável que cada pessoa consuma no mínimo 2 litros de água por dia, porque o nosso corpo é constituído por 70% de água. Ele explicou de maneira gestual que corresponde a uma garrafa de 1litro e meio e mais uma garrafinha pequena, de meio litro. Continuou a explicação dizendo que a água tem a função de regularizar a temperatura do corpo, contribui para a digestão e reforçou: – Então, são 2 litros

de água no mínimo. É importante beber água. O professor Luiz Evaristo falou para o aluno Marcelo e os demais: – Quando você bebe água, o intestino vai funcionar melhor, dificilmente você tem problema de rins... a água ajuda em todo esse processo. Beber água é muito bom! Dois litros!

O aluno André contra argumentou dizendo que o pai dele falou que era necessário tomar uns cinco, quatro copos de água por dia. O professor Luiz mostrando a taça que havia água na mesa, aconselhou a ele a amentar para seis a oito copos por dia, que ia ficar bom. Ele reforçava os 2 litros. O André disse que tomava água demais e o professor também disse tomar 2 litros de água por dia.

A aluna Beatriz solicitou a palavra e disse ter duas perguntas a fazer. A primeira foi o porquê da obra da BR-440 ter sido indeferida. O professor Cezar retomou a palavra para respondê-la, dizendo que além do projeto estar ultrapassado, a obra foi interditada, porque os valores dos materiais utilizados em areia, terra, brita, cimento, usados para fazer a estrada, estavam 3 vez mais que o valor de mercado. – Três vezes mais! – o professor repetiu. A obra estava superfaturada. Explicou que têm governantes que se associam a estas construtoras, para o ajudarem a se eleger e depois em troca, elas recebem obras públicas com um custo três vezes maior que o valor normal. Fica um dinheiro perdido, um dinheiro de corrupção, explicava o professor. Ele continuava dizendo que o tribunal de contas da união, órgão que fiscaliza as obras, no Brasil, detectou que havia superfaturamento, desvio de recursos.

O projeto da obra estava errado para os dias de hoje e constavam animais que não existiam aqui na região. Eles haviam copiado o projeto de outro lugar para esta área, de forma indevida e que o tribunal mandou parar a obra por causa disso. O IBAMA, que é o órgão que cuida das florestas e das matas, não deixou a rodovia passar pela mata do Vale do Ipê (bairro próximo ao Colégio).

O professor Luiz Evaristo perguntou se havia algum aluno que morava no bairro Vale do Ipê. Disse que lá tem uma mata bonita e que o IBAMA não deixou a rodovia passar lá, para não cortar a mata de lá e da represa também. Então, a obra parou por causa disso. A Beatriz fez a segunda pergunta: “A construção da BR-440 interfere alguma coisa na represa de São Pedro? O professor Cezar disse: “Totalmente!”. O professor Luiz Evaristo explicou que não é só a represa de São Pedro, qualquer rodovia que passe muito perto de uma represa ela pode trazer consequências. Por exemplo, se houver algum derramamento de material tóxico na estrada, ele pode vir para dentro da represa, sendo trazido pela água da chuva ou

pode se dar por infiltração no solo, chegar às minas e contaminar a água da represa. Outro problema são as escavações para se fazer a estrada levando terra para dentro da represa, diminuindo o volume de água.

Neste momento já havia outros alunos com a mão levantada querendo falar e o professor Cezar achou por bem fazer as inscrições. O professor Luiz Evaristo prosseguiu dizendo que como profissionais que zelam pela água, eles fazem a medição do volume de terra que vai para dentro da represa. Explicou que o progresso vem com algumas consequências e que cabe aos seres humanos buscar meios para que isso não seja muito traumático. Ele simulou uma situação para que os alunos compreendessem dizendo: “Veja lá no seu bairro! Certamente, quando se inicia um bairro tem lá duas ou três casas e não tem quase movimento de carro. Dalí a pouco, as pessoas começam a vender aqueles espaços ali. Aí, aumenta a quantidade de casas. Em consequência aumenta a quantidade de ruídos, aumenta a quantidade de circulação de carro, aumenta todo o tipo de problema e isso tem consequência. Cabe, então, a quem está à frente destas construções, buscar os caminhos menos traumáticos. Estou sendo claro para vocês? O que é ser menos traumático? É trabalhar dentro da lei, seguir as leis, as normas, a legislação, isso que é seguro!”

O professor Luiz Evaristo leva-nos à percepção da importância das normas e da segurança que ela trás, porque são elaboradas visando o bem para todos.

Destacamos que os alunos romperam com a regra de deixar os questionamentos e intervenções para o final, demonstrando estar agindo comunicativamente, precisando serem ouvidos. Isto foi visto na sequência descrita, na qual, o aluno Bruno falou algo de química na água; o aluno André demonstrou estar compreendendo o que estava sendo dito, sabendo localizar a obra com o comentário de que a BR passava próxima ao supermercado Bahamas; o aluno José, demonstrou um conhecimento sobre a obra ao dizer que quando ele vai ao Bahamas, a estrada fica fechada, por causar muito acidente; o aluno Rodrigo interagiu com a pergunta: “se para eles fecharem a rodovia só iria depender da CESAMA?, demonstrando ter algum conhecimento sobre o órgão municipal que cuida da água da cidade. Somente o aluno Alan saiu do contexto perguntando quantos anos o professor Cezar tinha, o que foi seguido de risos pelos colegas. Seriam estes risos um indicador de que o aluno pôs em suspensão a pretensão de acerto? Na nossa cultura não se pergunta a idade das pessoas! Mas, esta é uma típica curiosidade dos alunos de 9 a 11 anos. O aluno Marcelo perguntou se os professores sabiam quantos litros de água uma pessoa gastava por dia. Após a resposta do professor Luiz

Evaristo de que são necessários 2 litros de água por dia, houve o contra-argumento do André dizendo que o pai dele falou que era necessário tomar uns cinco, quatro copos de água por dia. A aluna Beatriz fez duas perguntas: a primeira sendo sobre o porquê da obra da BR-440 ter sido indeferida e a segunda se a construção da BR-440 iria interferir alguma coisa na represa de São Pedro? Outros alunos já se manifestavam levantando a mão para falar, o que levou o professor Cezar a ver a necessidade de fazer inscrições, anotando em um papel o nome destes alunos.

As perguntas foram espontâneas e muito pertinentes ao assunto tratado, demonstrando que os alunos estavam acompanhando o que estava sendo exposto pelos professores. O professor Luiz Evaristo buscou a interação com os alunos quando perguntou se havia algum aluno que morava no bairro Vale do Ipê. Outros alunos levantaram a mão querendo falar e o professor Cezar achou por bem fazer as inscrições. Mais uma vez o professor Luiz Evaristo buscou a interação com os alunos, quando perguntou a eles “Estou sendo claro para vocês?” e buscou a pretensão de compreensibilidade ao perguntar: “O que é ser menos traumático?” e explicou: “É trabalhar dentro da lei, seguir as leis, as normas, a legislação, isso que é seguro!”. Pelas evidências podemos dizer que estava ocorrendo o agir comunicativo, mesmo havendo uma grande diferença de formação escolar entre os alunos e professores.

Analisando as interações ocorridas nesta atividade realizada “Mesa de Debates” sobre a construção da BR-440, percebemos que os alunos, na faixa etária de 9 a 11 anos, foram capazes de interagir com os professores de formação em nível de doutorado, sem que houvesse prejuízos em termos de compreensibilidade. Percebemos que os professores usaram a linguagem com a qual estão acostumados a se comunicar, não tendo havido nenhuma infantilização da fala por parte deles e os alunos se mostraram participativos e fizeram perguntas próprias, adequadas ao tema que estava sendo tratado.

Neste episódio, a Matemática apareceu, no contexto comunicativo, na comparação do tempo que se passou desde a realização do projeto, há 32 anos, com a idade de 45 anos do professor Cezar. O professor Cezar respondeu a pergunta do aluno Alan que tinha 45 anos naquele dia e em seguida perguntou para ele: “45-32 dá quanto?” O Alan respondeu 23, o que os alunos riram e o professor fez uma expressão facial de que a resposta não estava correta. Outro aluno respondeu 13 e o professor se dirigindo ao Alan disse que naquela época ele tinha 3 anos a mais que ele. Que era um menino como eles, se referindo aos alunos. Os risos dos alunos indicam a suspensão da pretensão de validade da compreensibilidade.

No documento elianatoledosirimarcofranco (páginas 102-107)