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CAPITULO V: Uma proposta de trabalho de Educação Ambiental na Educação

5.4 Episódio 4 Propagandas de canais fechados entre uma programação infantil e outra

Previsão de duração: 1 dia

Objetivo: Revelar qual é a função social da propaganda que está a serviço do consumismo (meio de vender a imagem do produto).

Nesse momento, trabalhamos com três propagandas: a) sandália da Xuxa com o boto rosa; b) super-heróis da Hasbro e c) ovo de páscoa da Arcor. As estratégias usadas foram: explicar para as crianças a atividade, assistir às propagandas e discutir sobre elas na roda.

Após assistir à primeira propaganda, conversamos sobre sua função social e observamos que, mesmo após as problematizações propostas, as crianças apresentaram muita dificuldade para compreender para que ela servia. Esse fato, mais do que compreensível, é justificável, afinal são crianças muito pequenas para fazer tais reflexões. Acreditamos inicialmente que isso fosse possível com a nossa mediação; no entanto, os dados revelam que almejamos muito para a idade das crianças.

5.4.1 Propaganda 1 - Sandália da Xuxa com o boto rosa29

Essa propaganda vende a ideia de que, ao se comprar a sandália, estaremos ajudando a natureza, uma vez que ela vem com o relógio do boto cor-de-rosa, animal ameaçado de extinção. Conversamos sobre extinção e propaganda, mas as crianças não conseguiram compreender a ideologia por trás do discurso de proteger a natureza.

P - Mas o que esses animais têm a ver com a sandália? Eu quero entender. A Xuxa chamou as crianças. “Venham, vamos cuidar da natureza”. Por que ela chamou as crianças para cuidar da natureza e está vendendo as sandálias? O que tem a ver tudo isso?

As poucas crianças que falaram disseram que não sabiam e assim, continuamos as perguntas, tentando nos fazer mais claras, até que uma criança conseguiu fazer as relações e respondeu.

P - Ela falou que é para a gente cuidar da natureza, mas ela quer vender as sandálias. Se eu for lá, na loja, e falar “olha, moça, quero aquela sandália da Xuxa que vem com o boto rosa”, aí eu compro. Assim, eu estou ajudando a natureza?

C1 - De forma alguma.

Somente essa criança respondeu a essa questão. A resposta “de forma alguma” não nos dá parâmetros para afirmar que ela teceu relações, e tal fato demonstra o poder da publicidade sobre as crianças. A propaganda foi inventada para criar em nós desejos desnecessários, para moldar nossos comportamentos, para criar uma insatisfação.

5.4.2 Propaganda 2 - Super-heróis da Hasbro30

A partir da mediação realizada na análise da primeira propaganda, as crianças já entenderam que a função social do discurso publicitário é vender algo a alguém. Assim, ao serem questionadas sobre o que a propaganda quer fazer, elas respondem que é vender os bonecos. Uma vez que o kit com três bonecos é vendido comercialmente a R$ 300,00, alertamos que esse é um brinquedo caro.

Perguntamos se qualquer criança pode ter um brinquedo desses, e prontamente elas dizem que não. Mais uma vez, C1, na contramão, diz que qualquer criança pode ter, e C5 contra-argumenta, afirmando que nem todos podem ter, afinal não é um brinquedo barato. Nesse momento, tanto nós quanto a professora da sala fazemos uma mediação: dizemos que normalmente não costumamos comprar brinquedos caros assim para nossos

29 Disponível em: <https://youtu.be/lh9q6oatfQM>. 30 Disponível em: <https://youtu.be/XvDHgEXV2Lc>.

filhos, reforçando a ideia de que um brinquedo desse valor seria o único do ano todo, ou mesmo que optamos por fazer passeios no lugar de comprar algo desse preço. Muitas crianças, em sinal de concordância, começam a expressar, afirmando os pais não lhes dão brinquedos desse valor.

5.4.3 Propaganda 3 - Ovo de Páscoa da Arcor31

Como esta atividade foi feita logo após a Páscoa, conversamos sobre ovos de chocolate. Diagnosticamos que 90% da sala ganhou ovos com brinquedos; duas crianças disseram que a mãe deu ovos com bombons, porque era mais barato; uma criança disse que não ganhou nada porque a família não tinha dinheiro. Nesse contexto, contaram quais brinquedos vieram nos ovos.

No dia da atividade, havia 23 crianças na sala. Realizamos com elas uma enquete para saber quem preferia ovo com brinquedo e quem preferia com bombom. Na votação, 19 crianças disseram preferir a primeira opção, e quatro, a segunda.

P - O que veio no seu ovo?

C17 - Bombom, porque meu pai disse que com brinquedo é mais caro.

A partir dessa fala, iniciamos uma conversa sobre brinquedos vinculados a alimentos, alertando que nem todos podem comprar ovos de Páscoa e que o brinquedo encarece o produto.

Com essa atividade, pudemos observar que as crianças já têm noção de dinheiro e que ele tem valor de troca. Também constatamos que realmente elas são alvos potenciais da mídia e que as estratégias de marketing estão cada vez mais elaboradas para influenciar os pequenos, utilizando-se de conhecimentos da psicologia, de consumo etc. Isso ficou claro ao percebermos que a frase mais proferida pelas crianças quando estavam assistindo à propaganda foi: “Eu quero isso, meu pai disse que vai comprar, quando tiver dinheiro”.

As estratégias de persuasão na mídia voltada para o consumo têm se apresentado cada vez mais sofisticadas e eficazes. Com o advento da Internet, televisão e outras fontes acessíveis de informação, essa influência alcança todas as classes e tipos de consumidores, das formas mais diversas e frequentemente sutis. No caso do público infantil, no entanto, a mídia lança mão de estratégias voltadas não somente para as próprias crianças, como também para seus pais, responsáveis e cuidadores, isto é, em última instância, os que definem a escolha e aquisição dos produtos e serviços anunciados(IGLESIAS, 2013, p. 134).

Segundo Gade (1998, p. 1), “o estudo do comportamento e da psicologia do consumidor é realizado para permitir o desenvolvimento de estratégias de marketing mais eficazes”. Para a autora, o comportamento do consumidor está atrelado a produtos e serviços que ele almeja. Nesse contexto do mercado cada vez mais globalizado, a propaganda se configura como a maior ferramenta de comunicação entre fornecedor e consumidor.

Para Schroder e Vestergaard (2000), a primeira empreitada da publicidade é fazer com que o anúncio seja notado. O anúncio, então, necessita conservar o leitor e convencê-lo de que o produto é do interesse e necessidade dele. Além disso, deve convencê-lo de que aquele produto tem certas qualidades que o tornam superior aos análogos.

Observa-se que o consumismo enraíza-se nas crianças à medida que são bombardeadas o tempo todo com propagandas que vinculam felicidade a posses. Nesse contexto, a maioria dos pais, por sentimento de culpa e para deixar seus filhos felizes, acaba cedendo aos desejos das crianças. Vivemos tempos em que todos precisam trabalhar, mães e pais, e, como forma de suprir o tempo que passamos longe de nossos filhos, abraçamos a tendência de comprar coisas. Na contramão dessa ideia, acreditamos que aquilo de que a criança necessita, na verdade, é estar junto da família, brincar e conversar; afetividade não se compra.

Daí a importância de espaços para discussão do consumismo desde a Educação Infantil. Essa atividade nos permitiu visualizar a materialidade dessa ferramenta da sociedade de consumo.

5.5 Episódio 5 - Tapete de embalagens