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CAPITULO V: Uma proposta de trabalho de Educação Ambiental na Educação

5.5 Episódio 5 Tapete de embalagens

Objetivo: Mostrar para a criança o quanto consumimos e problematizar o consumo a partir da questão das embalagens, dos resíduos sólidos e das consequências ambientais.

As crianças trouxeram embalagens que guardaram por uma semana. Conversamos sobre qual era a função desses invólucros e onde eram descartados após o uso dos produtos. Ao serem questionadas sobre o destino de todo o lixo que produzimos, a maioria das crianças respondeu que o “lixeiro leva para longe”. Duas crianças disseram que levam para o “buracão”.

Em pequenos grupos, começaram a montar um tapete de embalagens, processo permeado por conflitos na medida em que tinham de negociar quem ia lavá-las, secá-las, cortá-las e grampeá-las. A grande disputa foi pelo grampeador, objeto que não manuseiam

com muita frequência; era, portanto, uma novidade. Nossa fala privilegiou sempre a ideia de que ninguém podia monopolizar algo e de que deveria haver um rodízio entre todos.

Figura 17 - Tapete de embalagens

Assim, entre conflitos e desafios, concluímos o tapete em três dias. As crianças apresentaram um ótimo envolvimento em sua produção: todos participaram com entusiasmo. Após o término, demos continuidade à atividade para discutir a questão da produção do lixo.

Para ampliar nossos conhecimentos sobre o destino do lixo e refletirmos sobre nosso consumismo desenfreado, assistimos a dois vídeos:

1. “O Caminho do Lixo: Como Funciona um Aterro Sanitário”32;

2. “O Nosso Lixo: Caminhos da Reportagem”33.

O primeiro vídeo, curto (tem menos de três minutos), mostra o funcionamento de um aterro. Nas imagens, os caminhões são pesados em uma balança, despejam o lixo e as máquinas o espalham, colocando sobre ele terra, argila e uma manta de polietileno. Por fim, também é mostrado o processo de liberação do chorume e a queima de gás metano.

A partir desse vídeo, conversamos sobre doenças, danos ao meio ambiente e consumo consciente, sempre utilizando os termos mais técnicos e científicos. Por conta disso, durante o diálogo, observamos que algumas crianças ampliaram o próprio vocabulário, substituindo os

32 Disponível em: <https://youtu.be/qfJIRp2PIos>. 33 Disponível em: <https://youtu.be/s846GukzIX4>.

termos “buracão” por aterro sanitário; “saquinho” e “caixa” por embalagens; “água fedida”

por “chorume”.

Vigotski (2009) traz contribuições acerca do uso de conceitos científicos. Ele afirma que os conceitos psicologicamente concebidos evoluem, assim como os significados das palavras.

[...] Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa uma generalização. Mas os significados das palavras evoluem. Quando uma palavra nova, ligada a um determinado significado, é apreendida pela criança, o seu desenvolvimento está apenas começando; no início, ela é uma generalização do tipo mais elementar que, à medida que a criança desenvolve, é substituída por generalizações de um tipo cada vez mais elevado, culminado o processo na formação dos verdadeiros conceitos (VIGOTSKI, 2009, p.246).

O desenvolvimento de conceitos requer o das funções psicológicas superiores, como atenção, memória, abstração, comparação e discriminação. Diante disso, Vigotski (2009) faz uma séria crítica ao método escolástico, em que se decoram conceitos, pois decorar não é aprender. Em contrapartida, propõe a apreensão do conhecimento vivo, que faz sentido para a criança.

Ao propor a sequência didática, pensamos justamente nisto: uma proposta que dialogasse com as crianças, que as atingisse, que fosse também concreta. A construção do tapete foi interativa, permeada por discussões e rendeu a todos muitos conhecimentos.

O segundo vídeo, por sua vez, não foi apresentado por completo: de seus 21 minutos, somente os primeiros sete foram reproduzidos, pois esse era o recorte que nos interessava. O vídeo trata da questão do trabalho de algumas pessoas no lixão. Em específico, vimos o depoimento de uma moça que parou de estudar para ajudar a família. Com 23 anos, morando em um barraco com seus três filhos, ela conta como é seu cotidiano. Em seu relato, destaca-se o fato de que ela atua de chinelo, sem luva, em meio ao lixo, sem nenhuma proteção. Por isso, perdeu a visão de um olho no próprio lixão ao se machucar com um pedaço de madeira.

As crianças assistiram ao vídeo com muita atenção e se mostraram comovidas com a história da moça e de pessoas que se alimentavam das frutas no lixo. Outro fato destacados por elas foi a falta de segurança dos trabalhadores, que são atropelados pelos caminhões e tratores, e a perda da visão da moça.

Durante a discussão em roda, C1 relatou a experiência que teve com seu avô, coletor de lixo, que o levou um dia para conhecer seu trabalho no caminhão de coleta seletiva. Questionamos se a atitude de levar uma criança em um ambiente de trabalho que oferece

riscos estava correta. Enquanto algumas crianças criticaram, afirmando ser esse um ambiente perigoso com base no vídeo, C1 parecia não ter essa preocupação, dizendo que seu avô apenas o havia deixado na cabine do caminhão e o havia colocado só por um momento na parte de trás do veículo. Percebemos que, para C1, a experiência de ir ao trabalho do avô foi muito boa: foi uma aventura dependurar-se na traseira do caminhão, mesmo que por poucos minutos. Estava orgulhoso de estar junto ao avô, figura familiar que lhe traz conforto e segurança.

Outra criança (C8) contou que seu pai trabalha com reciclagem e que vai ajudá-lo de vez em quando. Em sua fala, assinalou que o parente trabalha com luva e em uma comunidade de reciclagem, um barracão, e não no lixão.

A partir do vídeo, foi possível explorar as falas das crianças, as quais expressaram suas vivências cotidianas. As crianças compartilharam um rol de experiências, envolvendo, por exemplo, os cachorros da rua rasgando o lixo de casa; coleta seletiva, a reciclagem que alguns pais fazem; a (não) separação do resíduo orgânico do material reciclável; entre outras.

Tratamos também do trabalho infantil, pois, além de o vídeo apresentar muitas crianças trabalhando no lixão, elas ouviram a experiência do colega. Podemos constatar, através de suas falas, que têm bem claros os direitos das crianças de brincar e estudar.

Retomando a ideia já tratada anteriormente, remetemos às categorias de Bonotto (2008) e acreditamos que este episódio proporcionou trabalharmos a valorização de uma sociedade sustentável, porque tratamos das diferenças sociais, de trabalho infantil, das condições de trabalho em um aterro e dos direitos das crianças. Com esta atividade, conseguimos que as crianças socializassem suas vivências, entrassem em contato com outra realidade, conhecessem o funcionamento de um aterro e pensassem de forma mais aprofundada sobre o destino do lixo.

Depois de toda a discussão, fomos finalmente ver nosso tapete. As crianças ficaram admiradas com o tamanho e consideramos que a produção não foi só um registro, mas uma forma de arte — arte esta que nos faz pensar, criar e reelaborar conceitos que são muito significativas na Educação Infantil. Nesse sentido, Barbosa (2011, p. 4) ressalta que:

Arte não é apenas básica, mais fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte não é enfeite, arte é cognição, é profissão e é uma forma diferente de a palavra interpretar o mundo, a realidade, o imaginário e o conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano.

A arte é tão importante quanto qualquer outro componente curricular da Educação Infantil e é essencial trabalharmos esse aspecto, pois, segundo Buoro (2003, p. 20):

A Arte, enquanto linguagem, interpretação e representação do mundo, é parte deste movimento. Enquanto forma privilegiada dos processos de representação humana, é instrumento essencial para o desenvolvimento da consciência, pois propicia ao homem contato consigo mesmo e com o universo.

Ao observarem o tapete, as crianças foram capazes de identificar seus rótulos. Quando questionadas sobre como poderíamos reduzir a quantidade de embalagens, algumas responderam “fazendo tapete” e outras disseram “reciclando”. Apenas uma respondeu “comprando menos”.

É claro que as respostas mais esperadas por nós estariam vinculadas à reciclagem e à redução de consumo. No entanto, enxergamos que a resposta “fazendo tapete”, embora engraçada, tem fundamentação, porque as crianças estão na fase do concreto, em que são ligadas ao imediatismo; portanto, muitas associaram a confecção do tapete à solução para o problema dos aterros sanitários.

Assim, retomamos o assunto novamente em pequenos grupos. Conversamos sobre a confecção dos tapetes, os vídeos e a importância da redução do consumo. Ao questionarmos novamente qual seria a solução para diminuir o lixo, ouvimos mais uma vez que a resposta seria “fazer tapete”. Por isso, perguntamos a elas onde colocaríamos tantos tapetes.

C7 (3 anos) respondeu que deveríamos colocá-los em cima do armário. Questionamos, então, se iria caber tanto tapete nesse lugar, ao que C20 (5 anos) disse que fazer tapete não adiantaria: a solução seria comprar menos. C17 indicou a ideia de reutilizar ao afirmar que “a gente pode usar de novo as coisas”.

Observamos que cada grupo tem uma ou duas crianças que argumentam mais, que fazem questões de uma forma mais elaborada e mais crítica. Essa interação com outras crianças amplia sentidos e significados para as crianças menores, que não conseguiriam chegar a algumas reflexões se estivessem sozinhas ou com crianças de mesmo estágio de desenvolvimento. O processo de interação com crianças mais velhas e com adultos é favorável para o desenvolvimento e aprendizagem, ajudando na fala interior e no pensamento reflexivo. Nesse sentido, Vigotski (2007) afirma que

[...] o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente

e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança(VIGOTSKI, 2007, p.103).

Com nossa intervenção e com a fala de algumas crianças, novamente apareceu a apropriação de sentidos: lentamente, algumas trocaram o termo “água fedida” por “chorume” e “buracão” por “lixão”, em suas falas, detectamos como solução para reduzir o lixo o consumo consciente.

Mais uma vez, gostaríamos de ressaltar a relevância do trabalho com grupos pequenos. Ao conversarmos na grande roda, a turma tem mais momentos de dispersão. Ao contrário, os trabalhos com grupos menores permitem maior entrosamento e concentração, o que facilita nosso trabalho como mediadoras, na medida em que nos permite visualizar melhor os processos das crianças. Silva (2007) assinala que, dentro de uma concepção crítica de EA, a participação política é de extrema importância quando envolve processos de reflexões coletivas, e nossa proposta de trabalho se centrou nesses momentos de diálogos.

Ao revisitar os grupos, constatamos que as crianças conversam mais e têm um potencial muito grande de interação. Em alguns momentos, nós, adultos, tentamos tanto nos fazer entender, e eles, em poucas palavras, fazem-se compreender.

Depois da conversa, a proposta era desenhar aquilo de que mais gostaram nos vídeos ou na confecção do tapete. Nesse instante, notamos uma divisão bem nítida entre os gêneros: a maioria das meninas desenhou o tapete, que lembra a casa, enquanto os meninos desenharam mais o aterro e os caminhões, que, na nossa sociedade, estão vinculados à figura masculina.

Figura 19 - Caminhão da coleta seletiva - C17 (menino de 4 anos)

Consideramos esse episódio de confecção de tapete de embalagens envolvente, prático e reflexivo. Ele permitiu muitos diálogos acerca das embalagens e dos impactos ambientais bem como de práticas de consumo mais conscientes.

5.6 Episódio 6 - vídeo: “O Lórax: Em Busca da Trúfula Perdida”