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Capítulo II: Desenvolvimento Grupal: da génese à maturidade

2.3. Equipas ou Grupos de Trabalho?

Até ao presente momento, ao longo do nosso trabalho, temos utilizado os termos grupos de trabalho e equipas como se se reportassem à mesma realidade. Mas, será que uma equipa é efectivamente o mesmo que um grupo de trabalho? Nesta secção, do capítulo II do presete trabalho, vamos procurar responder a esta questão.

Com base no que apresentamos anteriormente, é facilmente perceptível a elevada importância que a utilização do vocábulo grupo passou a ostentar nas Ciências Sociais e, de forma particular, nas ciências que fazem da organização o seu objecto de estudo. Todavia, mais recentemente, sobretudo no contexto organizacional, o vocábulo equipa suplantou o de grupo, sendo inúmeras vezes referido que as equipas constituem a forma privilegiada de as instituições se organizarem com o propósito de realizarem as respectivas tarefas (Mohrman, Cohen & Mohrman, Jr. 1995; Osterman, 1994).

Devine et al. (1999) referem que as equipas estão fortemente presentes em organizações que são detentoras de uma estrutura departamental. Robbins (2001) afirma que oitenta por cento das instituições americanas declararam estarem organizadas em equipas, não utilizando a terminologia “grupos de trabalho”. Benders, Huijgen, Pekruhl e O’Kelly (1999) referem também que no âmbito das organizações europeias, a percentagem de equipas é, ainda, mais elevada, apontando-se para oitenta e quatro por cento.

Parece, assim, de facto evidente que, mais recentemente, se observa uma maior valorização do termo equipa quando comparado com o vocábulo grupo, o que origina uma tendência para a inclusão do primeiro no léxico organizacional, suplantando a frequência de utilização do segundo. Perante este cenário, sentimo-nos impelidos em analisar os vocábulos em questão, primeiramente, sob uma perspectiva etimológica.

As origens dos termos grupo e equipa são divergentes, enquanto o primeiro provém do francês antigo grappe, para designar cacho de uvas, ou do italiano gruppo, como significativo de nó ou junção, tendo sido usado, nos séculos XVI e XVII, na escultura e na pintura, como

imagem de unidade e harmonia a partir de elementos separados (Visscher, 2001), o vocábulo equipa pertenceu inicialmente ao domínio marítimo (do germânico skip, que designa barco), tendo sido introduzido no vocabulário com o significado de um grupo de homens em combate às adversidades do mar (Devillard, 2001). Como máximo denominador comum, ambos os vocábulos parecem ter etimologicamente a mesma noção: uma unidade assente num conjunto de elementos.

Posto isto, consideramos pertinente lançar a seguinte questão: será que conceptualmente é diferente a utilização destes vocábulos no campo da teoria dos grupos? Desde já, podemos afiançar que a resposta a esta pergunta não é consensual. Mais, observamos uma escassez de estudos empíricos que validem tanto a necessidade de diferenciação, quanto a vantagem da utilização indistinta. Por um lado, estamos frequentemente em presença de duas palavras que compartilham o significado de modo indiferenciado (Devillard, 2001; Guzzo, 1996; Hackmann, 1990; Lourenço, 2002; Lourenço & Dimas, 2011; Miguez & Lourenço, 2001; Morgan et al. 2001; Katzenbach, 2000; West, 2004). Por outro, constata-se uma tendência pela predilecção pelo vocábulo equipa e uma intenção, manifesta ou latente, em o distanciar do termo grupo. Nesta última perspectiva, Paulus e Van der Zee (2004) consideram os grupos como “maus” e as equipas como “boas”. Na óptica destes autores a relação entre grupo e equipa não deverá sequer existir. Segundo Moreira (2007) os investigadores sobre grupos e equipas estão longe de ter encontrado o “altar” para ambos os conceitos.

Parece que a assimilação dos grupos informais pelas diferentes teorias da organização, nomeadamente pela Escola Clássico-Burocrática foi perniciosa para o significado do vocábulo grupo. A Escola Clássico-Burocrática atribui uma influência de natureza negativa ao vocábulo grupo informal pelo facto de este tornear as regras instituídas e curto-circuitar as hierarquias formais em benefício dos seus elementos constituintes (Moreira, 2007).

Em jeito de síntese parcelar, observamos que estamos perante uma perspectiva que transforma o significado do termo equipa, conferindo-lhe o estatuto de metáfora do grupo que se encontra bem estruturado, que é eficiente e eficaz, não arrastando consigo a valência negativa acumulada no decurso dos movimentos pendulares pró-grupo ou antigrupo (Miguez & Lourenço, 2001).

Autores como Johnson e Johnson (1994) e Katzenbach (2000) encontram diferenças substanciais quando se compara um grupo de trabalho com uma equipa, relativamente aos processos de liderança, sistema de compensação e grau de cumprimento dos objectivos. Segundo estes autores, no que concerne à liderança, enquanto no grupo de trabalho há um líder formal ou pelo menos assumido, na equipa, a liderança é compartilhada entre os membros. Relativamente ao sistema de compensação, no grupo de trabalho o que é recompensado é o cumprimento individual, já na equipa, ainda que se enalteçam os esforços individuais, é sobretudo o êxito colectivo que é celebrado. Por fim, no que se prende com grau de cumprimento dos objectivos, segundo estes autores, no grupo de trabalho a eficácia é

medida indirectamente através da influência exercida pelo grupo sobre os demais grupos. Já na equipa a eficácia é medida directamente através da avaliação dos seus serviços/produtos.

Segundo Katzenbach e Smith (1993) o que diferencia grupo de equipa é a responsabilidade colectiva ao nível dos resultados alcançados na prossecução das tarefas. No grupo a responsabilização dos resultados na dimensão instrumental é atribuída em termos individuais. Por contraposição, a responsabilidade dos resultados na equipa recai tanto em termos individuais como colectivos. Mais, para Katzenbach e Smith (1993) a utilização do termo grupo ajusta-se a entidades em que as tarefas realizadas evidenciam um carácter aditivo ou uma interdependência conjuntiva. Estes autores associam à equipa a existência de níveis elevados de interdependência entre os respectivos membros.

Lemoine (1995) reconhece ter preferência em utilizar o vocábulo equipa, desde que sejam observadas as seguintes condições de forma cumulativa, que passamos a apresentar: a) ser uma entidade composta por actores que trabalham geralmente juntos; b) funcionar no terreno e em relação directa com ele; c) as formas de comunicação não suprimirem a estrutura hierárquica existente, sendo que cada um tem igual direito à palavra; d) cada elemento encontra realmente implicado na sua função; e) o objectivo a atingir encontrar-se bem definido; f) a colaboração entre os membros era determinante na implicação a realização de uma tarefa a realizar em comum, sendo as reuniões apenas uma parte dessa actividade.

Outra diferença entre os conceitos de grupo e de equipa é assinalada por Bettenhausen (1991) ao referir que os grupos discutem, decidem e delegam, sendo que as equipas discutem, decidem e implementam/executam o trabalho conjuntamente. A diferenciação realizada por Bettenhausen (1991) remete a equipa para uma entidade que opera directamente no “terreno”.

Por seu lado, Adair (1988), Savoie e Beaudin (1995) e também Tannenbaum, Beard e Salas (1992) a distinção entre grupos e equipas, é atribuída à existência de objectivos comuns e à interdependência de papéis e/ou funções. Assim, Adair (1988) considera que uma equipa é um conjunto de pessoas, com uma finalidade comum, existindo complementaridade nos conhecimentos, capacidades e competências destas. Para Tannenbaum et al. (1992), numa equipa os respectivos elementos interagem num registo activo, dinâmico e interdependente na prossecução dos objectivos comuns. Na perspectiva de Savoie e Beaudin (1995), uma equipa é todo o conjunto formal bem identificado de sujeitos, que são interdependentes no cumprimento de uma ou mais tarefas bem definidas, relativamente às quais são colectivamente responsáveis.

Adicionalmente, Wheelan (1999) sustenta que um grupo de trabalho se transforma numa equipa quando são definidos objectivos compartilhados, sendo que para o alcance destes se adoptam métodos eficazes. Segundo esta autora, quando um grupo se torna numa equipa a realização das tarefas torna-se mais fluente, o clima eleva-se e as pessoas sentem-se mais motivadas a cooperar com o propósito de alcançarem as finalidades definidas conjuntamente.

Por seu lado, McGrath et al. (2000), circunscrevem a utilização do vocábulo equipa para as situações em que os grupos de trabalho se prolongam por vários projectos, onde a duração da existência desta entidade é indeterminada.

Face a este quadro, Savoie e Brunet (1995) consideram que este conjunto de características se assume como sendo suficientemente vasto para ilustrar a emergência de um novo campo de investigação, de uma nova entidade que é designada por equipa.

Em suma, Lourenço e Dimas (2011) consideram que os autores que defendem a equipa como a emergência de uma nova entidade mais ajustada ao contexto organizacional comparativamente ao grupo, apoiam-se em três argumentos-chave: (I) a interdependência e complementaridade entre os membros são características da equipa, enquanto no grupo subsiste a aditividade; (II) na equipa, os objectivos apresentam-se de forma clara e comparticipados pelos respectivos elementos e, os papéis individuais são percepcionados, ratificados e aceites por todos; (III) a equipa é uma entidade de natureza operacional, que intervém “no terreno”, encontrando-se o grupo relacionado com sistema social e afectivo.

Lourenço e Dimas (2011) desqualificam a pertinência destes três argumentos. Relativamente ao primeiro argumento estes autores referem que associar à entidade equipa características como a interacção a interdependência e o dinamismo é apenas estar a avançar com um novo epíteto a uma realidade secular e que era designada por grupo. Recordam que já na primeira metade do século passado, Lewin (1951) perspectivava o grupo como um campo social assente na interdependência entre os seus elementos, assim como, Cartwright e Zander (1968) por considerarem a interdependência como um pré-requisito para que um agregado de pessoas fosse considerado um grupo.

Lourenço e Dimas (2011) reforçam a sua posição crítica, quando relativamente ao segundo argumento este ponto referem que os grupos, mesmo que num determinado momento do seu historial não sejam norteados por objectivos claros, em que os papéis e funções de cada membro não se encontrem ajustados às competências individuais e, em que o fenómeno da competição prepondera em detrimento da cooperação. Os grupos, mantendo a respectiva estabilidade estrutural que os identifica, decorrente do facto de serem sistemas dinâmicos transformam-se, evoluem, maturam. Pese embora este processo evolutivo, a aparente “nova” entidade por evidenciar novas propriedades, continua a ser um grupo.

Por fim, relativamente ao último ponto, Lourenço e Dimas (2011) referem que ao se situar a equipa no domínio exclusivo do sistema tarefa, remetendo o grupo para o sistema socioafectivo, está a procurar-se separar algo que é indissociável, reduzindo ambos os conceitos.

De facto os estudos conduzidos pelos investigadores do Tavistock Institute demonstraram que é possível distinguir o sistema tarefa e o sistema socioafectivo mas, sublinharam, igualmente, que os mesmos são dinâmicos, interdependentes e altamente interactivos. Mais, considerar o surgimento de uma “nova” entidade, que passa a ser designada por equipa, por ser mais orientada para a dimensão das tarefas é negligenciar a perspectiva sociotécnica que é um marco importantíssimo na história dos grupos (Dimas, 2007).

Em suma, Lourenço e Dimas (2011) advogam que não estamos em presença de uma nova entidade, mas meramente perante uma alteração ao nível terminológico. Pelo exposto, nós corroboramos esta perspectiva.

Na literatura relacionada com as Ciências do Desporto não identificamos qualquer referência explícita ao debate grupo versus equipa. Neste contexto, o termo equipa impera. Todavia, apercebemo-nos que tanto na literatura de natureza científica, como ao nível do empirismo racional, de uma forma tácita, silenciosa e latente, a diferenciação entre os vocábulos equipa e grupo está, igualmente, presente. O primeiro é comummente utilizado quando se refere à entidade global, que integra o conjunto de jogadores que se encontram em interacção para a prossecução de um ou mais objectivos mobilizadores, abarcando o subsistema tarefa e o subsistema socioafectivo. Outras vezes, o termo equipa, é, igualmente, empregue quando se faz alusão ao conjunto de jogadores relacionando-os, em exclusivo, com o subsistema tarefa. Por justaposição, quando se foca ou enfatiza a dimensão socioafectiva, o vocábulo grupo é o que é adoptado, preferencialmente.

Assim podemos concluir que, embora ao lançarmos um primeiro “olhar” para o cenário das Ciências do Desporto, pudéssemos ser impelidos a afirmar que a questão que opõe equipa

versus grupo, não se coloca, ao realizarmos uma análise mais alargada, constatamos que as

questões de fundo estão presentes e vão ao encontro do que se verifica no quadrante organizacional.

Com base nos principais argumentos apresentados para a distinção entre os termos equipa e grupo, assim como, no nosso posicionamento nesta questão, que refuta a diferenciação entre grupo e equipa, se admitirmos a possibilidade dos vocábulos em questão representarem a mesma entidade, estando em presença de uma modificação, circunscrita a um nível terminológico. Por que razão, vários autores, insistem nesta distinção conceptual?

Segundo Miguez e Lourenço (2001) e Lourenço (2002), a introdução e preponderância que o termo equipa ganhou no léxico das ciências organizacionais encontra-se relacionado com a necessidade de romper irreversivelmente com a perspectiva negativa que era atribuída aos grupos, que conduziu à desvalorização do termo. A contribuir para a depreciação, progressiva, do termo grupo encontramos uma corrente de investigação no estudo dos grupos que assume uma posição anti grupo, onde pontificam autores como Le Bon (1885/1960), Taylor (1911) e Gilbreth (1914/1973) e, também, Locke e Schweiger (1979), na qual se aduz a ideia de que os seres humanos quando estão em conjunto perdem ambição, iniciativa, sendo que o resultado reflecte uma diminuição da sua produtividade.

Paradoxalmente, na opinião de Dimas (2007), a equipa, ao ser anunciada como um conceito caracterizado pela inovação, pela eficiência e pela eficácia, permitiu que ocorresse uma (re)valorização do conceito de grupo no contexto organizacional, marcando um novo advento no estudo desta entidade, (re)colocando-o como a unidade básica das organizações.

Em sintese, a nossa posição reconhece a possibilidade da existência de potencialidades na utilização do termo equipa no contexto organizacional, porém, acredita,

igualmente, e sobretudo, que existem benefícios na revalorização do conceito de grupo. Subsidiamos a nossa posição com o facto de a noção de grupo e o seu estudo possuírem uma longa tradição, enriquecida por diferentes percursos de investigação, por uma multiplicidade de abordagens, de estudos teóricos e empíricos. Cremos que a projecção dos grupos no presente e no futuro passará, inexoravelmente, pela consideração e valorização do seu passado. Concomitantemente, consideramos que a adopção, (quase) em exclusivo, do termo equipa, poderá trazer outro problema identificado por Bouwen e Fry (1996), e que se consubstancia no facto de a emergência desta nova entidade – equipa – poder conduzir a um “apagão” de todo um percurso histórico e dos seus inegáveis contributos para o conhecimento da dinâmica do fenómeno dos grupos de trabalho. Revemo-nos, claramente, na linha que considera que o debate em torno da utilização dos vocábulos grupo e equipa, “ganha em deslocar-se de uma

perspectiva ou/ou para uma posição e/e” (Lourenço, 2002; pp 59).

Assim, consideramos que desde que se clarifique que a entidade, que uns designam por equipa e outros por grupo, se reporta ao mesmo, consegue-se, em nossa opinião, obter vantagens que aos dois surgem associadas. Face ao exposto, na presente dissertação os vocábulos grupo e equipa serão utilizados como sinónimos.