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Capítulo I: Psicologia do Desporto: Ciência ou Disciplina? O Percurso Histórico e

1.4. Psicologia do Desporto – Desafios Futuros

Acerca do futuro da Psicologia do Desporto, segundo Cozac (2004) e Fonseca (2001) é fundamental verificar-se um progressivo incremento da qualidade dos estudos a serem desenvolvidos (mais do que um aumento do número de trabalhos a serem realizados nesta área), sob pena de se assistir, a curto ou médio prazo, a uma desaceleração na sua evolução e no consequente reconhecimento e atracção que vem suscitando.

Segundo Garcia-Mas (1997), um dos desafios que se coloca à Psicologia do Desporto quer no presente, quer no futuro, consiste na necessidade premente da criação de equipas de investigação pluridisciplinares, de forma a promover o intercâmbio de diferentes perspectivas ou abordagens a um mesma situação que se encontre em estudo. Infelizmente, no entender deste autor, assiste-se a uma tendência para se verificar uma maior distância entre as diferentes áreas científicas, razão pela qual importa tentar perceber efectivamente quais as

2Para uma análise minuciosa dos eventos académicos referenciados sugerimos a consulta do capítulo 1 do Manual de

Psicologia do Desporto, pp 32-33 da autoria de Cruz, denominado: “Psicologia do Desporto e da Actividade Física:

relações a estabelecer entre a Psicologia do Desporto e as outras Ciências do Desporto, bem como com a Psicologia Geral.

Outros dos desafios consiste em clarificar uma polémica que, no passado, foi levantada por Danish e Hale (1981) que consistia na definição do papel profissional, funções e habilitações relativamente a quem trabalhe na Psicologia do Desporto. No entender de Araújo (2002) hodiernamente deparamo-nos com as mesmas questões, que, em seu entender carecem de uma maior reflexão e consequentemente clarificação.

Cabe-nos assinalar que Cruz (1996), advoga que a intervenção directa com atletas, deverá ficar entregue, em exclusividade, aos psicólogos, princípio que não se aplica a quem se encontre interessado em realizar investigação no domínio cientifico em questão, onde os profissionais das Ciências do Desporto são percepcionados como uma real mais-valia

Relativamente a este mesmo desafio, Fonseca (2001) tem uma posição contrária, adjectivando-a como sendo uma mera discussão de natureza corporativista, para além de improdutiva, já que no seu entendimento não toma em consideração o contexto desportivo que caracteriza este domínio, pelo menos nos tempos actuais, decorrente de uma certa ausência de regulamentação, resultando portanto no facto de que o que verdadeiramente importa não é tanto o tipo de diploma apresentado pelos indivíduos, mas sim, os conhecimentos e competências que possuem, ou não, para as funções requeridas.

A este respeito Cozac (2004) e Cruz (1996) consideram que a formação ideal de psicólogos do desporto implica a aquisição de conhecimentos e competências em duas áreas: Psicologia e Ciências do Desporto. Se lançarmos um olhar para os países onde a Psicologia do Desporto está muito desenvolvida observamos cenários díspares. Vamos apenas a dois exemplos:

1º Inglaterra e Estados Unidos da América – as normas da Associação Britânica do Desporto e do Exercício definem que a certificação de alguém com a designação de Psicólogo de Desporto implica, obrigatoriamente, uma licenciatura em Ciências do Desporto a que se adiciona um curso de pós-graduação (mestrado ou doutoramento) em Psicologia. Por seu turno, a American Association for the Advancement of Applied Sport Psychology, colocou em prática um programa de certificação de consultores em psicologia desportiva que aglutinava o domínio da Psicologia e o das Ciências do Desporto

Estes dois casos são suficientemente claros no que concerne à formação adequada a especialistas em Psicologia do Desporto de forma a proteger da intervenção de indivíduos não qualificados. A opinião de Cruz (1996), mais uma vez consubstancia que a solução mais adequada para a formação de Psicologia do Desporto requer um conjunto aprofundado no quadrante da Psicologia e no domínio das Ciências do Desporto, com o propósito de proteger o sistema desportivo de indivíduos não qualificados nesta área.

2º Portugal – no nosso país esta questão ainda necessita de regulamentação. Todavia, já na década de noventa, Cruz (1996) sugeria um cenário que continha os princípios apresentados nos exemplos anteriores, porém, com uma nuance. A intervenção na área da Psicologia do Desporto deveria possuir um pré-requisito: uma licenciatura em Psicologia, a que

se juntava uma formação ao nível de pós-graduação em Ciências do Desporto. Por contraposição, um sujeito que tivesse uma formação académica de base nas Ciências do Desporto, a que se juntava uma formação adicional em Psicologia, não deveria estar habilitado a intervir, mas sim a desenvolver investigação na referida área.

Em síntese, este problema foi herdado do passado, mas parece persistir sem se conseguir uma resposta sólida que reflicta a totalidade, ou uma significativa representatividade dos psicólogos e outros técnicos que se encontrem ligados a este domínio (Brito, 2009). Como vimos, embora em alguns países estarem a ser dados passos importantes no sentido de certificar a intervenção e a investigação de profissionais na área da Psicologia do Desporto, partilhamos da opinião que existe, ainda, a necessidade de clarificar, fundamentar e definir critérios relativamente a quem possui efectivamente competências para intervir directamente e/ou desenvolver estudos na área da Psicologia do Desporto.

Uma outra preocupação da Psicologia do Desporto, no entender de Fonseca (2001), deverá consistir no reforço da qualidade dos programas de formação de agentes desportivos. Aqui é destacada a importância dos treinadores e dirigentes desportivos possuírem conhecimentos e competências neste domínio. Compreendemos perfeitamente esta posição, pois parece-nos líquido que não interessa investir apenas na formação de psicólogos e/ou outros técnicos com elevada competência para intervirem na área se o sistema desportivo não estiver preparado para percepcioná-los como uma mais-valia e extrair deles o máximo possível em termos de contributo técnico-científico.

Assim, tanto os treinadores, dirigentes, mesmo jogadores, ao possuírem conhecimentos e competências na área da Psicologia do Desporto, poderão “ler” melhor as situações que se lhes deparam e, consequentemente, intervirem de uma forma mais eficaz, recorrendo a técnicas e ferramentas que decorrem deste domínio científico.

Interessante, ainda neste espaço do nosso trabalho, relevar que hoje a terminologia de Psicologia do Desporto já não parece ser suficiente para agregar todos os ramos de investigação que vão germinando (Araújo, 2002; Weinberg e Gould, 2011a). Reflexo deste entendimento é bem visível, na opinião de Araújo (2002) em termos da necessidade de se ser mais rigoroso, passando-se a adoptar o termo Psicologia do Desporto e do Exercício. Na verdade, segundo Araújo (2002), no presente, a Psicologia do Exercício já possui um corpo de conhecimentos relevantes e perfeitamente identificados.

Outra área que, actualmente, já comporta algum enraizamento científico, apontando para indícios de autonomia, é a que Vikers (2000) denomina por Psicologia Neuromotora. Este domínio estuda as formas como os seres humanos aprendem e controlam habilidades motoras complexas (Vikers, 2000). Sob uma perspectiva pragmática, podemos afirmar que explora a contribuição das estruturas mentais e dos processos de acção no desempenho de habilidades motoras.

Já Weinberg e Gould (2011b; 2011c, 2011d) à semelhança de Serpa (1993; 1996) definem como áreas prioritárias de investigação para o presente e futuro da Psicologia do

Desporto, a liderança, a dinâmica grupal e o processo comunicacional. Estes autores fundamentam esta posição pelo facto de atribuirem a estes fenómenos uma elevada influência na performance das equipas desportivas. Mais, embora reconheçam a existência de alguns trabalhos já realizados nesta área, consideram que no âmbito destas temáticas muito ainda poderá ser investigado, compreendido e posteriormente, integrado no processo de treino de equipas desportivas com o propósito de potenciar os seus outputs.

Aproveitamos para sublinhar que a nossa opção em estudar as temáticas da liderança, desenvolvimento grupal e eficácia colectiva no presente trabalho é, então, “subsidiada” pelas posições de Serpa (1993; 1996) de Weinberg e Gould (2011b; 2011c, 2011d), voltando a ser reforçada a sua importância e utilidade.

Atendendo à análise que temos desenvolvido, constatamos que a Psicologia do Desporto está cada vez mais a especializar-se e parece-nos que será uma dinâmica a continuar nos próximos anos.

Em virtude de o autor e de um dos co-orientadores deste estudo terem a sua formação académica na área das Ciências do Desporto, a que se junta o facto de o orientador e de o outro dos co-orientadores deste trabalho possuírem a sua formação académica na área da Psicologia, consideramos estarem reunidas as condições para irmos ao encontro de superar um dos desafios colocados por Garcia-Mas (1997) à Psicologia do Desporto: a necessidade de implicar na análise dos fenómenos desportivos, investigadores com áreas de formação académicas diferentes (Psicologia e Ciências do Desporto) de forma a se promover uma troca de perspectivas, que se acredita, poder ser mais rica, levando a um entendimento com um maior alcance.

Em boa verdade, fruto desta realidade, este trabalho situa-se “algures” numa zona de interface entre as Ciências do Desporto e a Psicologia Geral, beneficiando, como vimos anteriormente, da dupla evolução destas ciências e acreditamos, igualmente, poder dar o nosso modesto contributo às mesmas. No nosso entendimento, o presente trabalho deverá enquadrar-se no âmbito da Psicologia do Desporto, numa dimensão conceptual referente ao que definimos como Psicologia do Desporto.

Logo, acreditamos ter conseguido confirmar a hipótese que levantamos no início do presente capítulo. Comprovamos que o actual trabalho consignado ao desenvolvimento grupal, à liderança e à eficácia colectiva, tomando em consideração a posição de Weinberg e Gould (2011b; 2011c, 2011d), assume-se como pertinente e actual, decorrente do facto destes autores considerarem que um dos desafios para o presente e futuro da Psicologia do Desporto, consistir no estudo destas temáticas contextualizadas aos praticantes e/ou equipas desportivas, com a finalidade de elevar as respectivas performances.

Gostaríamos de encerrar este capítulo relevando que, em nosso entender, é perfeitamente compreensível a crescente importância que ao longo dos tempos tem sido atribuída à Psicologia do Desporto, observando-se um efectivo reconhecimento da sua pertinácia, sendo que a cada “achado” não se deverá cair no erro de ensombrar outros conhecimentos, passados e futuros, construindo um “saber” sempre à luz de um rigor científico,

embora permeável à sua refutação como refere Toffler (1980), de forma a se conseguir ir (sempre) mais longe…

Julgamos nós, que este também será um desafio para o presente e futuro dos profissionais que estudam e/ou intervêm na Psicologia do Desporto.

Capítulo II: Desenvolvimento Grupal: da génese à