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ERA UMA VEZ O MEDO QUE FOI EMBORA Autor: Psicólogo Plantonista

Chegamos à pediatria e fomos conversar com a equipe residente (...). Uma médica osà pediuà pa aà da à u aà olhada aà eà doà ua toà ,à poisà elaà estavaà a gustiada .à Pairou certo desconforto. Tentei questionar o que levava esta médica a fazer tal encaminhamento, mas foi em vão. Ela não entendeu minha pergunta e repetiu sua necessidade – e nem me passou pela cabeça refletir essa necessidade a ela. Acatamos e fomos ver o quarto 413, que estava vazio e escuro. Mais uma volta... Nada, ainda escuro e vazio. Decidimos então sentir a demanda que possa emergir. Senti-me melhor com isso.

Uma família entra corredor adentro e são encaminhados para esperar em um dos quartos. Olhando para o quarto, uma pequena garota tremendamente assustada estava sentada na cama, apertando a blusa da mãe na tentativa de se acalmar. Seu rosto ainda estava úmido. O início da conversa foi tenso, pois a garota estava muito assustada e nos olhava desconfiada. Por mais que tentássemos ser amigáveis e divertidos, sua cara de espanto permanecia como uma máscara pintada em seu rosto. Até que pronunciamos as palavras mágicas: você quer desenhar? A máscara caiu e ela respondeu afirmativamente com a cabeça, já sorrindo.

Pintamos coloridamente a folha uns dos outros. Vejo que esses desenhos podem ser resumidos na seguinte história: O tempo estava nublado e veio o arco-íris juntamente com vários sóis. Depois tinha uma menina colorida, com um coração de arco-íris, essa menina se transformou em fada madrinha, surgiram então um príncipe e uma princesa; um castelo e uma casa foguete que ia para a lua. A princesa usava roxo e tinha sapatos de cristal que faziam barulho quando batiam no chão; a fada também usava roxo e tinha uma estranha varinha de condão, já o príncipe tinha o rosto colorido como arco-íris. Era uma vez o medo que foi embora...

Enquanto desenhávamos, a menina se soltava cada vez mais, ria, contava o quanto gostava de arco-íris e de vestir colorido. Os procedimentos da equipe médica e de enfermagem (aferição de pressão, perscrutação de pulmão, e outros que não me lembro) já

não incomodavam mais. Conforme ela ia se soltando, ficava mais atento ao que acontecia, tentava compreender e ver sentido naquilo que estávamos desenhando, mas, lembrando outras experiências com crianças, provavelmente o sentido só se revelaria quando fosse relatar a brincadeira a alguém – foi o que aconteceu, no elevador, descendo, contando para minha parceira.

Esse foi, ao que me lembre, o atendimento mais tranquilo que fiz, mesmo na hora de osàdespedi àissoàseà o fi ou,àpoisà ua doà hegouàessaàho aàfuiàvisitadoàpelosà espí itosàdaà aça eta ,à oà sa iaà o oà dize à t hau.à Usa doà daà es a estratégia usual de sempre, propositadamente sendo redundante, falamos abertamente. A princípio ela não aceitou, mas aà te ei aà te tativaà elaà disseà u à tudoà e à aà seuà odoà e olhe do-se ao conforto da mãe). Minha parceira de atendimento, querendo confirmar se estava tudo bem, perguntou

ova e te,àeàaà espostaàfoiàdoisà joias ,àu à o à adaà o.à“aíàt a uila e te.

Desconforto .à Éà at av sà destaà disposiç oà afetivaà ueà oà psi logoà pla to istaà inaugura sua narrativa. Apesar de ser um profissional com experiência, professor u ive sit io,à pai ouà e toàdes o fo to à edia teàaoà pedido àpa aà da àu aàolhada à aà eà doà ua toà .à Oà ueà esta iaà o u i a doà talà des o fo to ?à Várias podem ser as possibilidades compreensivas. A primeira delas, como o próprio narrador deixa transparecer, refere-se ao sentido da presença dos psicólogos plantonistas na instituição. Dito de outro modo, a qual tipo de demanda deve servir o Plantão Psicológico? Desde o início do projeto, convencionou-se que os psicólogos plantonistas estariam à disposição de todos os atores institucionais. No entanto, nesta situação, embora seja inquestionável a existência de uma demanda da médica residente, esta não parecia ser pertinente à função almejada pelo serviço. Na verdade, pelo modo que o a ado àdes eveàoà e a i ha e to ,àdesvelaà ueà a médica, por não se sentir habilitada a da à o taàdaà a gústia àdaà eàdoà ua toà tenta desvencilhar-seàdesteàfa do.à á ata do àoàpedidoàdaà di a,àeleàesta iaàseàafasta doà do real propósito do projetoà eà seuà des o fo to à estaria, então, associado a um tipo de desvioà deà fu ç o ?à “e à sa e à aoà e toà aà ual demanda o Plantão Psicológico era convocado naquela situação, o psicólogo plantonista tentou, inutilmente, fazer com que a médica se implicasse neste encaminhamento, buscando uma abertura para o real incômodo

da residente, porém esta não se mobilizou para isto, rejeitando a possibilidade de debruçar- se sobre ele de maneira mais produtiva.

Tentei questionar o que levava esta médica a fazer tal encaminhamento, mas foi em vão. Ela não entendeu minha pergunta e repetiu sua necessidade – e nem me passou pela cabeça refletir essa necessidade a ela. Deparar-se com um quarto ueàestavaàvazioàeàes u o abriu outra possibilidade ao psicólogo plantonista.

Decidimos então sentir a demanda que possa emergir. Senti-me melhor com isso.

Deste modo, compreende-se o alívio do psicólogo plantonista mediante ao quarto ueàestavaàvazioàeàes u o ,àpoisà aàaus iaàdaà mãe do quarto 413 à estitui-se o propósito do projeto: estar a serviço das demandas aflitivas emergentes nas situações críticas vividas pelos atores da instituição.

Ainda por esta via, cabem atenuantes para a atitude, quase autoritária, da médica residente. O modo como o Plantão Psicológico se insere na instituição destoa consideravelmente de outros serviços oferecidos. Como visto anteriormente, o psicólogo plantonista, diferente do psicólogo hospitalar, não se insere como integrante da equipe do hospital, tendo, deste modo, objetivos distintos. A médica, não conhecendo a sutileza das diferenças, se coloca frente ao psicólogo plantonista como faria mediante ao psicólogo hospitalar. Ou seja, o convoca para, de maneira multiprofissional, servir aos propósitos da equipe e do bom andamento do tratamento. Respaldada pelo estereótipo da profissão, ealizaà oà e a i ha e to à deà a ei aà supe fi ial,à eglige ia do,à talvezà po à oà conhecer, a pluralidade dos modos possíveis de ser psicólogo no hospital. Além disto, não soa natural a estes profissionais a possibilidade de, estando eles também a serviço do doente, prestarem atenção à suas próprias demandas naquele contexto. Deste modo, fica o psi logoàpla to istaà des o fo t vel àpo àse à o duzido,à à evelia,àaàu àluga à ueà o lhe cabe nesta perspectiva, neste modo e neste momento, ao mesmo tempo em que não parece se àpe ti e teà à di aà eside teà refletir àso eàsuaà necessidade .

No entanto, é possível outra perspectiva para o des o fo to à do psicólogo plantonista, revelando a miríade de possibilidades compreensivas e a complexidade da situaç o.à Po à ueà ta a hoà desconforto à f e teà aà u à pedidoà asse tadoà e à u aà compreensão equivocada do papel do psicólogo plantonista na instituição? Uma resposta pertinente para esta questão é que o suposto equívoco do encaminhamento revela, através doà desconforto ,à aà i segu a çaà eà aà dúvidaà e à elaç oà aoà p p ioà luga à doà psi logoà pla to istaà oà hospital.à Pois,à seà assi à oà fosse,à po ueà a ata ,à evide te e teà aà contragosto, o pedido equivocado da médica residente? Não seria mais confortável e pe ti e teà dize à si ples e te:à N oà t a alha osà destaà fo a,à asà fi a e osà ate tosà sà e essidadesàdaàpa ie teàseàelaàe p essa ?à“of e doàaà iseàdeàide tidade ,àse àte à la oà para si qual é o seu lugar naquele contexto e vivendo o desalojamento, quase desamparo, não consegue arcar com a recusa ao pedido/ordem descabido, se submetendo docilmente à

auto idadeàlo al .àà

A falta de um setting definido, a ausência de parâmetros bem estabelecidos, a necessidade de responder de maneira habilidosa em uma situação crítica e imponderável, a ausência de um papel institucional claramente definido, são características do Plantão Psicológico que facilitam a crise do psicólogo plantonista. Sendo deste modo, o desconforto à doà p ofissio alà à uaseà u à eufe is o.à Media teà a dúvida em relação a si mesmo, ele busca, como qualquer um, algo que possa apaziguar o estado de vazio de sentido em que se encontra. Deste modo, torna-seà uitoà aisàf ilà a ata àeà a i ha no cumprimento da meta, mesmo que impróprio e falacioso, do ua toà .à Com justeza, ninguém pode dizer que os psicólogos plantonistas não conhecem o fenômeno ao qual se dedicam, pois parece ser condição sine qua non destes, estando eles no hospital, viverem as sucessivas rupturas e perdas de sentido que a plasticidade do seu ofício propicia. Embora incômoda, tal suscetibilidade é o que talvez propicie a desenvoltura necessária para colocar- se disponível à crise alheia.

Seguindo a narrativa, o ossoà he i ,à para mitigar seu desconforto, atenta-seà á de a daà ueàpossaàe e gi , que, ao mesmo tempo em que resgata o seu sentido de lá estar, o conduz a perde-se na crise alheia.

Olhando para o quarto, uma pequena garota tremendamente assustada estava sentada na cama, apertando a blusa da mãe na tentativa de se acalmar. Seu rosto ainda estava úmido.

Evide te e teà assustada ,à aà garota à viveà suaà ise.à La çadaà e à u à u doà ao qual não pertence e vivendo a dúvida e a incerteza, se apega à única referência segura que está disponível naquele momento: a mãe. Sofrendo a inospitalidade da situação, tende a generalizar, acreditando que tudo que vem do mundo, naquele momento, é agressivo e assustador.

O início da conversa foi tenso, pois a garota estava muito assustada e nos olhava desconfiada. Por mais que tentássemos ser amigáveis e divertidos, sua cara de espanto permanecia como uma máscara pintada em seu rosto. Deste modo, sentindo-se acuada pelas fantasias destrutivas, busca evitar ataques lesivos se esquivando da presença alheia.

Configura-se uma situação que convoca a destreza do psicólogo plantonista. Mediante a crise inquestionável da ga ota , algo precisa ser feito para que ela possa transcender a agonia em que se encontra. Sem parâmetros ou manuais que iluminem suas decisões e atos, o plantonista novamente é lançado na própria crise, pois só pode se valer dele mesmo para realizar a missão almejada. Do mesmo modo que um salva-vidas, que se atira ao mar revolto e se vê envolvido pelo mesmo elemento que ameaça a vida do náufrago, o psicólogo plantonista, por dever de ofício, se lança na crise, contando unicamente com a sua desenvoltura para proporcionar o resgate do fluxo existencial, rompido mediante ao acontecimento crítico.

Até que pronunciamos as palavras mágicas: você quer desenhar? A máscara caiu e ela respondeu afirmativamente com a cabeça, já sorrindo.

Eis que, no meio de tanto desamparo, encontra um modo de alcançar aquele que se afoga. O fim já não é iminente. Utilizando-se do lúdico, algo que é próprio da infância, abre acesso à garota àato e tada.àC ia-se uma cumplicidade salvadora. Retornando à imagem do náufrago, é necessário sincronia e complementaridade entre salva-vidas e afogado para

que se realize com êxito o resgate. Lá estavam eles, comungados na tarefa de escapulir de suasà ises,à pi ta doà olo ida e teà aà folhaà u sà dosà out os . Inicia-se a jornada pelo acontecimento...

O tempo estava nublado e veio o arco-íris juntamente com vários sóis. Depois tinha uma menina colorida, com um coração de arco-íris, essa menina se transformou em fada madrinha, surgiram então um príncipe e uma princesa; um castelo e uma casa foguete que ia para a lua. A princesa usava roxo e tinha sapatos de cristal que faziam barulho quando batiam no chão; a fada também usava roxo e tinha uma estranha varinha de condão, já o príncipe tinha o rosto colorido como arco-íris.

Através do desenho, instrumento familiar e amplamente dominado, a ga ota pôde t aze à àluzàoàseuà i dizível à alàesta :àu àte poài i ial e teà u lado . Brincando no e com o acontecimento, consegue elaborar aquilo que era excessivo e paralisante para ela. Sentindo-se mais segura, o mundo perde o caráter aterrorizante e o futuro, possibilidade tolhida na crise, torna-se novamente viável.àágo a,àe aà uma casaàfogueteà ueàiaàpa aàaàlua à ou uma princesa que, como Dorothy62, também usava sapatos que fazia à a ulhoà ua doà atia . Dizia de um desejo de voltar para casa? Tornou-se,à ova e te,à uma menina colorida, com um coração de arco-í is à e,à o à aà ajudaà doà p í ipeà eà u aà p i esa ,à se soltava cada vez mais, ria, contava o quanto gostava de arco-í isà eà deà vesti à olo ido , facilitando osà p o edi e tosà daà e uipeà di aà eà deà e fe age à que j à i o odava à ais .

áoàfi al,à era uma vez o medo que foi embo a... .àJ àte doàsidoàa osà salvos àdeà suas crises, é inevitável que a vida retome seu fluxo.

[...] fuiàvisitadoàpelosà espí itosàdaà aça eta ,à oàsa iaà o oàdize àt hau.à Usando da mesma estratégia usual de sempre, propositadamente sendo redundante, falamos abertamente. A princípio ela não aceitou, mas na te ei aàte tativaàelaàdisseàu à tudoà e àaàseuà odoà e olhe do-se ao conforto da mãe).

62 Referência à Dorothy Gale, personagem protagonista nos Livros de Oz do autor americano Lyman Frank

Baum e que, no cinema – o clássico OàM gi oàdeàOz à ,àp e isaà alça àosàsapatosàdeà u iàeà epeti àaàf ase:à The e sà oàpla eàlikeàho e.

É difícil romper uma parceria que deu certo. No entanto, é este o fim do Plantão Psicológico: resgatar o curso da existência. Ambos, psicólogo plantonista e ga ota , se ressentem da inevitável perda. Cada qual a seu modo, se valeu do outro para apaziguar seu desalojamento. Ingenuamente, o psicólogo plantonista coloca em dúvida as possibilidades deàsepa aç oàdaà garota ,à ua do,à aàve dade,àtalvezàsejaàeleà ueàte aàse ,à ova e te,à jogadoà oà desconforto à ueàa eàsuaà arrativa. Ou seja, ir ao sabor da demanda e perder-se em outra crise alheia. E onde mesmo estariam localizados os assustadores espí itosà daà aça eta ? Na aus iaà daà ga ota ,à ele terá que retornar à árdua tarefa de se inventar psi logoà pla to ista.à Po à out oà lado,à aà ga ota ,à es oà titu ea doà oà i í io,à ost a-se heiaàdeàsi,à espo de doà o à doisà joias ,àu à o à adaà o ,àao temor infundado de seus pa ei osàdeàviage .àTodosàosàe volvidosàpode à o ti ua à t a uila e te .