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CAPÍTULO 1 – ESPAÇO GEOGRÁFICO E CONFLITOS EM TORNO DA

1.2. O ESBULHO DE UMA IMAGEM RELIGIOSA

Graves ocorrências foram verificadas no Patrimônio dos Murzilhos no dia 26 de abril de 1933. O conflito armado foi motivo de noticiário da época.53 As desavenças em torno de uma imagem talhada em madeira por um escravo simbolizando o Bom Jesus. Um sério tiroteio ocasionou a morte do negociante João Moreira no dia 26 de abril do corrente ano. – Quem foi o responsável pelo crime?

A imagem do Bom Jesus encontrava-se há 40 anos numa capela que lhe foi construída pelo fazendeiro Chico Pinto. Zeca Pinto, filho e herdeiro de Chico Pinto, vinha cuidando da imagem do santo. Com o passar do tempo, a romaria à capelinha do Senhor Bom Jesus

53 Gazeta do Povo, Curitiba, quinta-feira, 29 de junho de 1933, p. 06. Fonte : Biblioteca Pública do Paraná,

começou a acentuar cada vez mais, era uma movimentação de devotos que vinham de longe para fazer suas preces e pagar promessas ao santo tido como milagreiro. Entretanto, o vigário da paróquia de Salto do Itararé, padre Alfredo Simon, não via com bons olhos a idéia de um santo pertencente a um catolicismo popular e mantido numa capelinha. Por isso, procurou trazê- la para a Igreja que se encontrava sob sua jurisdição. Desse modo, o Bispo Diocesano de Jacarezinho, Dom Fernando Taddei, e, 1/6/1928, ordenou aos seus vigários a proibição inconteste de construção de qualquer Igreja, capela ou oratório. Ficavam submetidos ao Código de Direito Canônico. Ao acatar essas leis da Igreja Católica Apostólica Romana, devido às “transgressões” que havia na capela pertencente às irmandades leigas em torno do santo, o movimento religioso ali desenvolvido estava colidindo com os desejos do Bispo.

Portanto, a Diocese de Jacarezinho não reconhecia qualquer forma de culto fora da Igreja oficial. Ficava expressamente proibido qualquer tipo de festa, leilão, casamento e sepultura, e a “todos os vigários da Diocese que essa nossa Carta Circular seja lida por três domingos consecutivos à estação de missa paroquial e, depois de transcrita em livro competente, afixar na Sacristia da Matriz e de todas as Capelas”.54 Dessa forma, a determinação do Bispo Dom Fernando deveria ser acatada pelos vigários das paróquias locais. Também era vontade formal do Bispo que procuradores, zeladores, irmandades de beira de estrada, assim como paróquias locais pertencentes à Fregues ia de Jacarezinho lhe entregassem o dinheiro que estava nas mãos dos mesmos. Este direito da Igreja não poderia ser renunciado pela Igreja Católica, e o Bispo diocesano declarava que “conquanto não entregar o dito

54 Fernando Bispo de Jacarezinho, Livro Tombo nº. 1, Capela do Divino Espírito Santo da Colônia Mineira,

dinheiro inteirinho, fica privado de recepção aos sacramentos e sujeitos a outras penas impostas pela Igreja contra os injustos detentores dos bens eclesiásticos”. 55

Conforme foi registrado pelo jornal Gazeta do Povo, no dia 26/41933, junto com José Pereira e Augusto Maia, que já haviam reunido em torno de 20 homens armados, o vigário do Distrito de Salto do Itararé se dirigiu para o Patrimônio dos Murzilhos. O delegado deste Distrito havia fornecido um guarda armado para acompanhar o sacerdote. Chegando ao Arraial dos Pintos não procuraram entendimento com Zeca Pinto. O grupo liderado pelo vigário Alfredo Simon estabeleceu um intenso tiroteio com a comunidade local e ao redor da capela do Bom Jesus, pois ali estava ocorrendo um protesto contra a retirada do santo. O comerciante João Moreira foi morto durante o conflito e Zeca Pinto, em conseqüência dos ferimentos que recebeu na perna, veio a falecer no dia 26 de novembro daquele ano, assim consta no registro de óbito feito por seu sobrinho, no ano de 1935, no Cartório de Registro Civil do Distrito de Salto do Itararé.

Na versão da Gazeta do Povo, “foi o Senhor Bom Jesus roubado ao seu antigo abrigo e transportado para a Igreja de Salto do Itararé, aonde continuou a romaria de crentes que faziam as suas orações aos pés da imagem milagrosa ”.56 Logo após a expropriação do santo , Antônio José Pereira, prefeito municipal de Siqueira Campos, agindo como advogado de Zeca Pinto iniciou uma ação por esbulho contra o zelador da Igreja de Salto do Itararé, Rodrigo de Carvalho. Desse modo, o Juiz de Direito de São José da Boa Vista, Augusto Guimarães Cortes, em 7/6/1933, proferiu sentença recorrendo ao Art. 506 do Código Civil Brasileiro, datado de 1919 que diz: um proprietário expropriado deve ser reintegrado de sua posse, a

55 Idem Ibidem, p. 52.

partir do momento que o requerer, sem mesmo ouvir o autor da violação, e antes mesmo do ato da reintegração. 57

Para Clóvis Bevilaqua, o Código Civil Brasileiro ressaltava que, aquele que transgredir as Leis do Estado não merece proteção jurídica, pois a dispensou utilizando de seu próprio poder para se apropriar da propriedade privada alheia.58 Do mesmo modo, o artigo 372 do Código de Procuração Civil e Comercial priorizava , dessa forma, que o procurador seja reintegrado de sua posse indiciando o autor do esbulho. Assim, fez-se necessário justificar primeiro o fato da posse, segundo o do esbulho, e por último o de não ter se passado o prazo de ano e dia para a reintegração da posse. Para o professor Azevedo Marques essa procedência não prejudicava a estrutura do processo.59 No entanto, a decisão favorável a Zeca Pinto era

prévia, não tendo relação com a prova da ação principal.60 Ao Juiz não era lícito discutir a

conveniência da norma.61 Desse modo, o Juiz da Comarca de São José da Boa Vista deferiu nestes termos o pedido de “fl. 2, mandando passar incontinentemente o mandado requerido, citando-se, outrossim, a parte contrária para a primeira audiência que se seguir a citação, sob pena de revelia. Intima-se. São José da Boa Vista, 7/6/ 1933. Augusto Cortes”. 62

No decorrer dos acontecimentos, o delegado do Distrito de Salto do Itararé, José Barnabé, explicou-se sobre o fornecimento de um policial armado para acompanhar o grupo e o vigário nas cenas lamentáveis, que ocorreu no Patrimônio dos Muzilos durante o seqüestro da imagem do santo. Também o vigário, padre Alfredo Simon, deu explicações por ter

57 Cf. Art. 506 do Código de Direito Civil Brasileiro de 1919.

58 Cf. BEVILAQUA, Clóvis. “Código Civil”, 2º. edição, pág. 34. Em: Gazeta do Povo (1933), p. 6. 59 Cf. MARQUES, Azevedo. “Ações Prossessoriais”, pág. 124. Em: Gazeta do Povo (1933), p. 6.

60 Cf. Paraná Judiciário, vol. 6, p. 164. Em: Estado do Paraná, Juízo de Direito de São José da Boa Vista,

Processo Nº. 197, Fls. 7, do dia 6 de junho de 1933. Fonte: Cartório Cível de Wenceslau Bráz.

61 Cf. PICANÇO, Melquíades. “Direito das cousas”, p. 34. Em: Processo Nº. 197, Fls. 7, do dia 6 de junho de

1933.

62Cartório Cível de Wenceslau Bráz,Seção Cível, Estado do Paraná, Juízo de Direito de São José da Boa Vista,

liderado um grupo armado durante o conflito. José Barnabé disse ter recebido ordens do delegado da Comarca de São José da Boa Vista, assim como do chefe de polícia do Estado. “Tal explicação carece, no entanto, de fundamentos, pois, tais autoridades, principalmente o Chefe de Polícia, de nada haviam sido avisadas antes do esbulho”.63 Para o vigário Alfredo

Simon, a ação se deu por ordem do Bispo diocesano de Jacarezinho, Dom Fernando Taddei. Para o Bispo a imagem do Bom Jesus não “podia ficar em poder de particulares, pois com os milagres que faz grande é o número de donativos que lhe enviam como esmolas e que esse dinheiro deve ser empregado em obras pias, o que até então não foi feito ”. 64

Importante ressaltar que o vigário, padre Alfredo Simon, após declarações à polícia, disse ter “inteira responsabilidade moral mediante a justiça pelo sucedido ”.65 O Magistrado

aproveitando a passagem de uma força militar do Estado pela localidade, sob o Comando do Te. João de Alencar Guimarães Filho requisitou para que se efetivasse a imediata reintegração de posse do Senhor Bom Jesus, com a intimação do esbulhador. A imagem desse santo deveria voltar ao seu velho abrigo em Murzilhos.66 No processo julgado em São José da Boa Vista, consta que Zeca Pinto era o proprietário de uma imagem em madeira, simbolizando o Senhor Bom Jesus, imagem esta que esteve em seu poder por mais de 42 anos, e logo após o esbulho veio requerer a reintegração de posse de sua imagem que lhe foi retirada. No processo, o Juiz registrou que a imagem foi violentamente esbulhada da posse de Zeca Pinto por ordem do vigário Alfredo Simon. Sem nenhum argumento que lhe autorizasse, argumentou o Juiz, foi levada a imagem do santo para a capela do Distrito de Salto do Itararé, pelo zelador Rodrigo de Carvalho. 63 Gazeta do Povo (1933). 64 Processo Nº 197. 65 Idem Ibidem. 66 Gazeta do Povo (1933).

Portanto, o advogado Antônio José Pereira pediu a reintegração de posse da imagem esculpida em madeira, com base no artigo 370 do Código do Processo Civil e Comercial do Estado do Paraná. O advogado exigiu que fosse expedido um mandado judicial para reintegrar a imagem do santo ao seu proprietário e herdeiro. Concomitantemente, o zelador Rodrigo de Carvalho foi notificado da reintegração e intimado a vir à primeira audiência deste Juízo, post-

citationem, em São José da Boa Vista. A fim de tomar ciência da ação e também assinar o

prazo legal para defesa. Tudo sob pena de revelia, ficando desde logo citado para todos os demais termos da ação, até finais satisfeitas as formalidades legais.

Igualmente, o esbulhador foi notificado da comunicação de uma multa de R$: 2:000$000 (dois contos de reis)67 “caso pratique qualquer outro acto (sic) de turbação ou

esbulho, independente do pagamento das perdas e danos decorrentes. Nestes termos, como é de direito e Justiça, com uma justificação e o talão de taxa judiciária ”.68 No processo, consta que Zeca Pinto alegou ter o vigário Alfredo Simon reunido em torno de si um bando armado, e acompanhados de um policial militar designado pelo subdelegado daquele Distrito, José Barnabé, roubaram- lhe violentamente a imagem do santo. Dizia ele que a imagem do Bom Jesus pertencia à família Pinto a mais de cem anos, e que de geração em geração tradicionalmente vinha sendo de Zeca Pinto. Para o Magistrado, o vigário Alfredo Simon praticou um ato de transgressão da ordem civil ilícito. E nestas condições, consta no processo que o Juiz designou a hora e o dia para que Rodrigo de Carvalho viesse a prestar esclarecimentos legais. Nestas condições, a audiência foi marcada, conforme requerimento

67 “O Snr. José Pinto de Oliveira pagou nesta Coletoria a quantia de R$ vinte e quatro mil reis proveniente de 1%

e 20% adicionais, do processo judiciário, sobre R$ 2:000$000 (dois contos de réis) valor de uma ação de esbulho, movida contra o zelador da Igreja do Salto do Itararé”. Coletoria de São José da Boa Vista, em sete de junho de 1933.

O Coletor, Porfírio Rodrigues Fortes”. Arrecadação das Rendas do Estado do Paraná. Exercício de 1933, Série Não Lançado, Nº. 17993. Fonte : Cartório Cível de Wenceslau Bráz.

datado de 7/7/1933, assinado pelas testemunhas Benedicto Correia de Vasconcelos; Targino Rodrigues da Fonseca; Luis Cursini, todos residentes do Distrito de Salto do Itararé, que requereu do zelador desta paróquia, que justificasse a “expropriação” da imagem do santo.

De acordo (sic) com o Art. 506 do Código Civil, entregando-se – lhe os autos, independente de traslado, pagas à custa, para os devidos fins de direito;

b) – que não sendo procurador do Suplicante doutor ou bacharel em direito, lhe seja deferido, concomitantemente, prestar o compromisso legal para postular em juízo, nem só na presente justificação como na causa principal, depois de ouvidos os interessados. 69

No processo consta assinada uma procuração feita por “Zeca Pinto”. O herdeiro do Bom Jesus outorgou ao prefeito da cidade de Siqueira Campos, Antônio José Pereira, todos os seus direitos com o objetivo de obter a devolução de sua imagem. Desse modo, foi lançado o presente documento conforme assinou com as testemunhas Antônio Machado, João Lopes de Barros, Antônio José Pereira, José Pinto de Oliveira, juntamente do escrivão de justiça João Lino de Moura70. Com o desenrolar do processo, a imagem do Bom Jesus foi reintegrada ao

prefeito de Siqueira Campos e procurador de Zeca Pinto.

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