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CAPÍTULO 1 – ESPAÇO GEOGRÁFICO E CONFLITOS EM TORNO DA

1.1. O SENHOR BOM JESUS E A (RE) OCUPAÇÃO DO NORTE VELHO

Os novos ocupantes oriundos das Minas Gerais e de São Paulo chegaram à região hoje denominada Norte Pioneiro, transpondo o rio Itararé e com objetivo de explorar as novas terras economicamente. Primeiramente a agricultura e a pecuária suína, e num segundo momento, voltados para o cultivo do café. O deslocamento se deu com toda a família e dependentes. Foi nesse contexto que a família Pinto se transferiu para o Norte Pioneiro. Atravessando o rio Paranapanema e trazendo seus pertences e a imagem do Bom Jesus em um carro de boi. Chegando ao local, os moradores da circunvizinhança carregaram a imagem do santo até atingirem a barranca do rio Itararé, no Passo dos Índios, mais tarde Distrito de Salto do Itararé, Comarca de São José da Boa Vista, no Estado do Paraná. Os novo s ocupantes atravessaram o rio com uma balsa antiga guiada pelos índios. Ao chegarem à outra margem do rio, no Estado do Paraná, o povoado recebeu essa imagem acompanhado-a com reza, procissão e devoção.

E assim passaram pelo Passo do Alemão, até chegarem ao sítio de João Antônio Pereira, onde ficou abrigada a imagem do santo, até a família Pinto construir a dois quilômetros do lado de lá do Ribeirão da Cachoeira, na Fazenda dos Murzilhos, um paiolão para morar, quando, ao lado deste, em meia-água, cercada e coberta com casca de peroba, construíram uma capelinha, ou um oratório, que foi a primeira “morada” do Senhor Bom Jesus em terras paranaenses.38 Mais tarde, o capitão Francisco de Oliveira Pinto edificou para o santo uma capela no sítio que passou a se chamar Arraial dos Pintos. Isso aconteceu em 1886. Com a capela, Chico Pinto construiu um “Patrimônio ” de 35 alque ires de terra em benefício

do santo. Ali ficou por muitos anos a Imagem do Senhor Bom Jesus recebendo a veneração dos fiéis e devotos de todas as cercanias e das mais distantes paragens, que para ali acorriam para buscar graças ou a agradecê- las ao Senhor Bom Jesus. 39

Em Santo Antônio do Aracanguá, a 600 km de São Paulo, a noventa e nove anos o casal Thomaz Sebastião de Mendonça e Amélia Felício de Mendonça deixou uma herança, em 22/2/1919, as terras das glebas que hoje formou a cidade. O casal havia doado 24 alqueires de sua fazenda para o santo durante a batalha entre os bandeirantes e os índios. Após a elevação do vilarejo, Aracanguá recebeu o nome de Santo Antônio, em homenagem ao santo. A emancipação do município só ocorreu no ano de 1993, porém, somente 20% dos moradores possuem escritura de suas propriedads. Esse grupo de pessoas comprou as terras do bispo que cedeu as escrituras. Em julho de 2007, a prefeitura de Santo Antônio do Aracanguá obteve da Igreja legalmente os direitos sobre as terras em benefício dos moradores. Desse modo, a cidade teve o santo como dono40. No Norte Pioneiro, desde o início da (re) ocupação o povo mineiro, de raízes e tradições católicas, conforme o vigário frei Bellino Maria de Treviso, na fé inquebrantável dos princípios da Igreja católica: “O mineiro não deixava de trazer juntamente com sua família e seus bens, o maior dos bens, que eram suas imagens religiosas, que viriam a dar coragem nas durezas do caminho e alento na solidão na sua nova terra”. 41

Desse modo, fazendeiros vindos das Minas Gerais começaram a (re) ocupar o “Norte Velho” paranaense. Dois motivos ocasionaram a vinda dessas famílias para o norte do Paraná: a decadência das minas de ouro no Estado de Minas Gerais e a Guerra do Paraguai que

39 Idem Ibidem.

40 O Estado de S. Paulo, caderno cidades, 13 de junho de 2008, p. c12.

41 Livro Tombo Nº 1, Capela do Espírito Santo da Colônia Mineira, Siqueira Campos – PR, 1901-1967, p. 161-

poderia possibilitar o alistamento militar.42 Assim, o deslocamento desses colonizadores e dessas famílias se deu por instintos de fundadores e desbravadores de matas selvagens. As terras eram férteis, com abundância de água e próprias para o cultivo do café, da cana e do fumo, também foi propícia para a criação de suínos e bovinos. Entretanto, a desastrosa Guerra do Paraguai, transmitida oralmente de pais para filhos e netos, com bastante medo, os arrancou das suas propriedades, numa época “sem crise alguma da natureza [...] Eram famílias numerosas, com filharadas por casais, muitos deles em idade de recrutamento para ‘servirem de bucha de canhão’, conforme falavam...” 43

A Guerra contra o Paraguai contribuiu para esse deslocamento, pois o medo de alistamento militar era iminente. Homens se declaravam adeptos do Partido Liberal para serem protegidos pelos chefes políticos locais, refugiavam-se nas florestas e adentrando aos sertões, despovoava-se a região ao norte do país. “Mais tarde, Junqueira, o ministro da guerra, afirmou que muitos jovens, para não serem enviados ao Paraguai, casavam com mulheres que tinham o dobro da sua idade”.44 Uma das alternativas encontrada pelos mineiros foram as florestas rumo à Alta Sorocabana, e dali para o Paraná, entrando em constante conflito com os nativos da região, os indígenas. Tanto fazendeiros quanto caboclos entraram em combate contra esses índios, habitantes absolutos do sertão. Os primeiros “pioneiros” e “desbravadores” de sertão foram Joaquim José de Senes e Domiciano Corrêa Machado que, talvez tenham comprado

42 Cf.. MOM BEIG, Pierre. Ensaios de geografia humana brasileira. São Paulo: Martins Fontes; 1940, p. 133;

Ver também ABREU, Dióres Santos. Formação histórica de uma cidade pioneira paulista: Presidente Prudente. Presidente Prudente: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; 1972, p. 15-24.

43 SOUZA, Joaquim Vicente de. Minha Terra e Minha Gente

. História do município da Colônia Mineira e de

Siqueira Campos. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 1988, p. 22.

44 DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São

terras junto ao sertanista Manoel Lopes. Instalaram-se na região próxima ao rio Itararé45 por volta de 1842-43, construindo um Patrimônio com o nome de São José do Cristianismo.

Outro erro é defender a colonização, pioneirismo, desbravamento de sertão e fundação de cidades a uma única pessoa, quando muito uma meia dúzia de pessoas como fundadores, pois apaga-se da memória os que foram vencidos sob a ótica do capital. Para o historiador Marc Ferro: “Hoje, mais do que nunca, a história é uma disputa. Certamente, controlar o passado sempre ajudou a dominar o presente...” 46 Com o início de um pequeno povoado chamado Colônia dos Mineiros, alcunha dada pelo capitão Francisco José de Almeida Lopes, chefe político em São José da Boa Vista, começou a formação do núcleo urbano desse município que, a partir de 1937 veio a ser denominado Siqueira Campos. Para Souza: “A posse foi efetivada por diversas famílias oriundas de Santo Antônio do Machado, São José e Dores de Alfenas, São Francisco de Paula do Machadinho e São João Batista do Douradinho, lugares estes então situados a oeste das Minas Gerais”. 47

Para Mário Marcondes de Albuquerque, o contexto em que se apresentavam as lavouras de café fazia com que levas de pessoas se deslocassem das Minas Gerais. Tendo como objetivo o Norte do Paraná para desfrutarem do império da opulência, o país da “terra roxa”. “Eles já conheciam a passagem de Itararé, pois muitos eram os tropeiros que faziam as viagens para o extremo sul. Os homens de índole progressista e aventureira mexeram-se na cama de suas casas arquitetando a busca do ‘Eldorado... ’” 48 Assim se formaram os núcleos

45 “O rio Itararé nasce na Serra de Paranapiacaba, no Pico de Itapirapoan, desce, fazendo a divisa do Paraná com

São Paulo. No município de Ribeirão Claro se junta ao Panema, formando a Paranapanema.” SOUZA, Joaquim Vicente de. Minha Terra e Minha Gente (1988) p. 18.

46 FERRO, Marc. A história vigiada. São Paulo: Martins Fontes; 1989, p. 1. 47 SOUZA, Joaquim Vicente de. Minha Terra e Minha Gente (1988), p. 21.

urbanos hoje conhecidos no Norte Pioneiro49. As formas de instalação desses núcleos foram descritas por Ana Yara Lopes, como sendo povoados que começaram a construção de um Patrimônio, sempre pelo chefe político local e que possuía as maiores quantidades de terra. Todavia, era escolhido o nome de um santo para designar o local. O doador imitava o gesto de todos os povoadores de sertões brasileiros e fel-o com duplo fim: atrair para a nova terra as “bênçãos do céu, em uma espécie de aliança com o padroeiro, e congregar ge nte em um ponto determinado, onde pudesse surgir povoação, servindo de apoio aquele punhado de homens, perdidos na solidão imensa”. 50

Desse modo, esse deslocamento para o “eldorado”, deixou claro quem eram as pessoas que estavam (re) ocupando as terras paranaenses. Para Albuquerque eram levas de pessoas que migravam para “edificarem um progresso movidos pelo ideal de todas as pessoas [...] Eram patrões que migraram para continuarem a serem proprietários de bens e aumentá-los dentro das regras de progresso de uma democracia ”.51 Portanto, a (re) ocupação do Norte Pioneiro do Paraná se deu por ideais ligados ao sistema mundial moderno. Nesse viés, “Domiciano Corrêa Machado, de família tradicional mineira, veio para a nova terra que comprou acompanhado da família e de escravos, para fundar São José do Cristianismo ”.52 Assim se deram os casos de Tomazina, que foi fundada pelo major Joaquim Tomaz Pereira da Silva e o da família dos Alcântara, que fundou Jacarezinho.

49 Cf. TOMAZI, Nelson Dácio. Norte do Paraná: histórias e fantasmagorias. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000. 50 LOPES, Ana Yara Paulino. Pioneiros do capital: a colonização do norte do Paraná. São Paulo, 1982.

Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências Sociais, Universidade de São Paulo, p. 40.

Para Alba Zaluar “o catolicismo popular é uma religião voltada para a vida aqui na Terra. Nesse sentido, é uma religião prática...” ZALUAR, Alba. Os homens de Deus. Um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio de Janeiro: Zahar; 1983, p. 13-4.

51 ALBUQUERQUE, Mário Marcondes de. (1995), p. 114. 52 Idem Ibidem.

Portanto, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, a imagem do Bom Jesus deu um sentido ao Patrimônio dos Murzilhos. O próprio local passou a ser denominado como Arraial dos Pintos pelos fiéis das paróquias locais do Norte Pioneiro. Foi edificado um pequeno oratório que abrigou a imagem do Bom Jesus e passou a ser cultuado ali a imagem. A partir do falecimento do fazendeiro Chico Pinto, no ano de 1902, começou um processo de configuração e reconfiguração do campo religioso no espaço e no tempo. Essa nova configuração do campo relig ioso terminou co m a hegemonia da Igreja-Matriz de Siqueira Campos, logo após a “expropriação” do santo. Vários fatores contribuíram para que a Igreja oficial viesse a ser um dos aparelhos mais importantes do Norte Pioneiro. No entanto, o passado da família Pinto foi destruído e a história do Bom Jesus alterada.

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