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A noção de escala baseada na comparação entre a dimensão do desenho em um suporte físico e o edifício em tamanho real vem sofrendo mudanças com o avanço dos meios digitais para a representação de arquitetura. No ambiente virtual do desenho em computador, a relação entre representação e edifício torna-se mais variável e dinâmica. Ao longo do processo de projeto, os diversos níveis de detalhe possibilitados pela aproximação do zoom podem ser entendidos tanto como uma imagem virtual sem uma escala gráfica definida (CABRAL, 2006), uma representação da informação em tamanho real (EMMONS, 2005), ou uma visualização que possui todas as escalas simultaneamente (PIÑON, 2006).

A relação dimensional física só passa a existir com a impressão dos desenhos, seja para verificações ao longo do processo, ou para a documentação final do projeto. Entretanto, para a manutenção da coerência entre o tamanho do desenho e o seu conteúdo, é exigido do projetista a capacidade de antecipar a escala de impressão e a quantidade de informação gráfica que ela suporta.

A imprecisão dimensional dos desenhos disponibilizados em plataformas digitais (websites, por exemplo) levou à valorização da indicação gráfica da escala. Assim, mesmo que o redimensionamento aplicado ao conjunto desenho-escala leve a escalas inusitadas, pode-se deduzir as dimensões do projeto.

Aos poucos, a plataforma BIM (Building Information Modeling, ou Modelagem da Informação da Construção) vem consolidando-se como o novo paradigma para a elaboração de projetos de arquitetura. Essa tecnologia busca gerenciar a construção virtual de modelos tridimensionais em um ambiente parametrizado que integra todo o ciclo de vida das edificações (EASTMAN et al., 2014). No processo baseado em CAD (Desenho Auxiliado por Computador), assim como no desenho à mão, atua-se diretamente sobre a documentação (desenhos técnicos bidimensionais) do projeto, já no processo baseado em BIM, o objeto e produto do trabalho é o modelo virtual da edificação, sendo a documentação um subproduto dessa construção virtual.

Nesse contexto, emergem dois conceitos relacionados ao avanço do projeto de uma representação mais abstrata para uma mais bem definida: Level of Detail (Nível de Detalhe) e Level of Development (Nível de Desenvolvimento), ambos representados

pela sigla LOD. O Nível de Detalhe diz respeito à quantidade de detalhe inserida em um elemento do modelo, já o Nível de Desenvolvimento é uma referência ao grau de confiabilidade que pode-se ter em um dado elemento do modelo, ou seja, o quanto essa informação foi pensada. Assim, o primeiro trata da incorporação de informações, já o segundo da confiança nos dados de saída do modelo (BIMForum, 2016).

Com o BIM, além da relação dimensional entre a representação da arquitetura e o edifício fornecida pela escala, o modelo virtual passa a ter um parâmetro relativo ao seu conteúdo, o LOD. A quantidade de informação de um desenho passa a não depender apenas da escala em que ele será impresso, mas do estágio de detalhamento e comprometimento dos elementos de um modelo BIM ao longo do processo de projeto. Assim como na escala, quanto maior o LOD, maior a proximidade do projeto com o edifício construído. A sistematização do LOD como a versão virtual da escala gráfica é fundamental para a adequação da representação de arquitetura às novas tecnologias de visualização de projetos, como a realidade virtual e a realidade aumentada.

Se em um primeiro momento a escala gráfica foi utilizada apenas para o controle dimensional das construções, com o avanço das técnicas de representação e o aumento da complexidade dos edifícios ela passou também a ser empregada para explorar a evolução do projeto arquitetônico em seus diversos níveis de detalhe. Diversas formas de representação da escala foram identificadas e variam tanto com o sistema de medidas em vigor no período, como de acordo com os instrumentos disponíveis para sua aferição. Independente da forma de projetar e da mídia de visualização, seja ela analógica ou digital, será sempre necessária uma variável que regule a proximidade da representação com o mundo real, ou seja, a nitidez com que o desenho revela o edifício.

4 O PROCESSO DE PROJETO E A ESCALA

O processo que visa solucionar um determinado problema arquitetônico é composto por um conjunto de decisões parciais decorrentes de ciclos de atividades de análise, síntese e avaliação. Entretanto, o projeto de arquitetura é um processo eminentemente interativo e complexo, de modo que é sempre possível retornar a uma fase anterior e revisá-la. Também, não necessariamente, uma decisão começa pela análise do problema, de maneira que a ordem dessas atividades pode ser invertida. (JONES, 1971; MARKUS, 1971; BROADBENT, 1976; LAWSON, 2011 [2006]).

Essa sequência de decisões está presente desde a definição dos conceitos inicias que estruturam o projeto até o seu detalhamento construtivo. Todavia, nem sempre o processo caminha de abordagens mais genéricas para mais específicas, podendo haver variações entre projetos e projetistas. Assim, o objeto arquitetônico final é resultado de uma dinâmica projetual, em diversos níveis de detalhe, que pode não obedecer um fluxo rígido do geral para o particular (LAWSON, 2011 [2006]).

A comunicação entre as etapas de análise, síntese e avaliação, e entre as diversas decisões, ocorre principalmente por meio da representação gráfica. Essa troca de informações acontece sobretudo através de desenhos e modelos tridimensionais que tanto documentam como estimulam o processo de projeto. (ANDRADE; RUSCHEL; MOREIRA, 2011). Dessa maneira, a representação gráfica auxilia na visualização dos dados iniciais de uma situação, na proposição de uma solução para o problema e na verificação dessa proposta. Uma vez consolidada, essa decisão também é documentada graficamente, apesar de poder ser revista posteriormente.

O domínio das técnicas de representações e sua utilização oportuna são fundamentais para a comunicação entre as diversas atividades do processo de projeto. Essa habilidade está na “capacidade de manipulação das técnicas e na seleção das formas de representação que melhor contribuam para a compreensão do problema e para o desenvolvimento da solução de projeto” (ANDRADE; RUSCHEL; MOREIRA, 2011, p.98).

O uso de desenhos e modelos físicos em escalas gráficas compatíveis com as situações de projeto que estão sendo avaliadas influencia diretamente na visualização

dos problemas e na estratégia de sua resolução. Assim, o controle do processo de concepção arquitetônica passa pela habilidade do projetista em identificar a escala de aproximação que é mais reveladora das questões de um determinado momento da ação projetual.

O processo de concepção arquitetônico é caracterizado por Quaroni (1987) como uma sequência contínua de proposições e avaliações entre os componentes da tríade vitruviana (funcionalidade, estética e aspectos construtivos), onde uma solução ligada a um parâmetro é sempre avaliada em relação aos outros dois. Essas verificações não acontecem necessariamente na mesma escala gráfica, podendo-se alterar para escalas maiores ou menores do que a reflexão inicial. Assim, o processo de projeto é caracterizado pela mudança contínua de escalas para verificar decisões anteriores, independente dos parâmetros que estejam sendo considerados (QUARONI, 1987). A manipulação consciente da escala mostra-se um instrumento fundamental para o amadurecimento e evolução do processo de projeto, é o que defende Rebella (2011). A alteração nesse atributo de relatividade dimensional estimula o processo de projeto na medida em que, a cada salto da escala na representação do objeto, novos pontos de vista são revelados. Esses novos olhares sobre a composição evidenciam novas informações e conflitos sobre o projeto, o que leva a avaliações que irão validar ou questionar o que está sendo proposto (REBELLA, 2011).

Essas alterações de escala ficam evidentes na pesquisa etnográfica desenvolvida por Yaneva (2005) junto ao escritório Office for Metropolitan Architecture (OMA). Ao investigar como os arquitetos desenvolvem suas ideias durante a concepção de um edifício, a antropóloga acompanhou a equipe responsável por um projeto ao longo das discussões e manipulações de maquetes físicas em diversas escalas. Nesse processo, as mudanças de escala dos modelos físicos foram fundamentais para estimular as discussões e aprofundar o conhecimento sobre o edifício que estava sendo projetado. Os projetistas alternavam entre maquetes com poucos detalhes e outras com mais detalhes, constituindo um circuito onde modelos pequenos e grandes informavam-se simultaneamente. A cada ciclo mais definições sobre o objeto de concepção foram obtidas (YANEVA, 2005).

Dessa maneira, torna-se fundamental para o processo de projeto a convivência de várias escalas simultaneamente, na medida em que cada uma revela um determinado ponto de vista do objeto. Essas diversas camadas de informações alimentam uns aos outros, geram críticas, ajustes e revelam soluções.

Essas várias visões parciais de um mesmo objeto vão ao encontro da ideia defendida por Mahfuz (1995) em seu “Ensaio Sobre a Razão Compositiva”, de que os processos de composição arquitetônicos são frutos da organização de partes que preexistem ao todo, onde

(...) um todo arquitetônico passa a existir através de suas partes; de fato, ele é suas partes em suas relações estruturais. Isso significa dizer que um todo arquitetônico é criado por meio de um processo no qual a parte é a unidade básica de produção (MAHFUZ, 1995, p.28).

No entanto, essas partes, que são organizadas de acordo com ideias estruturantes do projeto, apresentam uma questão que diz respeito à sua relatividade. Durante o processo de projeto, as partes de um edifício podem adquirir diferentes configurações dependendo do que é explicitado pela representação gráfica. A mudança da escala gráfica é um artifício que possibilita a visualização de novas relações entre os elementos do edifício, ou seja, a cada nova aproximação ao objeto arquitetônico as partes são redefinidas.

Em sua abordagem sobre a estrutura subjacente ao pensamento criativo em arquitetura, Rowe (1987) apresenta uma estrutura do processo criativo caracterizada por episódios que, de acordo com a intenção do projetista, apresentam um enquadramento diferente do problema (ROWE, 1987). Esses episódios variam não só em relação aos aspectos que abordam do edifício, mas também quanto ao grau de precisão e dimensionamento do desenho, ou seja, percebe-se uma mudança de escala gráfica na abordagem ao problema, em movimentos que vão do geral para o particular e vice-versa.

Outra visão sobre o processo de projeto que remete à questão da escala é proposta por Schön (1988). Ao colocar o projeto de arquitetura como uma representação gráfica do real sob condições de complexidade e incerteza, o autor afirma que:

A fim de formular um problema de projeto a ser resolvido, o projetista deve enquadrar uma situação problemática de projeto: definir seus limites, selecionar coisas particulares e relações para atentar-se, e impor à situação

uma coerência que orienta os movimentos subsequentes. (SCHÖN, 1988, p.182)

Entende-se que a materialização em desenho desses enquadramentos dá-se pela escolha da escala gráfica que melhor expressa o conteúdo necessário para a resolução de uma determinada situação de projeto.

Assim, o projeto arquitetônico é caracterizado pela interação entre as partes e o todo, e por partes cujos conteúdos e limites estão constantemente sendo redefinidos. Além disso, a escala gráfica configura-se como um instrumento de controle e estímulo desse processo, uma vez que proporciona a visualização gráfica dos diversos enquadramentos do projeto.

Além de atuar como um instrumento fundamental para a visualização e avaliação do projeto, as decisões em diferentes escalas gráficas têm implicações diretas no resultado arquitetônico final e, consequentemente, na sua apreensão pelos espectadores. O conceito de escala de percepção (QUARONI, 1987) relaciona a capacidade de apreensão do edifício à determinada distância, com as escalas gráficas que possuem a mesma correspondência semântica. Dessa maneira, cada escala de percepção (Tabela 1) corresponde a um intervalo de distâncias de observação do edifício e a um conjunto de escalas gráficas que possibilitam observar o mesmo tipo de informação.

Tabela 1. Relação entre escalas de percepção e escalas gráficas Escalas de

Percepção Distâncias de observação (m) Conteúdo observado Escalas gráficas

1ª 0,30 – 0,40

Pequenos elementos como maçanetas,

detalhes decorativos. 2:1, 1:1, 1:2 2ª 2 – 3 – 5 Elementos independentes do edifício como janelas,

escadas, colunas. 1:5, 1:10, 1:20 3ª 5 – 20 – 30 Partes de uma parede interna ou fachada. 1:20, 1:50

4ª 50 – 70 Edifícios inteiros. 1:50, 1:100, 1:200

5ª 100 – 150 Relação do edifício com o entorno ou edifícios extremamente grandes

1:100, 1:200, 1:500 Fonte: Quaroni (1987).

Portanto, o conteúdo expresso por um edifício, que é composto por elementos de várias dimensões, deve ser projetado para ser apreendido a partir das várias distâncias. Na medida em que as informações percebidas são alteradas dependendo da posição do observador, o projeto deve primar pelo desenvolvimento de todas as suas partes com o mesmo grau de atenção, independente do seu tamanho (ORR, 1985).

Isso reforça a importância da escala gráfica no processo de projeto, uma vez que ela é o atributo que relaciona o objeto real com sua representação. Independentemente do tamanho real das partes analisadas, a escala deve contribuir para uma representação legível e oportuna do edifício em seus diversos níveis de detalhe.

5 METODOLOGIA DA PESQUISA