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Relacionada com as definições em torno da arte pública e com o conceito de arte urbana, as questões referentes à escala são relevantes porque estão ligadas com as interações do indivíduo com a cidade. Lupton e Phillips (2008) afirmam que a escala pode ser objetiva ou subjetiva. Em termos objetivos, a escala se refere ao tamanho exato de um objeto real, ou a correspondência exata entre uma representa- ção e o objeto real que ela representa. Em termos subjetivos, a escala remete à maneira como nossos corpos se relacionam com as coisas ao redor, o que pode ter uma escala enorme ou microscópica. Ou seja, a escala é relativa e vai depender do tamanho das coisas com que o indivíduo interage (LUPTON; PHILIPS, 2008).

Dondis (1997) colabora com o conceito de escala, descrevendo que os fatores mais importantes são o cenário que o objeto visual se inscreve e a justaposi- ção, o que está ao lado do objeto visual. Sendo que o fator que a autora considera fundamental para o estabelecimento da escala é a medida do próprio homem. Segundo Dondis (1997), existem vários sistemas de escala, como a seção áurea grega e a que foi inventada pelo arquiteto Le Corbusier, uma unidade modular baseada no tamanho do homem e sujeita à repetição, sistema que é incorporado até pela produção industrial em série.

Descobre-se em Gehl (2015) (que trata da pequena escala, a escala da paisagem humana, a que fica ao nível dos olhos, uma escala de difícil planejamento para os urbanistas) que essa escala está relacionada com questões sobre qualidade de vida e bem-estar das pessoas nas cidades contemporâneas e onde se acredita que é possível se deparar com a maior parte das manifestações artísticas urbanas. Para o autor, áreas construídas em uma pequena escala oferecem uma experiência do ambiente urbano intensa, calorosa e confortável. A grande escala, que está em desarmonia com a escala humana, ao contrário, é percebida como impessoal, formal e fria. Ele então sugere, para espaços amplos já estabelecidos, o método de se formar espaços íntimos e acessíveis que atraiam as pessoas (GEHL, 2015).

Gehl (2015) também discorre sobre questões relacionadas com a distância, percepção e comunicação. Em distâncias de até sete metros o ser humano pode usar todos os seus sentidos, perceber todos os detalhes e compartilhar sentimentos. Todos os sentidos também podem ser usados para a percepção de eventos que ocorrem em andares térreos, sendo possível participar da vida da cidade até o quinto andar de um prédio ou o limiar de 13 metros e 50 centímetros de altura. De - pois disso, a conexão entre o plano da rua e os edifícios altos se perde. O autor re - força que na escala do caminhar, um pedestre tem tempo suficiente para ver o que ocorre à sua frente e processar informações sensoriais ricas e intensas dos seus arredores (GEHL, 2015).

Souza (2016) oferece uma tipologia de escalas geográficas que vai da escala do corpo, passa pela escala que o autor chama de “nanoterritórios”, até chegar a escala global. Interessa para essa pesquisa as escalas do corpo, dos “nanoterritó- rios” que, por exemplo, podem ser uma rua ou um trecho de uma rua, é onde os oprimidos com suas táticas manifestadas no espaço resistem cotidianamente. Interessa também a escala local, que vai da rua à cidade e que possibilita uma vivência intensa do espaço, além de estar submetida a uma administração estatal próxima dos cidadãos fisicamente, o que favorece o exercício de práticas espaciais de protestos às sedes do poder, tornando a participação política mais viável (SOUZA, 2016).

Aspectos da memória social são diretamente importantes na relação entre arte e espaço público. É o que observa Pallamin (2000). A autora argumenta que as

práticas artísticas dentro dos espaços públicos apresentam e representam imaginá- rios sociais e também “evocam e produzem memória podendo, potencialmente, ser um caminho contrário ao aniquilamento de referências individuais e coletivas, à expropriação de sentido, à amnésia citadina promovida por um presente produtivis - ta” (PALLAMIN, 2000, p. 57). Sendo assim, as práticas artísticas se aproximam da memória dos grupos sociais que revivem suas origens e lidam com o seu próprio desaparecimento, podendo ser também promotoras de uma memória política (PALLAMIN, 2000).

Seno et al. (2010) supõem que a arte pública diz respeito a memoriais, sendo que a sociedade é obcecada com a memória. Relatam, também, que as pessoas precisam relembrar e preservar o passado de um jeito público e mais monumental, o que tem relação com a construção da identidade cultural. Os autores especulam que com tantas placas e estátuas no espaço público em alguns locais, o passado poderia prevalecer sobre o presente. Afirmam ainda que, até mesmo em ações menos cívicas, como um mural estilizado com graffiti, essa tendência de evidência histórica pode ser confirmada. Portanto, os artistas urbanos de forma efêmera, podem evidenciar com o seu trabalho a ausência, uma observação emocional que recorda pessoas e locais que são suprimidos ou deslocados de uma comunidade devido a um progresso racional. Logo, eles não estão insensíveis ao abandono humano e físico (SENO et al., 2010).

Em sua busca de uma definição de cidade, Rolnik (1995) aponta que construir cidades também é uma forma de escrita. O desenho das ruas e das casas fixam a memória de seus habitantes, contendo a experiência de quem as construiu, expressando o seu mundo. As formas arquitetônicas podem ser lidas como se lê um texto. E através da conservação de bens arquitetônicos e da conservação de cons- truções antigas, pode se falar nos dias de hoje em preservação da memória coletiva (ROLNIK, 1995).

É pertinente citar a proposta de intervenção urbana dos artistas Rodolfo Aguerreberry, Julio Flores e Guilhermo Kexel para a Terceira Marcha da Resistência, realizada em 21 de setembro de 1983 pelas Mães da Praça de Maio e organizações de direitos humanos na cidade de Buenos Aires, Argentina. Os artistas propuseram uma oficina ao ar livre, onde os manifestantes traçavam o contorno de um corpo em

escala natural sobre papéis. As silhuetas eram depois fixadas em muros, árvores e monumentos da cidade como forma de representar os desaparecidos da ditadura argentina (Fig. 7). Foi uma iniciativa artística que convergiu com um movimento social e fortaleceu a memória política que o golpe militar enfraqueceu (LONGONI; BRUZZONE, 2008 apud MESQUITA, 2011).

Figura 7 – Rodolfo Aguerreberry, Julio Flores e Guilhermo Kexel, Siluetazo. Buenos Aires, 1983. Fonte: GIL, 2018.