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Nesse ponto é preciso avançar na discussão sobre o espaço público, pois tanto a arte pública quanto a arte urbana são realizadas nesse local. Porém, antes é importante ressaltar as reflexões de Lefebvre (2001) sobre a cidade e o urbano. O

autor considera a industrialização um processo que caracteriza a sociedade moder - na e contemporânea. Portanto, em determinado momento da história a cidade é submetida à industrialização, o que determina uma série de conflitos entre a reali - dade urbana e a realidade industrial. O meio urbano passa por um processo de descentralização, em um movimento que leva o proletariado para os subúrbios, provocando o esvaziamento do centro das cidades e a dissipação da consciência urbana. Em um primeiro período, a realidade urbana preexistente tem o social urbano negado pelo econômico industrial. Em parte, junto a esse período, a urbanização se amplia, descobrindo-se que a centralidade e a cidade são importan- tes para a sociedade se manter. Então, em um terceiro período, tenta-se restituir a centralidade (LEFEBVRE, 2001).

Dentro desse contexto de urbanização da sociedade contemporânea, o investigador Carlos A. Marques (2010) diz que o espaço público voltou a resgatar a dimensão social e o sentido de lugar, suplantando o estruturalismo do padrão funcionalista dos C . I . A . M .2. Para ele, o espaço público é o espaço principal do urbanismo, da cultura urbana e da cidadania. É também o espaço de representação no qual a sociedade se faz visível. Da mesma forma, sempre foi um lugar de ativida- des produtivas em que, a partir da revolução industrial, volta-se cada vez mais ao consumo. O investigador afirma que a sociedade atual tem a necessidade de produ- zir um espaço capaz de envolver o espírito social da cultura urbana contemporânea, por isso o retorno às discussões a respeito do espaço público (MARQUES, 2010).

Já Remesar e Silva (2010) entendem por espaço público aquele que não é naturalmente notado como espaço privado, mas admitem que numa perspectiva urbana boa parte destes espaços não são públicos. Os autores denominam estes espaços de “coletivos”, pois têm a titularidade privada e são geridos por um proprie- tário, entretanto, são espaços abertos para que os cidadãos os utilizem.

Por causa da criminalização do graffiti e por extensão da street art ou arte de rua, Waclawek (2011) questiona se o espaço público é de fato público. Para a autora, o espaço público gera conflito, seja ele físico, sociopolítico, estético ou cultural. E a arte pública, por inevitavelmente ocupar o espaço público, evoca o conceito de liberdade de expressão. Além disso, Waclawek (2011) conta que o termo “público” implica acessibilidade e, mais significativamente quando se trata de arte, 2 Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.

conota um tipo de integração orgânica entre o objeto, seu espaço atribuído e o fato que ele está singularmente posicionado para servir o público.

De acordo com Waclawek (2011), independentemente da intenção do artista, produzir arte na rua é em si mesma uma forma de resistência às imagens sanciona- das e à noção de espaço público. Ou melhor, a alteração visual não autorizada dos espaços da cidade é um tipo de rebelião contra a produção capitalista do espaço. Para a autora, projetos de arte não legalizados infundem a esfera pública com mo- mentos de fratura, espaços de disrupção e usos subjetivos do território e juntos criam formas alternativas da cultura visual urbana (WACLAWEK, 2011).

A arte urbana, enquanto forma de arte ilegal, questiona a própria noção de espaço público e a publicidade desenfreada ao longo da paisagem urbana, conforme Waclawek (2011). A autora ainda reforça que a cidade não é só um espaço funcional através do qual o indivíduo se move, mas é também um espaço estratégico, através do qual se vende. Portanto, a introdução de arte não solicitada na cultura visual urbana é refrescante, se não um ato essencial de oposição (WACLAWEK, 2011).

Baseado em estudos da geografia, Armando Silva (2014) questiona se de fato existe o espaço público. Para o autor, o que se conhece como espaço público é na verdade o espaço urbano. O público, para ele, corresponde a uma instância a ser alcançada e, no sentido do que é comum a todos, está em disputa, em confronto permanente, possui uma conotação política. Para o autor, desse modo se migra do lugar físico para o debate, o que é público se desprende da cidade para aceitar o urbano como objeto de formação citadina.

Segundo Johannes Stahl (2009), a configuração do espaço está sujeita às convenções do pensamento dominante e ainda mais aos impulsos que procuram a diferenciação individual. Para Stahl, quando o espaço público é interferido pela arte urbana, ela interfere também numa construção do consenso que é elaborada fre- quentemente e é relativa ao tipo de configuração que se deseja observar.

Para Pallamin (2015), o espaço público pode ser entendido como arena de conflito político em que o dissenso é parte integrante de sua natureza. Portanto, para a pesquisadora, é um espaço de confrontação, sempre em formação, onde projetos e objetivos relacionados à vida social são efetivados e expostos e onde também ocorrem lutas por reconhecimento moral. Porém, a autora chama a atenção para o

que ela denomina de “movimento de desinstitucionalização do espaço público” (PALLAMIN, 2015, p. 141), devido ao espaço público se tornar cada vez mais coloni- zado, principalmente a partir dos anos de 1970. Nesse ínterim, acontece um des- manche de promessas sociais, uma decrescente atuação do Estado em efetivar suas próprias regulações e um progressivo fortalecimento de centros privados, redefinindo e encolhendo os domínios do que vem a ser público (PALLAMIN, 2015).

Fabiola do V. Zonno (2014) discorre a respeito da importância da discussão sobre o espaço público, em razão da ampla “apropriação da esfera pública pelo privado, pela criação de espaços imbuídos de discursos particulares e barreiras físicas e psicológicas na paisagem contemporânea” (ZONNO, 2014, p. 312). Zonno (2014) cita o idealismo da filósofa Hannah Arendt sobre o espaço público, definido conceitualmente como lugar da discussão e do discurso, do compartilhamento e de relação, da construção coletiva, oposto ao espaço privado que é o espaço das ne- cessidades, individualizado e particular. E compara ao pensamento da historiadora da arte Rosalyn Deutsch, que considera a dimensão pública uma conquista de um jogo de forças, de poder. A historiadora, do mesmo modo, não considera o espaço público como sinônimo de espaço livre universal, mas como um espaço sempre em tensão de limites com o privado (ZONNO, 2014).

Angelo Serpa (2016) compreende o espaço público como o espaço da ação política na contemporaneidade, como mercadoria consumida por alguns, ou seja, onde poucos se beneficiam desse espaço comum a todos, e ainda como espaço simbólico. Serpa também menciona Hannah Arendt que em sua obra apresenta o espaço público como “lugar da ação política e de expressão de modos de subjetivação não identitários, em contraponto aos territórios familiares e de identifi- cação comunitária” (SERPA, 2016, p. 16). Cita também Jürgen Habermas, pois o espaço público para o filósofo seria “o lugar par excellence do agir comunicacional, o domínio historicamente constituído da controvérsia democrática e do uso livre e público da razão” (SERPA, 2016, p. 16).

O artista Vito Acconci (1940–2017) representou de forma engenhosa o fenômeno do atrito entre o espaço público e o espaço privado na cidade com a sua performance intitulada Following Piece realizada em 1969 (Fig. 8). A ação do artista, envolvido como criador, participante e também como espectador, tinha como objetivo

seguir indivíduos aleatoriamente pelas ruas da cidade de Nova Iorque, às vezes por várias horas, até que o artista não tivesse permissão de entrar num local privado (SENO et al., 2010).

Figura 8 – Vito Acconci, Following Piece. Nova Iorque, 1969. Fonte: ART HISTORY 390, 2015.

Percebe-se com a discussão sobre o espaço público que não existe uma definição consensual, mas boa parte dos autores alertam que a esfera pública está perdendo terreno para o privado na contemporaneidade, ou seja, está se tornando menos acessível a todos e cada vez mais voltada para o mercado. Outro entendi - mento que se pode chegar com essa discussão sobre o espaço público é que ele é fortemente caracterizado por ser um lugar de acepção política que gera debate, conflito, controvérsia e discussão, mas ainda assim de construção coletiva.