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A partir dessa introdução histórica sobre a evolução urbana em Pelotas é possível refletir a respeito das formas de desenvolvimento do processo de produção

do espaço urbano na cidade. Novamente, busca-se apoio no trabalho de Vieira (2005), que de uma forma geral considera que a produção do espaço urbano é definida pelos interesses contraditórios existentes na sociedade. O espaço produzi- do revela a engrenagem que movimenta a produção espacial, uma sociedade anta- gônica e contraditória, com necessidades e visões de mundo diferentes. Instala-se um conflito de classes, no qual a cidade, orientada para o processo produtivo como um todo, torna-se um campo de reivindicações dos trabalhadores que não se reconhecem na coisa produzida e não se reconhecem ou são reconhecidos como produtores (VIEIRA, 2005).

O autor ainda complementa o seu argumento afirmando que a cidade é fruto do trabalho humano materializado, portanto, produzida como mercadoria, com construções que são geradas pela sociedade, mas usadas individualmente. Com isso, a produção do espaço na cidade se dá de forma desigual e oposta, pois as a- propriações são diferenciadas pelos recursos dos seus proprietários. Ocorre uma visível diferenciação entre a favela, com seus barracos construídos com madeira ve- lha e com a rua sendo um prolongamento da casa, e os apartamentos luxuosos e envidraçados, onde as relações se dão por dentro dos muros, ou seja, a cidade se fragmenta e se divide (VIEIRA, 2005).

Dessa maneira, o espaço habitado pelos indivíduos é determinado pela sua posição na hierarquia social. Algumas áreas serão mais valorizadas que outras, principalmente por estarem em localização privilegiada, com facilidade de transporte, acesso à cultura, lazer e determinados bens e serviços. Os indivíduos consomem o espaço construído, produto do trabalho materializado da sociedade, de acordo com o preço que é estimado e pelo quanto podem pagar por ele, o que resulta em uma fragmentação espacial (VIEIRA, 2005).

O Estado, nesse quadro, segundo Vieira (2005), deve se adaptar às exigên- cias da sociedade, o que revela uma subordinação das funções do mesmo à lógica dos processos produtivos. Assim, o Estado entra em confronto com a classe traba- lhadora e as suas demandas. O autor se alinha com o pensamento de Nicos Poulantzas que entende que “o Estado não é pura e simplesmente uma relação, mas sim, uma condensação de uma relação, que é, por consequência, material e específica, entre classes e frações de classes” (VIEIRA, 2005, p. 65).

Portanto, as políticas públicas para o espaço urbano ora representam as forças dominantes (os que detêm o capital) e ora os dominados (a força trabalhado- ra). O Estado, idealmente, seria um agente responsável por realizar a distribuição mais justa dos benefícios urbanos e corrigir as injustiças sociais derivadas dessa tensão. Vieira (2005) enfatiza que a participação popular nos processos de planeja- mento da cidade é importante para se conseguir uma condição de vida superior e um melhor compartilhamento de equipamentos e serviços, resultando desse con- fronto entre dominantes e dominados o espaço construído como nós conhecemos.

Com relação ao planejamento urbano no Brasil, o autor afirma que o Estado desenvolve um planejamento econômico e menos um planejamento urbano. Seguin- do os autores Ribeiro e Cardoso, Vieira (2005) verificou diferentes etapas de urbani- zação no país. A primeira etapa, vigente até 1930, o campo predominava sobre a cidade e se considera que não existiam problemas urbanos ou planejamento urbano. Nessa fase, o urbano foi caracterizado como o lugar onde as novas elites se aloja - ram. Em uma segunda etapa, é notado um período de industrialização, mas ainda não se constitui a questão do urbano, pois o tema da habitação não era prioridade das políticas sociais do Estado. Na terceira etapa, o desenvolvimento econômico, após o estabelecimento da ditadura militar em 1964, expandiu a indústria e gerou fluxos migratórios que aumentaram a população das cidades. Surge a questão urbana, porque é estratégico para o Estado controlar a estrutura urbana visando o desenvolvimento econômico e também porque as populações mais pobres, estabe- lecidas nas periferias e favelas, passaram a se mobilizar para reivindicar bens, servi- ços e uma melhor infraestrutura (VIEIRA, 2005).

O planejamento e a produção do espaço urbano na cidade de Pelotas seguem essa premissa e o trabalho de Vieira (2005) revela que cinco grandes áreas compõe a estrutura interna da cidade em uma primeira delimitação: o Centro, o Fragata, o Areal, as Três Vendas e os balneários do Laranjal (Fig. 10)4. O Centro é onde se constituiu o núcleo original, como visto anteriormente, foram construídas as primeiras casas, traçadas as primeiras ruas e paulatinamente foram se concentran- do equipamentos, bens e serviços urbanos, sendo assim a área da cidade para onde

4 Em mapa da zona urbana da cidade de Pelotas, disponível em página web da Prefeitura Municipal, a cidade atualmente é dividida em sete regiões administrativas: Areal, Barragem, Centro, Fragata, Laranjal, São Gonçalo e Três Vendas (ZONA URBANA, 2006).

a maioria da população converge para compras, trabalho, lazer e diversão. Com o crescimento da cidade em torno do Centro e o aumento da população, as outras áreas citadas foram se formando e se consolidando com o passar do tempo. (VIEIRA, 2005).

Figura 10 – Mapa da zona urbana da cidade de Pelotas dividida em sete regiões administrativas. Fonte: Adaptação do autor em mapa da Prefeitura Municipal (ZONA URBANA, 2006).

Segundo o autor, “esta divisão constitui o marco inicial para o estabelecimen- to de fronteiras na cidade” (VIEIRA, 2005, p. 157). O que passa a evidenciar o Centro como a área que terá prioridade com relação as outras, por ser o elemento que definiu as demais regiões administrativas e que para onde convergem as principais ruas e avenidas da cidade.

A partir de Carrasco (2017) é possível afirmar que a implantação do núcleo original da cidade contribuiu para transformar as relações sociais da sociedade es - cravagista do século XIX, produzindo novas relações que se desenvolveram e se consolidaram em uma sociedade de classes no século XX, mantendo-se a lógica do processo de produção do espaço urbano. O autor considera a hipótese de que a

elite pelotense pode ter se apropriado da generalização desta urbanização como forma de garantir seu protagonismo social e a acumulação de capital no novo cenário que se estabelecia.

Ainda segundo Carrasco (2017), é na definição de um perímetro de exclusão de cortiços em 1881 (perímetro este que determinava o lugar da infraestrutura, da arquitetura sofisticada, do bem-estar, dos serviços públicos e da residência da elite) que se terá o ponto de partida para a criação das tensões, na cidade de Pelotas, entre centro e periferia. Assim, os interesses públicos e privados passam a convergir no momento em que o Estado definiu tais limites e o mercado imobiliário se voltou a explorar a necessidade de produção de habitação para as camadas mais pobres da população (CARRASCO, 2017).

Desse modo, a área central da cidade de Pelotas passa a ser habitada por pessoas com uma melhor condição de renda e os mais pobres ficam cada vez mais afastados, vivendo em circuitos periféricos, pois não tem condições de acessar uma área que é valorizada por possuir majoritariamente os benefícios urbanos. Os mais pobres ficam limitados a circularem no seu próprio lugar por terem dificuldades de locomoção e não terem condições de pagar pelo acesso à infraestrutura privilegiada, o que reforça cada vez mais a desigualdade social.

Ainda segundo Vieira (2005), uma minoria dominante impõe as regras que determinam que os bens e equipamentos urbanos sejam inseridos no seu entorno e, até mesmo, no caso dos serviços públicos, percebe-se que a distribuição segue os mesmos pressupostos. Haverá, em vista disso, um agravamento das desigualdades, pois o espaço produzido na cidade seguirá esta lógica, ocorrendo então a fragmen- tação espacial.

Atualmente, as áreas do circuito periférico na cidade de Pelotas e que se mostram como as únicas sujeitas à partilha, estão sendo disputadas por empreendi- mentos imobiliários avançados, o que determina uma relação de segregação interna à própria periferia. Notam-se projetos e a produção de condomínios fechados para rendas médias e altas, conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida e bairros planejados que atendem a uma faixa de renda mais elevada da população convivendo com bairros populares e urbanizações precárias (CARRASCO, 2017).

3.3 Antecedentes das práticas artísticas e a produção dos últimos quinze anos