3 A MACRO-ESPACIALIDADE DA ESCRAVIDÃO: UMA ANÁLISE
4.2 A complexificação da espacialidade: as escavações arqueológicas na
4.2.2 Escavações do projeto “Pampa Negro”: complexificação das estruturas
No que se refere ao projeto o “Pampa Negro”, a primeira campanha na charqueada São João realizou-se em dezembro de 2015;; a segunda, por sua vez, entre janeiro e fevereiro de 2016. Cabe destacar que serão apresentadas neste tópico características gerais e análises iniciais de alguns contextos da escavação e a descrição de materiais/objetos potenciais para o entendimento do registro arqueológico, das relações escravistas e, consequentemente, para a compreensão das estruturas que surgiram em meio às escavações.
66 Ester J. B. Gutierrez. ibid, 2001.
As escavações arqueológicas executadas pela equipe do Laboratório de Estudos Interdisciplinares de Cultura Material (LEICMA) e integrantes do projeto “O Pampa Negro”, contemplam a área imediata a Senzala/Galpão. Na primeira campanha, realizada no mês de dezembro de 2015, abriu-se uma trincheira de 10m² alinhada no sentido sul-norte, configurando 10 quadrículas de 1m x 1m (fig. 38). Tomou-se como base metodológica de abertura das quadrículas as mudanças deposicionais do solo, perfazendo até o momento 4 níveis distintos de deposição. A profundidade final das unidades escavadas foi delimitada pela “esterilidade” do solo, em termos de presença de materiais arqueológicos em cada quadrícula.
Figura 20 – Foto geral da escavação, com representação parcial das duas campanhas. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016.
Em meio às dez quadrículas abertas, na primeira campanha, encontrou- se uma série de materiais arqueológicos, porém a maior densidade material está localizada junto ao contexto das quadrículas 9 e 10 (as últimas da trincheira no sentido sul/norte). Nesta área escavada foi possível constatar um padrão de deposição diferenciado, com a dispersão de distintas tipologias materiais no registro arqueológico. Vidros, cerâmicas, louças, objetos metálicos, ossos (alguns calcinados) foram encontrados nos 4 estratos destas quadrículas. Esta disposição dos materiais e sua densidade indicam a presença e utilização deste
espaço enquanto “lixeira” ou um espaço de deposição de refugos (fig.21, 22 e 23).
Figura 21 – Fotos da quadrícula 10, Extrato 3/4, com a presença de cerâmica e outros materiais. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016.
Figura 22 – Fotos das diferentes tipologias materiais presentes no Extrato 3/4 da Quadrícula 10. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016.
Figura 23 – Fotos das diferentes tipologias materiais presentes no Extrato 3/4 da Quadrícula 9. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016.
Percebe-se pelas fig. 21, 22 e 23 a diversidade das tipologias materiais presentes nas quadrículas 9 e 10. Dentre as evidências destacadas, estão os fragmentos de dois cachimbos, encontrados nas quadrículas 9 e 10 (as duas primeiras fotos das figuras 22 e 23, parte superior à esquerda). Na quadrícula 10, também se destaca a presença de um pote cerâmico conservado quase em sua integridade in situ (fig. 21) e de um “bibelô” (adorno) (fig. 22). Na quadrícula 9, além do fragmento de cachimbo, se sobressai a presença de um anel de metal (fig. 23). Além da diversidade de tipologias materiais presentes em ambas as quadrículas, a grande quantidade de carvão nas camadas escavadas, constituem outro indicador da presença de uma lixeira ou de um local de depósito de refugo.
Para além dos incipientes indicativos materiais da utilização da área das quadrículas 9 e 10 enquanto um local de depósito de refugo, evidenciaram-se nas quadrículas 1, 3, 7 e 9 vestígios de uma estrutura que se supõe até o momento ser anexa ou continuação da Senzala/Galpão (fig. 20). A segunda
campanha, realizada em janeiro de 2016, tem apresentado maiores informações a respeito da “lixeira” e das estruturas encontradas. Para fins de identificação da extensão das estruturas e ampliação da análise do sítio, abriram-se mais 12 quadrículas no sentido oeste, leste e norte do alinhamento da trincheira. Em termos gerais, as quadrículas abertas na segunda campanha dão margem a reflexões e hipóteses levantadas durante a primeira campanha. A possibilidade de que as estruturas encontradas inicialmente configurassem uma estrutura de maior porte, se confirmou pela continuação desta construção, como se demonstra na fig. 20.
Do mesmo modo, a abertura da quadrícula 11 (aberta na direção norte, no sentido da trincheira), tem demonstrado que o padrão de deposição constatados nas quadrículas 9 e 10, se prolonga até a mesma unidade de escavação. Este fato sugere a hipótese de que este espaço tenha sido local de depósito de objetos e refugos da habitação indicada pelas estruturas identificadas in situ (fig. 24 e 25).
Figura 24 – Fotos Quadrícula 11, Extrato 2. Detalhe de materiais in situ. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016.
Figura 25 – Fotos Quadrícula 11, Extrato 3, com detalhe de materiais in situ. Destaca-se a
identificação de uma panela de ferro. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016
A abertura das quadrículas da segunda campanha (fig. 26) tem demonstrado outros contextos materiais destacáveis, para além área de depósito de refugo (lixeira). Na quadrícula 16, extrato 2, foi encontrado um piso de tijolos encimado por grande quantidade de telhas quebradas (que parecem ter desmoronado) (fig.27). Esta conformação dos estratos e deposições dos materiais in situ, constitui outro indício de que a estrutura de tijolos que se prolonga por grande parte da área escavada, pode ter sido um edifício anexo ou continuidade da senzala/galpão. Esta hipótese se torna ainda mais plausível se considerar-se que no inventário de José Gonçalves Chaves, se inventariam “galpões”, no plural, o que deixa margem para o entendimento da existência de mais de uma estrutura de habitação.
Figura 26 – Vista aérea escavação. Com destaque para a visualização da continuação das estruturas no terreno.Foto aérea registrada com Drone Phantom 5. Fonte: Banco de Dados
LEICMA, 2016.
Figura 27 – Calçamento encontrado na Quadrícula 16, extrato 2. Na foto, aparece Simone Ortiz, aluna do Bacharelado em Antropologia da UFPel. Fonte: Banco de Dados
LEICMA, 2016.
Outro contexto destacável se encontra nas materialidades provenientes da quadrícula 17. Dentre as múltiplas tipologias materiais que surgiram na
quadrícula, evidenciam-se o cadeado encontrado no extrato 2 (fig.28) e o cachimbo quase inteiro, no terceiro extrato (fig.29).
Figura 28 – Fotos do cadeado encontrado na Quadrícula 17, Extrato 2. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016.
Figura 29 – Fotos do cachimbo encontrado na Quadrícula 17, Extrato 3. Fonte: Banco de Dados LEICMA, 2016.
Os dados, apesar de iniciais e em fase de processamento, já permitem inferir o grande potencial arqueológico e informacional desta área em específico e da charqueada como um todo, para o entendimento da paisagem das unidades produtivas e do próprio funcionamento do sistema escravista. A possibilidade de se estar escavando uma estrutura anexa à Senzala/Galão ou mesmo sua continuação, constituem um importante dado para o entendimento da paisagem da charqueada São João, uma vez que, a multifuncionalidade dos galpões indicam seu uso enquanto moradia escrava. Com isto, as chances de descortinar aspectos da vida cotidiana dos escravos aumentam consideravelmente.