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4.1 O BRASIL NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

4.1.3 Escher e outros vs Brasil

Após um lapso temporal de quase três anos desde a última sentença dirigida ao estado brasileiro, em 6 de julho de 2009, a Corte veio a se manifestar acerca do caso Escher e outros vs. Brasil. No dia 20 de dezembro de 2007 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos encaminhou a Corte demanda contra o Brasil, solicitando que o tribunal se pronunciasse sobre supostas violações aos Artigo 8.1 e 25, relativos a garantias e proteção judicial; 11, que resguarda a honra e a dignidade; 16, referente a liberdade de associação; e, por fim, 28, o qual contém a chamada cláusula federal246.

O caso em questão é oriundo do Estado do Paraná, onde membros de organizações sociais foram vítimas de divulgação ilegal de suas conversas telefônicas, por parte de agentes estatais. Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becker, Pedro Alves Cabral e Celso Aghinoni eram integrantes da Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais (ADECON) e da Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. (COANA), ambas organizações voltadas para o desenvolvimento dos agricultores em diversos aspectos e que, de alguma maneira, se relacionavam com o MST, em razão do objetivo comum de promoção da reforma agrária247.

No dia 7 de junho de 1999, trecho de conversas telefônicas, oriundas de linhas interceptadas das sedes tanto da COANA quanto da ADECON, foram divulgadas no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão. Nos dias seguintes, fragmentos continuaram a ser publicados por veículos de comunicação, televisivos e escritos. Estas gravações foram realizadas por agentes estatais, entre os meses de maio e junho de 1999. O primeiro pedido de interceptação foi apresentado ao poder judiciário em 5 de maio de 1999, pelo major Waldir Copetti Neves, o qual foi autorizado pela juíza Elisabeth Khater, da Vara de Loanda, Paraná, no mesmo dia, sem qualquer fundamentação e não tendo sido o Ministério Público notificado. Em 12 de maio, novo pedido foi apresentado à juíza Khater, dessa vez pelo Terceiro Sargento da Polícia Militar Valdecir Pereira da Silva – requerimento, este, que estava desacompanhado

246 Caso Escher e outros Vs. Brasil. Sentença de 6 de julho de 2009. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações

e Custas. Série C, n. 200. Disponível em: <http://bit.ly/2BkiVNv>. Acesso em: 14 out. 2017.

de qualquer justificativa e também foi deferido nos mesmos moldes do anterior. Já no dia 25 do mesmo mês, o major Copetti Neves encaminhou à Vara de Loanda pedido de cancelamento das interceptações. Após às mencionadas divulgações feitas por meio da imprensa nacional, o major Neves dirigiu à juíza Khater ofício acompanhado de 123 fitas com conversas telefônicas. Conforme o descrito pelo documento, as gravações ocorreram em dois períodos distintos: 14 a 26 de maio de 1999 e 9 a 23 de junho de 1999, não tendo sido, esta segunda etapa, solicitada ou autorizada pelo poder judiciário. Além disso, não se apresentou à Vara de Loanda as transcrições integrais de todas as conversas obtidas, tendo o material se limitado apenas aos trechos considerados relevantes pela polícia.

No dia 30 de maio de 2000, os autos do Pedido de Censura foram remetidos pela primeira vez para a análise do Ministério Público, o qual veio a se manifestar em 8 de setembro de 2000. Nesta data, a promotora de justiça Nayani Kelly Garcia ressalvou, entre outros pontos, que um dos pedidos de interceptação foi realizado por agente estatal que não teria legitimidade para tanto; que os pedidos foram feitos de maneira isolada, sem qualquer relação com uma investigação policial ou processo judicial; a segunda interceptação solicitada não foi de maneira alguma justificada; as decisões que autorizaram os pedidos não foram fundamentadas e, além disso, o Ministério Público não foi notificado. Além disso, a promotora ressaltou que todos estes fatos apenas evidenciariam o caráter meramente político dos pedidos, em desrespeito aos direitos constitucionalmente resguardados à intimidade, vida privada e associação. Por fim, o Ministério Público solicitou à Vara de Loanda a declaração de nulidade das interceptações, além da inutilização das fitas gravadas, as quais foram incineradas em 23 de abril de 2002.

Em sede de recursos internos, foi instaurada Investigação Criminal em desfavor de diversos agentes estatais, incluindo o major Neves, a juíza Khater e o secretário de segurança da época, Cândido Martins, com o intuito de averiguar possíveis condutas criminosas direcionadas à usurpação de função pública, interceptação telefônica ilegal, divulgação de segredos de justiça e abuso de autoridade. Em 23 de dezembro de 2003, a Segunda Vara Criminal da Comarca de Curitiba, com base no Inquérito supramencionado, condenou o ex- secretário de segurança às penas de multa e de reclusão de dois anos e quatro meses, substituída pela prestação de serviços comunitários. A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, em 14 de outubro de 2004, reformou a decisão de primeira instância, revertendo a condenação imposta e absolvendo o Sr. Cândido Martins. Quanto às ações civis, Arlei José Escher e Dalton Luciano de Vargas apresentavam, respectivamente em 4 de maio de 2004 e 15 de maio de 2007, pedidos de indenização por danos morais em desfavor do

Estado do Paraná, não existindo sentença definitiva em ambos os processos até o momento da prolação da decisão internacional da Corte Interamericana.

Assim, com base no quadro fático exposto, em 26 de dezembro de 2000 foi apresentada petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a qual, considerada admissível, resultou na aprovação do Relatório de Mérito 14/07, contendo recomendações ao Estado brasileiro. Diante da ausência de cumprimento efetivo por parte do Brasil, foi inaugurado, no final de 2007, processo judicial no âmbito do Sistema Interamericano, de maneira que em 6 de fevereiro de 2008 foram notificados o Estado e os representantes das vítimas e em 3 de setembro de 2008 foi celebrada audiência pública.

No ano seguinte, em 6 de julho de 2009, a Corte Interamericana prolatou Sentença de Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Na ocasião da apresentação de seu escrito de petições, argumentos e provas, os representantes das vítimas solicitaram à Corte que fosse declarada a violação dos mesmos artigos apresentados pela Comissão, acrescentando outros membros da ADECON e da COANA, que não tinham sido mencionados como vítimas na denúncia apresentada pela CIDH. Desta feita, em sua decisão final, a Corte considerou apenas as vítimas alegadas na petição da Comissão – quais sejam, Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becker, Pedro Alves Cabral e Celso Aghinoni. Assim, após a rejeição das Exceções Preliminares apresentadas pela representação estatal, foram consideradas verdadeiras todas as acusações imputadas contra o Brasil, com exceção da suposta ofensa à cláusula federal. Em sede de reparações, o país foi condenado a pagar indenização por dano imaterial; publicar no Diário Oficial e em jornal de grande circulação trecho específico da sentença, além de divulgar a íntegra em página na internet tanto da União quanto do Paraná; investigar os fatos que geraram as violações; e, por fim, pagar custas e gastos.