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4.1 O BRASIL NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

4.1.1 Ximenes Lopes vs Brasil

A primeira sentença da Corte IDH em desfavor do Brasil foi, também, a situação que inaugurou no tribunal as condenações relativas às violações dos direitos de pessoas que sofrem de transtornos mentais no continente americano237. Trata-se do caso Ximenes Lopes vs. Brasil, cujos fatos se adstringem a morte provocada por maus tratos de Damião Ximenes, paciente psiquiátrico, que estava internado na Casa de Repouso Guararapes, localizada na cidade de Sobral/CE, em 4 de outubro de 1999238.

Damião nasceu em 25/06/1969 e foi internado na mencionada Casa de Repouso pela primeira vez em 1995, tendo sido, até então, um jovem criativo, apreciador de música e de artes, e que almejava adquirir melhores condições financeiras. Em 01 de outubro de 1999, a vítima voltou a ser internada no mesmo local, não apresentando qualquer sinal de agressividade ou lesões corporais externas no momento de sua admissão. Em 04 de outubro de 1999, aproximadamente às 09h, a Sra. Albertina Ximenes Lopes, mãe do paciente, ao visitar o seu filho, o encontrou em péssimas condições, com hematomas, sangrando, roupas rasgadas e com as mãos amarradas para trás. Às 11h30min do mesmo dia, Damião Ximenes faleceu, em circunstâncias nebulosas de violência e maus tratos, não estando presente, no momento de seu falecimento, qualquer médico na clínica que pudesse lhe prestar o atendimento necessário. Após a morte do paciente, o Diretor Clínico e médico da Casa de Repouso, retornou ao hospital – o qual deixou após ter medicado Damião, momentos antes da ocorrência de seu falecimento – e declarou que o interno morreu em razão de uma parada cardiorrespiratória, atestando que o cadáver não possuía qualquer sinal de lesão externa. Todavia, a versão da instituição foi contestada pelo Instituto Médico Legal Dr. Walter Porto, localizado em Fortaleza/CE, em razão da solicitação de necropsia realizada pela família do paciente. Segundo o relatório do exame, o corpo de Damião apresentava diversas lesões externas, as quais, conforme relatório complementar apresentado posteriormente já no curso das investigações, o mesmo Instituto expôs novas conclusões afirmando que os traumas em questão foram resultado da ação de instrumento contundente, espancamento, ou tombos, o que <http://bit.ly/1pVPlrb>. Acesso em: 14 set. 2017.

237 BORGES, Nadine. Damião Ximenes: a primeira condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Rio de Janeiro: Revan, 2009. P. 27.

238 Todas as informações acerca do caso, com exceção das que estiverem devidamente referenciadas com fontes

diversas, foram extraídas da Sentença proferida pela Corte Intermamericana de Direitos Humanos (Caso Ximenes Lopes versus Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006. Mérito, Reparações e Custas. Série C, n. 149. Disponível em: <http://bit.ly/2zglyOn>. Acesso em: 28 set. 2017).

denota a incontestável ocorrência de agressão e maus-tratos ao paciente.

Em sede de direito interno, a persecução da mãe e irmã de Damião Ximenes, Sra. Irene Ximenes Lopes Miranda, por justiça para o caso não obteve resultado satisfatório. O processo penal, inaugurado em 27 de março de 2000, até o momento da prolação da decisão pela Corte Interamericana, ocorrida mais de seis anos depois, permanecia em aberto, não tendo sido proferida sequer sentença em sede de primeira instância. Na seara cível, a família da vítima não obteve melhor sorte, uma vez que situação idêntica de morosidade processual podia ser observada na demanda.

Importante mencionar que o contexto local e possíveis influências externas devem ser levados em consideração enquanto um fator de relevância para as dificuldades encontradas durante a investigação do caso: o proprietário da Causa de Repouso de Guararapes, o Sr. Sérgio Ferreira Gomes, é primo do, à época dos fatos, prefeito da cidade de Sobral/CE. A dinâmica do poder político familiar e local presente em algumas partes do Ceará se mostrou presente durante as investigações, restando claro que a própria geografia política do local seria mais um óbice para que a família pudesse obter a reparação justa e devida, sobretudo em um lapso temporal adequado239.

Sendo assim, vislumbrando as parcas chances de êxito de resultado satisfatório pelas vias do direito interno, em 22 de novembro de 1999 a Sra. Irene Ximenes, irmã da vítima, apresentou petição a CIDH, relatando os fatos ocorridos. Passados todos os procedimentos no âmbito da Comissão, o órgão encaminhou ao Estado o Relatório de Mérito nº 43/03, com as recomendações julgadas necessárias, e fixou prazo de dois meses para que o Brasil apresentasse informações acerca das medidas adotadas. Não tendo sido consideradas satisfatórias as diligências estatais, em 30 de dezembro de 2004, a Comissão Interamericana, por sua vez, submeteu o caso à Corte Interamericana, dando início a um processo judicial no Sistema Interamericano.

Ao submeter a demanda ao tribunal, a CIDH denunciou o Estado por violar os direitos consagrados nos Artigos 4 (Direito à Vida), 5 (Integridade Pessoal), 8 (Garantias Judiciais) e 25 (Proteção Judicial), todos com relação a obrigação geral de respeitar os direitos, contida no Artigo 1.1, em razão da situação já descrita, a qual vitimou o Sr. Damião Ximenes e seus familiares. Além disso, a Comissão ressaltou que o quadro fático originário do processo em questão se mostra agravado em razão da situação de vulnerabilidade na qual

239 MONTEIRO, Rita Maria Paiva. Dizem que sou louco: O caso Damião Ximenes e a reforma psiquiatrica em

Sobral/CE. Tese (doutorado). Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2015. Disponível em: <http://bit.ly/2kZLwk4>. Acesso em: 19 out. 2017. P. 69.

se encontram as pessoas que sofrem algum tipo de transtorno mental, sendo o Estado obrigado a oferecer à devida proteção àquelas pessoas que estão sendo tratadas nas clínicas, instituições e hospitais que funcionam sob a tutela do Sistema Único de Saúde (SUS).

Transcorridos os procedimentos de instrução perante a Corte, incluindo apresentações de provas e audiência pública, o tribunal proferiu, inicialmente, Sentença de Exceções Preliminares240, rejeitando a arguição de não esgotamento dos recursos internos apresentadas pela representação estatal. Em Sentença de Mérito, Reparações e Custas, datada de 4 de julho de 2006, a Corte IDH compreendeu enquanto verdadeiros os fatos alegados pela Comissão e pelas vítimas, reconhecendo que o Estado é, de fato, responsável, por todas as violações apontadas. Em sede de reparações, por sua vez, a decisão determinou que o Estado deve garantir, em prazo razoável, que o processo interno voltado para a investigação e sanção dos culpados, seja devidamente efetivo; a publicação, no prazo de seis meses, no Diário Oficial e em outro jornal de grande circulação, de parte da sentença; que o país continue a desenvolver a capacitação e formação dos profissionais que trabalham com o atendimento de saúde mental; e, por fim, o pagamento aos familiares, no prazo de um ano, de indenizações por danos materiais e imateriais, além do pagamento, à mãe da vítima, a título de ressarcimento por gastos e custas processuais referentes ao direito interno e ao processo internacional.