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4.1 O BRASIL NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

4.1.6 Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil

Em 2016, a Corte Interamericana veio a prolatar a sua sexta sentença em desfavor do Brasil, dessa vez, se debruçando acerca da temática do trabalho escravo que ainda ocorre no

256 Ibidem. P. 113-114.

257 Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010.

Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Série C, n. 219. Disponível em: <http://bit.ly/1FCE8PO>. Acesso em: 16 set. 2017. P. 115-116.

país, sendo esta situação inédita na jurisprudência contenciosa do Sistema Interamericano. Os fatos relativos ao caso em questão dizem respeito às condições de escravidão impostas aos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, de propriedade do Grupo Irmãos Quagliato, localizada no Estado do Pará, norte do país.

Conforme explana o tribunal, desde 1988, a Fazenda em questão foi alvo de denúncias relacionadas à pratica de trabalho escravo, situação que se repetiu e foi ratificada por diversas fiscalizações realizadas pelo Ministério Público do Trabalho, as quais constataram que os trabalhadores viviam em condições extremamente precárias, sofrendo constantes ameaças e sendo proibidos de deixar o local de trabalho. Ainda, em 1988, dois trabalhadores que conseguiram escapar da Fazenda, Iron Canuto da Silva e Luis Ferreira da Cruz, de 17 e 16 anos, respectivamente, foram forçados a retornar ao trabalho, mediante ameaça e, posteriormente, teriam desaparecido Diante desse quadro, o Ministério Público Federal apresentou denúncias contra o proprietário, o gerente da Fazenda e o funcionário responsável por recrutar os trabalhadores, tendo sido a ação penal oriunda extinta no ano de 2008.

Uma visita realizada no ano de 2000, por sua vez, acabou por originar Ação Civil Pública contra o proprietário da Fazenda, interposta pelo MPT perante a justiça trabalhista. A mencionada visita constatou que os trabalhadores dormiam em galpões de madeira, sem energia elétrica; os banheiros estavam em péssimo estado; a alimentação era inadequada e descontada dos salários; a carga horária chegava a ultrapassar as 12 horas diárias, com apenas 30 minutos de repouso e um único dia livre na semana, entre outas irregularidades que alcançavam o absurdo. Ainda, os trabalhadores encontrados haviam sido recrutados no mesmo ano, no município de Barras, Piauí, mediante oferta de bom salário, transporte, alimentação e alojamento, o que de maneira alguma se concretizou. Os trabalhadores em questão tiveram as suas Carteiras de Trabalho apreendidas e foram obrigados a assinar documentos em branco. Na ocasião, 85 pessoas em situação de escravidão foram resgatadas, entre as quais constavam alguns menores de idade.

Assim, a Ação Civil Pública apontou que a Fazenda mantinha os seus trabalhadores em cárcere privado, estando caracterizado o regime de escravidão - fato este agravado por se tratar da submissão de pessoas analfabetas, sem qualquer esclarecimento, a condições de vida degradantes. Todavia, o processo foi arquivado após a realização de uma audiência na qual o acusado se comprometeu a não empregar mais trabalhadores sob regime de escravidão e a melhorar as condições de moradia, sob pena de multa.

recebeu petição relativa ao caso, apresentada pela Comissão Pastoral da Terra e pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional, tendo emitido Relatório de Admissibilidade e Mérito apenas em 3 de novembro de 2011, tendo sido a demanda encaminhada à apreciação da Corte Interamericana em 4 de março de 2015. Na ocasião, foi requerido que o tribunal reconhecesse que o Estado havia violado os Artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 14, 18, 19, 22, 8 e 25, todos da Convenção Americana de Direitos Humanos. A notificação das partes ocorreu em 14 de abril de 2015 e de 18 a 19 de fevereiro de 2016 foi realizada audiência pública, na qual ocorreram oitivas de testemunhas e foram recebidas as alegações finais orais.

Em sua peça contestatória, o Estado apresentou dez exceções preliminares, das quais apenas uma foi entendida enquanto parcialmente procedente pela Corte Interamericana, declarando sua incompetência para os fatos anteriores a aceitação de sua competência pelo Brasil e para os acontecimentos que antecederam a ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos pelo Estado brasileiro. Desta feita, a Corte compartiu a sua análise em dois grupos de fatos distintos: os ocorridos antes de 10 de dezembro de 1998, referentes à investigação e aos processos relacionados à inspeção ocorrida na Fazenda em 1997, e os relativos a visita de 15 de março de 2000.

Em Sentença de Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, prolatada em 20 de outubro de 2016, a Corte entendeu que a situação na qual foram encontrados os trabalhadores em março de 2000 representava um quadro de escravidão e que, ainda, estes foram vítima de tráfico de pessoas. Além disso, entendeu o tribunal que o Estado não demonstrou ter adotado qualquer medida específica voltada para prevenir a ocorrência de violação ao Artigo 6.1 da Convenção, o qual proíbe a escravidão e a servidão, tendo, portanto, violado o mencionado dispositivo com relação aos Artigos 1.1, 3, 5, 7, 11 e 22, do mesmo instrumento. Ainda, com relação a Antônio Francisco da Silva, menor de idade à época dos fatos, a Corte reconheceu que o Estado violou o Artigo 6.1 também em relação ao Artigo 19, o qual protege os direitos dos menores. Com relação aos procedimentos administrativo e judiciais adotados após as fiscalizações mencionadas, ocorridas em 1997 e 2000, a Corte entende que o Brasil violou os direitos a garantias judiciais e proteção judicial, contidos nos Artigos 8.1 e 25 da CADH. Já com relação aos supostos desaparecimentos de Iron Canuto da Silva e Luis Ferreira da Cruz, a Corte entendeu que não recai responsabilidade sobre o Estado acerca do ocorrido258.

258 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil. Sentença de 20 de outubro de 2016. Exceções

Prelim inares, Mérito, Reparações e Custas. Série C, n. 318. Disponível em: <http://bit.ly/2kGWoE6>. Acesso em: 24 out. 2017.

Com relação às necessárias reparações, o tribunal impôs ao Brasil que sejam reiniciadas as investigações e processos penais relativos aos fatos constatados em março de 2000; publicar o resumo oficial da Sentença no Diário Oficial, em jornal de ampla circulação e a decisão na íntegra, integralmente, em sítio oficial da internet; adotar medidas necessárias para assegurar que a prescrição não seja aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão; e, por fim, pagar os valores fixados a título de indenizações por dano imaterial e ressarcimento por custas e gastos.