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Escola, Ensino de História, Identidades e Multiculturalidade

CAPÍTULO 2 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA: OS

2.5. Escola, Ensino de História, Identidades e Multiculturalidade

Vimos afirmando que documentos curriculares, apresentações de livros didáticas, falas de docentes e demais quadros técnicos das secretarias de Educação, vêm reiteradamente afirmando a importância do estudo da História no Mundo contemporâneo para a percepção, integração e, sobretudo, convivência das diversas matrizes culturais. Identidades e diferenças afirmam-se como uma questão central no mundo global e de informações fartas e facilmente acessíveis. Acerca dessa discussão, um elemento que nos parece ainda pouco aprofundado nas discussões educacionais é aquele que integra as sociabilidades aos processos de configuração das subjetividades. Entendemos que os elementos constituintes de identidades sociais interferem, ao mesmo tempo, na expressão daquilo que serão a comunidade e a subjetividade dos indivíduos em um grupo social. Considerando que

Para o homem de uma dada época, o humano-genérico é sempre representado pela comunidade através da qual passa o percurso, a história da humanidade (e isso mesmo no caso em que o destino dessa integração concreta seja a catástrofe). Todo homem sempre teve uma relação consciente com essa comunidade; nela se formou sua “consciência de nós”, além de configurar-se também sua própria “consciência do Eu” (Heller, 1992, p. 21).

Ao analisar como a História Escolar tornou-se uma estratégia chave na consolidação da identidade do indivíduo cidadão, num dado tempo histórico, ou seja, na formação dos Estados Nacionais, quando a História assume um papel de afirmação e legitimação do passado que havia sedimentado as formas sociais, então, vividas, Rocha (2001) destaca:

É nesse contexto de consolidação dos Estados nacionais que nasce o ensino de História. Falando sobre esse momento na França, um dos

primeiros países a instituir a disciplina, Citron nos mostra que a partir do final do século XIX o ensino de História surgiu tendo como missão “civilizar” as populações consideradas mais ou menos “atrasadas” (p.148).

Para Rocha, a História era compreendida, durante o período de sua afirmação nos currículos escolares enquanto um saber formulador de padrões de comportamento e regulação de relações ditas “civilizadas”, assim, ao citar Citron, ele explica:

A autora está se referindo às condições econômicas e sociais da França, naquele momento histórico, quando três quartos de sua população eram compostos por camponeses. Nesse sentido, ensinar História significava a possibilidade de civilizar e afrancesar a maioria da população, pela transmissão de uma cultura da qual a classe dirigente era a portadora (cf. Citron, 1990: 21). Ao ensino de História caberia especificamente o papel de cimentar a integração da cultura dominante considerada superior e nacional. Durante muito tempo essa História escolar tornou-se a única representação coletiva existente na França (cf. Citron, 1990: 66). Esse objetivo da História era perfeitamente aceitável tendo em vista que se vivia uma época marcada pelo fortalecimento dos Estados Nacionais (cf. Le Goff, 1978: 267) (Rocha, 2001, 148).

Tais perspectivas, apontadas por Rocha em diálogo com Citron, nos levam à percepção dos objetivos sociais e, sobretudo, políticos que estabelecem a necessidade e a construção de discursos formuladores de identidades. Essas identidades, mediante os objetivos de um dado grupo social voltam-se para aquilo que se espera de um indivíduo socializado, integrado à sua comunidade de referência. No entanto, afirmávamos que o alcance dessas relações e discursos formuladores de identidades é, a um só tempo, comunitário e subjetivo. Castells afirmará que “entende-se por identidade a fonte de significado e experiência de um povo” ((2006, p.23). Essa identidade, que será “fonte de significado”, para Castells assume características de multiplicidade:

No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas (2006, p.22).

Ao colocar a possibilidade de configuração de identidades múltiplas em um indivíduos ou em atores sociais coletivos, Castells nos atenta, uma vez mais, para a importância de se construir uma perspectiva de educação para a pluralidade, a multiplicidade. Como nos convida Souza (2004), a partir da compreensão de que há novas demandas educacionais/sociais na configuração da pós-modernidade mundo:

Que o debate da intermulticulturalidade na educação vem a evidenciar com muita força, confirmando não apenas seu status de princípio, mas elevando-a à condição de uma prática pedagógica que queira ser coerente com a situação de diversidade cultural em que nos encontramos (p.59).

As questões concernentes às configurações dos currículos, desde as suas expressões prescrita, em ação até mesmo aquilo que é ocultado, remetem à questões fundamentais sobre/em torno dos processos de escolarização. Há inúmeros conflitos que perpassam as decisões cotidianamente tomadas no interior das instituições escolares sobre aquilo que deve ser ensinado (e o porquê de ser ensinado. No dizer de Apple:

Não se trata apenas de uma questão educacional, mas de uma questão intrinsecamente ideológica e política. Quer reconheçamos ou não, o currículo e as questões educacionais mais genéricas sempre estiveram atrelados à história dos conflitos de classe, raça, sexo e religião, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países (2002, p.39).

Para Apple, portanto, as tensões presentes nos processos de construção curricular estão diretamente relacionados às diferenças culturais entre os grupos que (com)vivem numa mesma sociedade. Souza (2004) compreende que Paulo Freire deu contribuições para a compreensão das tensões e trocas culturais como um desafio do quefazer educacional, nesse sentido afirma:

Revela-se a complexidade da percepção, da análise e das perspectivas de se trabalhar a perspectiva da pluriculturalidade, tendo em vista a utopia da interculturalidade e a sempre inconclusa construção de situações de multiculturalidade. Por isso, insiste Freire na necessidade da compreensão crítica das chamadas minorias de sua cultura sem reduzir esse processo de compreensão às questões de raça e de sexo, mas incluindo nela a compreensão do corte de classe (Souza, 2004, p.55).

Nesse sentido, os discursos históricos, em suas possibilidades de inventar tradições, devem ser pensados para que tradições e perspectivas de mundo respeitem as diversidades e estimulem a compreensão da multiplicidade como constituinte do mundo cultural. Para Souza, O ponto de partida da prática pedagógica, nessa perspectiva, é sempre o mundo humano, em sua complexa configuração histórico-cultural com suas contradições, ambigüidades e possibilidades (2004, p. 68).

Desse modo, o local enquanto foco do ensino deve contribuir no sentido de salientar a percepção de um “eu”, particular, singular, mas que só se constitui, individualiza e vivencia sua historicidade mediante a relação como o outro.

CAPÍTULO 3 - ENSINO DE HISTÓRIA: PRÁTICAS, CONFLITOS, INDAGAÇÕES