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Práticas de Ensino de História e Espacialidades

CAPÍTULO 2 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA: OS

2.3. Práticas de Ensino de História e Espacialidades

As narrativas históricas não se constituem mediante o exercício de situar as ações das comunidades humanas no tempo simplesmente. Tempo e espaço são duas variáveis sempre presentes nos esforços interpretativos e construções narrativas com que se defrontam os historiadores. A apreensão do espaço e de suas relações e reconfigurações (ou recriações) são fundamentais para a construção do conhecimento histórico.

É importante, do mesmo modo que saber de que território, de que espaço, se está falando ao construir a narrativa histórica, saber que territórios e espaços também têm uma história, foram construídos e recortados para atender a determinados fins. Segundo Albuquerque Júnior,

A noção de região, antes de remeter à geografia, remete a uma noção fiscal, administrativa, militar (vem de regere, comandar). Longe de nos aproximar de uma visão natural do espaço ou mesmo de um recorte do espaço econômico ou de produção, a região se liga diretamente às relações de poder e sua espacialização; ela remete a uma visão estratégica do espaço, ao seu esquadrinhamento, ao seu recorte e à sua análise, que produz saber. Ela é uma noção que nos envia a um espaço sob domínio, comandado (1999, p. 25).

Em textos de relatos de experiência ou artigos que enfatizam perspectivas e possibilidades metodológicas para a construção de saberes históricos escolares, freqüentemente, há referências a elementos como “estímulo”, “envolvimento” ou “identificação” por parte dos educandos dentro do processo de ensino-aprendizagem.

Ensinar história é estimular os alunos a refletirem e fazerem descobertas, valorizando o saber do aluno e os saberes circulantes em

seu meio social. A história não existe apenas nos livros, pois ela está em toda parte e pode ser reconstruída a partir da fala e da escuta de muitas pessoas. Por exemplo, por meio de relatos orais de pais, avós, o aluno pode pesquisar, selecionar e produzir textos informativos (Höfling, 2003).

A leitura de História realizada pela autora traduz uma expectativa de que o ensino através da perspectiva da História Local aproxime os alunos do conhecimento histórico. Seu texto possui a peculiaridade de constituir-se enquanto relato de experiência, o que significa dizer que a autora é professora de História e tem vivenciado experiências com História Local em seus grupos classe. Ela reconhece e localiza os momentos onde os estudos de campo (ou estudo do meio) se tornaram mais freqüentes e desejados na educação escolar no Brasil, no entanto, sua narrativa vem banhada por um evidente valor afetivo:

Desde a Escola Nova, a pesquisa tem sido proposta como um meio para se retomar o processo histórico, e a escola passa ser vista como sinônimo de atuação, de crescimento, reconhecimento e de alunos felizes descobrindo o valor de sua própria história como indivíduos atuantes no mundo em que vivem (Höfling, 2003).

Estimulado ao longo do século XX por diferentes correntes do pensamento pedagógico, o Estudo do Meio pode assumir na educação contemporânea a tarefa de estimular e propiciar vivências didáticas ou mesmo a construção de um currículo interdisciplinar.

Para as disciplinas de História, Geografia e Artes o “meio social e físico” corresponde a um laboratório de ensino. A sociedade, em suas relações temporais e espaciais, normalmente apresentada por textos escritos ou pela iconografia, situa-se em outra dimensão e profundidade ao ser observada diretamente, pois neste caso surge a oportunidade de dialogar com pessoas, identificar construções privadas e públicas, atentar para fatos cotidianos que geralmente passam despercebidos e transformá-los em objeto de estudo, de análise, de descoberta (Bittencourt: 2005, p. 274).

Interpretada, por alguns, como uma nova maneira de ensinar história, a História Local tem sido recebida com entusiasmo, sobretudo, na Educação Infantil. Segundo o texto dos PCN’s, esta perspectiva “mudou e tem mudado a ênfase dada por uma certa tradição de

ensino e aprendizagem da História, que consistia em por o foco em grandes personagens e seus feitos”. O documento curricular nacional ressalta ainda que a História local contribui para a valorização das pessoas comuns e de seus cotidianos.

A leitura da importância didática da História Local aproxima-se da compreensão de Mario Carretero, para quem as novas configurações das relações temporais, o presente incorporar-se-ia enquanto dimensão do tempo histórico a ser estudado e vivenciado. Entrariam em cena, desse modo, costumes cotidianos, colaborando também para diminuir as distâncias de percepção na relação com o passado.

Na compreensão de Höfling (2003), “os alunos deixam de ver a história fragmentada e passam a vê-la como um todo do qual fazem parte”. Ao comentar como, na Literatura, se explicita a relação dos moradores com sua cidade, Rita Santos irá analisar o quanto esta relação, esta intimidade com um espaço urbano próprio, impacta e interfere, inclusive os olhares de cada indivíduo:

A relação que o morador mantém com a cidade determina seu olhar sobre ela. Cada pessoa, com seu modo de ver o mundo ou com interesses voltados para aspectos específicos, pode construir e reconstruir a cidade criativamente, a partir de elementos selecionados no leque de opções disponíveis na cultura de uma dada sociedade. Desse modo, temos cidades construídas a partir do trabalho, do lazer, da religião, dos bares, das esquinas, das praias e ainda assim haverá uma cidade a ser construída conforme se privilegiem aspectos específicos (Santos, 2001).

Tais possibilidades de compreensão da História Local carregam novas perspectivas de organização do ensino, pois ao colocar em destaque a importância do “local” como espacialidade estratégica para o envolvimento de todos no ensino e aprendizagem da História escolar, não se está simplesmente optando por um recorte espacial para fins de didatização dos conteúdos de ensino.

Ao contrário, qualquer proposta que vise uma nova relação de estudo da História através de um recorte local deverá afastar-se do risco de fragmentação e isolamento (ou mesmo do ufanismo). Nenhuma instância da História, nenhum período ou espaço histórico poderia, sem riscos de equívocos interpretativos, ser tomado encerrado em si mesmo, isolado de seus contextos, como se os processos nele desenvolvidos fossem independentes e pudessem tornar-se, na escrita da História, auto-explicativos.

Toda História Local articula-se e relaciona-se com as histórias de outras localidades, com a História Nacional e a História Global. Nessas articulações e relações, cada espaço histórico é influenciado enquanto influencia outro. No Brasil, as dimensões continentais do país possibilitaram uma tendência “localista” ou “regionalista” da escrita da História. Ao evidenciar as peculiaridades do local, podemos perceber a riqueza da diversidade que constituiu nossa ordem nacional.

Uma leitura aprofundada e contextualizada das realidades e processos locais, através das relações de apropriação e representação identitárias (presentes em escalas mais amplas, bem como nas outras comunidades), pode contribuir para a consolidação de uma compreensão de sociedade que aproxime as partes e o todo sem reforços e intransigências de vieses localistas ou generalizações (superficiais) totalizantes.

Colocando o aluno em contato mais direto com a realidade, o Estudo do Meio oferece oportunidade para o desenvolvimento intelectual e cultural, através da pesquisa de campo, da observação, da anotação e da análise dos dados coletados. Durante o trabalho, o aluno observa, anota, coleta dados e material, dialoga com os colegas e professores, entrevista pessoas, recebe informações (Cosiuc, 1986; p. 57).

A fala de Cosiuc revela as aproximações que, freqüentemente, os discursos em torno do Estudo do Meio ou da História Local estabelecem entre pesquisa, autonomia dos educados e motivação para a aprendizagem. Esta aproximação, historicamente, vem sendo o grande elemento de suporte de uma História Local nas salas de aula da Educação Básica.