• Nenhum resultado encontrado

Práticas de Ensino: entre técnicas, teorias e políticas – como os professores lêem o

CAPÍTULO 4 A PRÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA E O LUGAR DA

4.3. Práticas de Ensino: entre técnicas, teorias e políticas – como os professores lêem o

Como vimos, o levantamento do quadro de docentes responsáveis pelo ensino da História do Recife, junto aos setores de gestão pedagógica da rede municipal, nos revelou um problema de incompatibilidade existente entre a formação do docente e sua área de atuação. Iniciadas as observações das vivências escolares de professores e alunos na Rede municipal em aulas da disciplina mencionada, não tardamos de perceber um segundo conflito, este, talvez, envolvendo as convicções dos profissionais em torno da importância da História e suas percepções sobre como esta disciplina se encontra inserida no currículo escolar. Este segundo conflito seria, então, o da compreensão dos professores de que existiria um abismo entre a importância social do ensino de História e o seu lugar concreto no cotidiano das escolas. Não raramente, alguns docentes comentavam, sobretudo, informalmente, que a desorganização latente do ensino de História do Recife poderia interferir na motivação dos alunos para o estudo de História de um modo mais global, como podemos verificar na seguinte fala:

Eu entendo que tratar História de um modo integral e trabalhar (vez por outra) através dos eixos temáticos seria muito mais interessante que instituir (obrigar mesmo!) o ensino de História do Recife. Um Ensino, diga-se de passagem, muito desordenado do ponto de vista da administração mesmo: ter uma única aula semanal e não ter suporte didático, seja livros ou outros matérias... É complicado. E eu sempre penso que, por uma desorganização dessas, alguns deles perdem o gosto por estudar História (S 4).

Além do descompasso entre a importância da História e seu espaço no cotidiano escolar sublinhado pelas falas dos professores, nos parece importante ressaltar o fato de, muitas vezes, ainda inquietá-los uma hierarquia não pronunciada que estaria instituída nos

processos de escolarização, hierarquia que coloca a Língua Portuguesa e a Matemática no topo do currículo, em tempos onde vivenciamos debates em torno da interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e mesmo de um debate que aponta possibilidades de se construírem práticas transdisciplinares.

Porém, se de um lado podemos verificar em afirmações que reivindicam maior status para a História enquanto disciplina escolar resquícios de um debate anterior ás questões emergentes em nosso tempo, por outro lado, é preciso que se questione com o devido cuidado sobre os porquês de práticas escolares que substituem aulas de História por atividades de preparação de projetos para feiras de conhecimentos ou que utilizam um horário lacunar, pela ausência do professor da disciplina, para realizar exercícios de Português ou Matemática ou, ainda, que delegam a estagiários, mesmo de outra área de formação, a tarefa de ir até a sala de aula e copiar no quadro trechos de capítulos dos livros para ocupar os estudantes.

Um professor sujeito da pesquisa afirmou, certa ocasião, ao discutir conosco sobre o descaso das administrações públicas com o ensino de História nas redes oficiais de ensino e comparando a situação da disciplina em relação ao Português e à Matemática:

Uma pessoa que não aprendeu bem Português e Matemática vai ser possivelmente um funcionário, um trabalhador ineficiente. Por outro lado, uma pessoa que pensou a História, que aprendeu a fazer este esforço na escola, vai ser muito provavelmente um trabalhador indócil... porque a História bate de frente com a alienação (S 5).

Para esse professor, não é por acaso que se obstaculiza o ensino de História. Ao contrário, isto faria parte de uma política de ocultação da História escolar para que ela permanecesse enfadonha, repetitiva e até desvalorizada ou tomada como um conhecimento enciclopédico de “coisas interessantes de antigamente” (S5). Em sua compreensão, a organização de alguns livros didáticos, os excessivos conteúdos de ensino e a idéia difundida de História como uma matéria de memorização compõem, juntos, um quadro onde a

criticidade do saber histórico se torna inviável ou pelo menos muito difícil de ser alcançada dada a grande oferta de informações no mundo contemporâneo.

O descompasso entre discurso e prática cotidiana e a hierarquia de saberes assinalados teriam relação com o fato de a Educação escolar na sociedade pós-industrial neoliberal, organizada através dos objetivos hegemônicos, vir sendo crescentemente pautada para fins de aplicabilidade e utilidade dentro do mercado e dos setores produtivos. Essa perspectiva do ensino tem instrumentalizado os saberes escolares, ora através das crescentes ofertas de cursos técnico-profissionalizantes, ora através da valorização da Educação Básica apenas como ponte de passagem para o Ensino Superior (concepção propedêutica), ora ainda da, também vulgarizada, busca de escolarização como qualificação para fins de certificação em concursos e seleções para ingresso no setor público ou privado (LIMA, 2004). Alicerçada em uma mentalidade marcada por uma visão utilitária do conhecimento, pela concorrência ou pela qualificação técnica em detrimento de uma perspectiva humanista, a Educação contemporânea tende a desconsiderar ou conceder um menor esforço às práticas e saberes que visem objetivos sociais, culturais e políticos a médio ou longo prazo. Em nosso caso particular, registramos repercussões inclusive sobre o modo de conceber a importância social da História do Recife, identificando um potencial econômico nas aprendizagens que ela pode vir a proporcionar aos alunos. O imediatismo do econômico se impõe mesmo quando se pensa no valor da preservação patrimonial e das memórias, como parece sugerir a fala de um docente:

Conhecer a cidade, os lugares, o que eles foram antes e, além disso, conhecendo a nossa História e a cultura, é importante não só para a consciência dos jovens, mas poderá ajudar, por exemplo, a estimular um interesse pelo turismo numa outra perspectiva. O turismo cultural, histórico, que é um potencial forte de Pernambuco (S3).

Ao se referir ao potencial de Pernambuco na área do Turismo Histórico e Patrimonial e relacioná-lo com o ensino de História local pela escola, o docente parece

estabelecer uma ligação direta entre o saber construído na escola e o mundo do trabalho, onde mais cedo ou mais tarde os estudantes deveriam ser inseridos.

A análise tratou, até aqui, dos obstáculos, desafios e potencialidades, elencados pelos docentes participantes da pesquisa, relativos ao ensino de História e da História do Recife. Tais elementos podem nos ajudar a compreender outras questões que foram identificadas nas falas desses mesmos docentes: funções sócio-culturais dos saberes históricos, relações didáticas e epistemológicas introduzidas ou viabilizadas pela perspectiva da História Local, saberes históricos e cidadania e, por fim, políticas curriculares para o ensino da História.