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3. Cultura e gentrificação nas cidades

4.10 Escracho: Piscinão do Andrea

De acordo com excerto de Ana Longoni, podemos compreender que: "'Escrache' é uma palavra proveniente do lunfardo – linguagem coloquial própria do Rio da Prata – que indica aquilo que está intencionalmente oculto e é posto em evidência; ou seja, escrachar significa ressaltar, colocar em evidência."299

O escracho a Andrea Matarazzo aconteceu em frente a sua casa no bairro do Morumbi. Fez-se um convite para que todos comparecessem usando trajes de banho e estendeu-se uma lona azul que imitava uma piscina. Então diversas pessoas passaram a tarde ali, uma forma bem-humorada mas também muito audaciosa de chamar atenção para a política higienista que vinha sendo realizada no centro da cidade. No convite, lia-se: "Não consegue morar no centro? Então venha para o Morumbi, aqui é bem melhor."

Andrea Matarazzo foi subprefeito da Sé durante a breve gestão de José Serra na prefeitura e, de acordo com matéria de André Cintra300, ficou conhecido nos meios de comunicação como

298

Integração sem Posse.

(Disponível em: <http://integracaosemposse.zip.net/arch2005-12-01_2005-12-31.ht ml>. Acesso em: jul. 2012.)

299

LONGONI. "A intervenção criativa pela mobilização política".Sem data.

(Disponível em: <http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/157/pt9542701.htm>. Acesso em: ago. 2012.)

300

Matéria "Como Matarazzo, o homem-forte de Serra, virou ícone do higienismo" publicada em 20 de maio de 2010. (Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=129760>. Acesso em: ago. 2012)

169 higienista, em especial a partir da ação realizada em parceria entre o Fórum Centro Vivo, o grupo Trancarua e os moradores da ocupação Prestes Maia. Observemos o relato de Cintra acerca de Matarazzo:

Nomeado subprefeito da Sé, o distrito mais central da cidade de São Paulo, Matarazzo fez da região um laboratório privilegiado de sua "faxina social". A truculência com que combateu moradores de rua — tentando "varrê-los" para a periferia" e inaugurando até obras "antimendigo" — merece um relato à parte. Mas sua empreitada, longe de se restringir à perseguição aos sem-teto, fez dele o maior ícone contemporâneo do higienismo na capital paulista.

"Matarazzo parecia ter saudades de um centro sem catadores, sem moradores de rua, sem camelôs, sem inferninhos, sem bares mais heterodoxos, com uma Luz que lembrasse a exuberância dos anos 50. Ou seja, de uma cidade que não existe mais", ironizou o jornalista Mario Cesar Carvalho, em artigo recente na Folha de S.Paulo. Na opinião de Carvalho, o subprefeito — com o aval e o estímulo de Serra — "tentou encarnar a versão paulistana de Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York entre 1994 e 2002. Buscou implantar uma versão local do tolerância zero, que não deu certo, entre outras razões, porque São Paulo não é Nova York".

Ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República no governo FHC, Matarazzo se aproveitou de seu ótimo trânsito entre jornalistas e forjou uma série de operações policiais midiáticas. Oito anos depois da saída de Paulo Maluf da Prefeitura, São Paulo voltava a ostentar factoides inúteis — ações que tinham efeito imediato, mas não atacavam efetivamente os graves problemas urbanos, como a desigualdade social.

Tendo-se observado a estreita relação entre os grandes museus, centros de arte que são construídos com objetivos de gentrificação e vão-se espalhando e disseminando em todo o mundo, conforme vimos na seção anterior, torna-se simples compreender o motivo pelo qual o antigo subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, assumiria a Secretaria da Cultura do Estado em 2010, mesmo sem ter nenhum conhecimento ou experiência na área de cultura, cargo que ocupou até abril de 2012, quando saiu para auxiliar na nova campanha de José Serra a prefeito301 nesse mesmo ano. De acordo com o jornal Folha de São Paulo302, de 30 de abril de 2010, “Matarazzo é um dos principais quadros do PSDB. Foi ministro de Estado Chefe da Secretaria de Comunicação no governo de

301

De acordo com matéria "Novo Secretário da Cultura do Estado de São Paulo toma posse" publicada em 23 de abril de 2012 no site Cultura e Mercado.

(Disponível em: <http://www.culturaemercado.com.br/politica/novo -secretario-da-cultura-do-estado-de-sao-paulo-toma- posse/>. Acesso em: jul. 2012.)

302

Matéria "Andrea Matarazzo assumirá a Secretaria de Cultura de SP", de 30 de abril de 2010.

(Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/728380-andrea-matara zzo-assumira -secretaria-da-cu ltura- de-sp.shtml>. Acesso: jul. 2012)

170 Fernando Henrique Cardoso e secretário das Subprefeituras de São Paulo, considerado um dos principais cargos da administração municipal, quando Serra era prefeito.”

Foto 14 – Imagens do Escracho a Andrea Matarazzo em frente a sua casa no Morumbi303

Fotos: Trancarua. Fonte: Site Integração sem Posse.

Por outro lado, podemos observar, também, que a estratégia de utilização dos centros de arte e museus em processos de gentrificação pode ser apenas a parte inicial de um processo bastante nefasto, complexo e previamente planejado. Ou, então, podemos compreender que, dadas as características diferentes de cada cidade, que obviamente não respondem de maneira semelhante a operações urbanas semelhantes, a construção de museus e centros de arte como forma de processo de gentrificação não se constitui plenamente eficiente em diversos casos, ou, ainda, não consolida os processos de gentrificação tão rapidamente quanto o esperado por aqueles que a organizam. Também é importantíssimo o fator da resistência presente na maioria desses casos, que atrapalha o

303

Fonte: Integração sem Posse.

171 processo, e vê-se, então, que a instituição da violência como forma de expulsão da população pobre passa a ser a lógica de ação das administrações cujos objetivos são gentrificadores.

Nesse sentido, podemos observar que, ao mesmo tempo que a Secretaria da Cultura foi ocupada pelo antigo subprefeito da Sé, subdivisão responsável pela administração de bairros centrais como a Sé e a Luz, entre outros, as subprefeituras de São Paulo foram sendo militarizadas uma a uma, ou seja, passaram a ser coordenadas em sua maioria por ex-coroneis e tenentes reformados, de acordo com matéria "A tropa das subprefeituras"304 publicada na revista Veja:

O prefeito Gilberto Kassab costuma ser bastante formal no contato com os seus subordinados. Uma das poucas vezes em que muda de postura é quando encontra algum dos integrantes de um grupo especial de funcionários. Imediatamente, estanca o passo, enrijece a postura e leva a mão direita à testa em sinal de continência. O interlocutor acena com o mesmo gesto, para, em seguida, despachar com o chefe. Os alvos dessa brincadeira são os subprefeitos da capital. Quase todos eles já usaram farda na vida e aposentaram o uniforme no topo da hierarquia da Polícia Militar.

Nos últimos anos, voltaram à ativa em uma função completamente diferente. Das 31 regiões em que a cidade é dividida, trinta delas são hoje administradas por coronéis da reserva da PM. Em breve, esse número chegará a 100%. O único civil do grupo, Beto Mendes, encarregado de M’Boi Mirim, na Zona Sul, deve deixar o cargo nas próximas semanas para concorrer a uma prefeitura do interior. Seu lugar será ocupado por outro policial militar reformado. "Eles são muito dedicados, leais e honestos", afirma Kassab. "Fiz o primeiro teste em 2008 e a coisa deu tão certo que resolvi ampliar a ideia."

[…]

Em comum, eles encaram hoje no dia a dia atribuições bem diferentes daquelas dos tempos de policiais, como fiscalizar a varrição das ruas, podar árvores e tapar buracos, além de zelar pelo cumprimento de mais de 800 leis. Para dar conta de tantas tarefas, controlam verbas que podem chegar a 55,8 milhões de reais. Em troca dessa responsabilidade, eles têm o privilégio de poder acumular a pensão que recebem da PM, de no mínimo 7.000 reais, com a remuneração de subprefeito, em torno de 6.000 reais. No fim do ano passado, Kassab reajustou em 193% o salário desses funcionários, mas o aumento foi questionado na Justiça e não há previsão de quando o caso será julgado.

O trabalho nas subprefeituras é bastante complexo e movimentado. No esforço de repressão a irregularidades, os fiscais de algumas administrações regionais lotam com facilidade o talão de multas. A campeã em 2011 nesse quesito foi Pinheiros, com uma média de quase três autuações por dia só em relação a infrações relacionadas à Lei Cidade Limpa. Responsável desde outubro de 2009 por uma das mais importantes áreas, a da Sé, que abriga bairros como Higienópolis, Liberdade e Bom Retiro, Nevoral Alves Bucheroni, de 62 anos, conquistou no começo deste ano um novo território. Depois que a PM ocupou a

304

Matéria "A tropa das subprefeituras" publicada em 25 de abril de 2012 na revista Veja.

(Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/especiais/a-tropa-da-subprefeitura-de-sao-paulo>. Acesso em: jul. 2012.)

172 Cracolândia, no centro, ele pôde coordenar com tranquilidade, pela primeira vez em muito tempo, uma operação de limpeza no local. "Antes disso, os caminhões costumavam ser apedrejados pelos viciados", conta. Com isso, ruas foram varridas, calçadas consertadas e estabelecimentos irregulares, lacrados.

No blog Integração sem Posse, podemos observar o seguinte texto a respeito do Escracho a Andrea Matarazzo:

ESCRACHO ANDREA MATARAZZO / MANIFESTO "Quem espera sempre cansa, viemos te escrachar"

O subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, merece nosso escracho!

Desde que o ex-embaixador na Itália, Andrea Matarazzo, tomou posse, por nomeação do prefeito de São Paulo, José Serra, como subprefeito da Sé, ele tem levado a região central a uma guerra civil entre a sociedade formal e informal, contra a população de baixa renda que mora e trabalha no centro. "Adoro problemas", ele disse. Então tá dito!

APARTHEID SOCIAL. Para Andrea Matarazzo, ordem, segurança e limpeza se resumem na higienização do espaço público e em algumas ocasiões, do espaço privado: ele expulsa e despeja pessoas. Andrea Matarazzo agride os camelôs, a população de rua, os catadores de materiais recicláveis, as crianças e adolescentes em situação de risco, as famílias de sem-teto, moradores de ocupações: a população de baixa renda que luta pelo seu direito de ir, vir e morar no centro.

"Quem espera sempre cansa, viemos te escrachar"

MORADIA. Quase seis milhões de pessoas vivem em favelas, cortiços, nas ruas, nos loteamentos irregulares em São Paulo. Andrea Matarazzo alimenta o absurdo, concorda e fomenta despejos, de forma violenta, de milhares de famílias que moram em ocupações de prédios antes vazios, e que abrigavam aquilo que seus proprietários preferem: ratos e baratas. Sem função social, estes imóveis, entre mais de > 40.000, só na região central, aguardam a valorização imobiliária da região (que já começou). E ainda mais: nas suas operações limpas, a poderosa comitiva do subprefeito despejou outras tantas famílias, confundidas com marginais, dos hotéis onde moravam no Bairro da Luz.

O Poder Público dá nenhuma alternativa real para as famílias despejadas: as condena às ruas, aos galpões, às periferias da cidade, não permitindo que continuem a morar perto de seu local de trabalho, das escolas das crianças, das praças e da vida cultural do, também, seu centro.

Talvez para Andrea Matarazzo isso não seja problema, pois sua mansão no Morumbi anda bem valorizada. Tanto é que devolveu ao governo federal milhões de reais disponíveis para construir habitação para pessoas de baixa renda e agora incentiva investimentos no centro acelerando sua valorização.

"'Quem espera sempre cansa, viemos te escrachar'"305

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Texto extraído do blog Integração sem Posse.

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Foto 15 – Convite para o Escracho a Andrea Matarazzo, então subprefeito da Sé, em frente a sua casa no Morumbi

Por: Fórum Centro Vivo. Fonte: Site Integração sem Posse.

Não é, de fato possível concluir de maneira satisfatória que os centros de arte e museus não sejam eficientes para aquilo que se pretende em termos de gentrificação, eles certamente o são como já foi analisado em diversas literaturas em todo o mundo acerca dessa questão. Por outro lado, também não se pode concluir que sejam plenamente eficientes e que, em geral, se faz uso da violência e das proibições (ou das leis e, consequentemente, da violência mais uma vez para que sejam "mantidas" ou "respeitadas" tais leis) para que os propósitos gentrificadores sejam

174 plenamente atingidos, como vem acontecendo, de forma bastante visível e nefasta, na segunda administração de Gilberto Kassab da cidade São Paulo e também na administração do estado de São Paulo por Geraldo Alckmin.