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As experiências de escrita que se desenvolveram no mosteiro de São Bento na Bahia estavam, em parte, vinculadas ao cotidiano da vida claustral, como os registros do funcionamento da casa que informavam o seu patrimônio e as receitas e despesas ao longo do tempo; das vidas dos monges e das cerimônias e votos de consagração; e das atas capitulares, mas estavam também a serviço de uma missão reformadora e civilizadora na qual se destacavam os sermões e a escrita literária veiculada nos jornais e demais periódicos do século XIX. A participação dos monges beneditinos nos círculos literários da época não somente atendia ao apelo civilizatório da literatura como também buscava atender ao apelo moralizante, encontrando-se esta escrita eivada dos princípios da Religião.

No periódico A Ephoca Literaria, publicado em 1850, o editor buscava afirmar-se diante das novidades trazidas por uma nova literatura, que servia apenas de “passa-tempo”. De acordo com o periodista, o folhetim era uma moda que agradava, em especial, ao público feminino, porque “a maioria das senhoras [eram] pouco dadas ás politicas, sciencias, belas letras e artes”. Por outro lado, eram “mui affeiçoadas á litteratua amena e chocalheira”. Os novos costumes burgueses trazidos pelo século XIX, salões de leitura, teatro, casa de moda, casa de pasto, passeios e diversas outras formas de convívio social, mediadas pela expansão da cultura escrita e dos romances, eram também temidos por sua possibilidade de desestruturação social. Para o editor de A Ephoca Litteraria, um jornal que não seguisse o padrão folhetinesco seria considerado pelas mulheres “tão freirático e capucho, como um vestido liso, sem barra, folho, ou requife”. A preocupação do periodista era que sua revista pudesse se constituir como uma alternativa útil frente à imprensa de “frivolidades”.1

O receio manifestado em relação aos novos padrões de comportamento, que se verificavam tanto na moda quanto na escrita literária, oriundos da França sacudida pelas revoluções de finais do século XVIII e das décadas de 1830 e 1840, era também o temor da Igreja Católica em reforma no Brasil e na cidade da Bahia. O medo de que tais padrões ligados a uma vida mais liberal pudessem desarticular a ordem pública, em especial, no que tangia ao papel da mulher, terá destaque na escrita de sermões, jornais e folhetins orientados pela Igreja.

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A Ephoca Litteraria, 01 maio 1850, v. II, ed. 7 e 8. Ver segunda nota do “Lêde”, p. 2. Disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em: 16 jun. 2017.

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Contudo, a tomada da cidade pelas novas práticas de escrita e de leitura não ocorreu de maneira repentina nem deixou de lado a oralidade no século XIX. Desde o período colonial, circulavam estandartes, cartazes e pasquins em manifestações religiosas e políticas pelos centros urbanos do Brasil. O escrito se encontrava, também, na numeração das moradas e repartições públicas, nas cartas e bilhetes, nos documentos oficiais e registros eclesiásticos.2 Além disso, a familiaridade com a escrita e a leitura se ampliou através das formas coletivas de acesso por meio das associações religiosas, literárias, acadêmicas e do compartilhamento de livros nos gabinetes e bibliotecas públicas e privadas. No universo citadino, as práticas e usos da escrita se tornaram múltiplos e, no interior das instituições eclesiásticas, eles foram ainda mais amplos.

Antes de examinar de forma mais circunstanciada práticas e usos de escrita diversos, a exemplo de crônicas, sermões, orações fúnebres, folhetins e poemas, consideramos importante apresentar e descrever, ainda que brevemente, o Livro do Tombo, de escrita mais ligada ao uso administrativo monástico. Embora não seja nosso objeto o aprofundamento de sua análise, não poderíamos deixar de ressaltar sua importância não apenas para o seu fim primeiro, que era registrar as doações realizadas ao mosteiro, como também para percebermos alguns aspectos da vida cotidiana e das relações estabelecidas entre os monges e a sociedade baiana. De autoria cartorial e de caráter aberto, isto é, obra passível de atualização ao longo do tempo, a coleção do Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia é formada por seis volumes.

De acordo com Célia Marques Telles, os livros do tombo foram compostos atendendo ao desejo do abade de preservar os documentos antigos e de reunir em um só códice documentos avulsos.3 O chamado Livro Velho do Tombo4 engloba documentos do período de 1536 a 1732. Nos termos de abertura e de encerramento, datados de 17 de janeiro de 1705, o

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ROCHE, Daniel. As práticas de escrita nas cidades francesas do século XVIII. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento. 5. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2011, p. 192-194. Estudo sobre a circulação das práticas de escrita e leitura nas cidades francesas da segunda metade do século XVIII. Ainda que o autor reconheça o impacto da alfabetização após a revolução, chama atenção para a familiaridade da população não letrada em relação ao escrito.

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TELLES, Célia Marques et al. Os livros do Tombo contam a sua História. In: LOSE, Alícia Duhá; PAIXÃO, D. Gregório (Coord.). Livros do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia: editando 430 anos de história. Salvador: Memória & Arte, 2016. 5v, p. 51-132. A coleção dos livros do Tombo está custodiada no Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia; em versão fac- similar e edição crítica se encontra disponível em: <http://saobento.org/livrosdotombo/>. Acesso em: 20 fev. 2017.

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Livro Velho do Tombo do Mosteiro de São Bento da Cidade do Salvador. Bahia: Tipografia Beneditina, MCMXLV (1945). A primeira edição foi realizada no abaciado de D. Plácido Staeb e o prefácio por Wanderley Pinho.

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tabelião assinalou que o livro continha duzentas e doze folhas. Neste volume, foram compilados petições, cartas de sesmaria, cartas de doação, testamentos, inventários e outros documentos jurídicos de posse. Faz parte do conteúdo do Livro, dentre outros assuntos, o traslado da carta de sesmaria de 1612, que reconhecia a posse das terras dos beneditinos na região da Rua da Praia, assim como uma cópia do Regimento do Rei com ordem de reconhecer a doação das terras feitas pelo governador aos beneditinos. Outro exemplo é a carta de partilha, de 1641, dos bens da família de Catarina Álvares Caramuru, em razão de um erro no cálculo do dote de suas herdeiras, tendo como anexo as escrituras de fazendas e de casas compradas pelo mosteiro com indicação de logradouros e descrição dos materiais empregados na construção. A preocupação com a antiguidade dos documentos que deveriam ser compilados aparece no pedido do abade para que o tabelião fizesse um translado da carta de sesmaria passada a Manuel Nunes Seixas “na hera” de 1586.

O Livro Velho do Tombo também traz compilados documentos sobre o legado de monges falecidos doando seus bens à ordem, como ocorreu em 1705 através de um ritual que muito bem caracterizava a coexistência entre o mundo da palavra oral e a escrita:

eu escrivão fui a Requerimento do Reverendo Padre frei Pedro de Jezuz Procurador do Patriarcha Sam Bento para efeito dele dar pose das cazas [...] pertencentes ao padre frei Hyacintho que as herdou de seu Pay Diogo Joam Preto e sendo na dita praia fomos as ditas cazas que são as do Canto da banda do Corpo Santo nas quaes entrey com o dito Padre frei Pedro de Jezus Procurador do dito Convento e o Padre frei Domingos de São Bento seu Companheiro e as testemunhas ao diante nomeadas e sendo todos nas ditas cazas tomey o dito Padre frei Pedro de Jezus pella mam e andamos passeando pella dita caza dizendo eu escrivaó em altas vozes intelligiveis se havia alguma pessoa ou pessoas que tivesse duvida ou embargos a se lhe dar a dita pose que viesse a mim que lhe tomaria seus requerimentos e logo fui com o dito padre pella escada das ditas cazas ao sobrado desima onde táo bem tomei o dito Padre pella mam, e andamos passeando pella dita Caza dizendo também em altas vozes inteligíveis se havia alguma pessoa ou pessoas por trez ou quatro vezes que tivessem duvida ou embargo a se dar a dita pose ao dito Padre que viese a mim que lhe tomaria seus requerimentos, e por nam haver quem impedisse o dito Padre fechou e abrio as portas e janelas das ditas cazas em signal de pose e por nam haver quem a contradisese lha dey mansa e pacificamente, e lha ouve por dada na forma de sua Carta de partilha [...].5

Da época da Povoação do Pereira, o traslado da carta de sesmaria de Diogo Alvares Caramuru, de 1536, e, depois, de Catarina Caramuru, de 1568, e de vários herdeiros de sua família pode ser entendido como uma estratégia beneditina para a comprovação da posse das

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terras da Igreja da Graça referendada em um tempo quase mítico. O escrivão Francisco de Moraes afirma que as cartas foram trasladadas, em 1630, de uma cópia que pertencia a um padre beneditino “de má Letra, velha e rota”6

. Já no instrumento público de doação da Igreja da Graça feito por Catarina ao abade, frei Antônio Ventura, o escrivão, registrou que ela fez a concessão em língua geral e, para tanto, foi necessário a presença de um jesuíta que atuava como irmão língua. Depois de transferida a posse das propriedades pela dona do “Senhorio” de Diogo Alvares aos beneditinos, certa de contar com as missas para a salvação de sua alma e com a garantia de um espaço sagrado para sua sepultura e de seus descendentes, Catarina ditou sua doação ao tabelião que, por não entender a “dita doadora por falar pella Lingoa da terra”, foi auxiliado pelo padre jesuíta Luís da Graã e pelo “irmam lingoa e outraz pessoas que falaram com ella sobre as cauzas da doacam disseram que tudo atrás escrito ella mandava e queria e havia por bem e a d.a testadora assim o confirmou e outorgou por asenos”. Após a doação, o tabelião se dirigiu ao mosteiro e reuniu os monges “ao som da Campa tangida” e leu o termo de posse do abade sobre a ermida da Graça “em alta voz”. De acordo com o instrumento jurídico lido, após o abade tomar a chave da ermida, o tabelião o tomou pela mão e os dois saíram pela vizinhança da igreja e passearam “pela dita terra, pedras, hervas e ramos”, instituindo a posse publicamente.7

Outro notável das primeiras eras da História do Brasil, Gabriel Soares de Souza, teve seu testamento, datado de 10 de agosto de 1584, trasladado no Livro do Tombo.8 O testamenteiro começou por encomendar sua alma a Jesus Crucificado, tendo como advogados celestes o arcanjo Gabriel, a Virgem Maria, São Bento, São Francisco e São Domingos. Depois do arrependimento das culpas, Gabriel Soares pediu para ser enterrado com o hábito beneditino na capela-mor do mosteiro, caso morresse na Bahia. A exemplo do casal Caramuru, Soares também legou muitas terras ao mosteiro, como já foi citado no primeiro capítulo, e estas legações estão registradas no Livro do Tombo bem como a promessa de missas para salvação de sua alma9. Os documentos não estão registrados em ordem cronológica, por isto, as diferentes edições do livro consideram datas distintas para o

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Livro Velho do Tombo do Mosteiro de São Bento..., cit., p. 84.

7

Livro Velho do Tombo do Mosteiro de São Bento..., cit., p. 86-ss.

8

Livro Velho do Tombo do Mosteiro de São Bento..., cit., p. 287-ss.

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A questão acerca do registro das doações dos leigos para o mosteiro no Livro de Tombos da Ordem de São Bento da Bahia pode ser melhor compreendida com a leitura da tese de Tânia Maria de Santana na qual a autora discute a relação entre a o legado e a distribuição de esmolas pelos testadores e as expecativas acerca dos benefícios espirituais ao longo do século XIX em Cachoeira, a exemplo dos pedidos de missas em favor de suas almas. SANTANA, Tânia Maria Pinto. Caritas e Misericordiae: as doações testamentárias em Cachoeira no século XVIII. Tese (Doutorado). Universidade Federal da Bahia, 2016.

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enquadramento temporal do exemplar. O documento citado na edição de D. Plácido Staeb como o mais antigo foi a carta de sesmaria de Diogo Caramuru, de 1536. Por outro lado, Célia Telles faz o enquadramento geral da coleção dos Livros do Tombo no período de 1552 a 1913. Ainda que esta diferença de datas seja de pouco interesse, ela indica as balizas cronológicas por meio das quais o pesquisador pode se orientar para a consulta dos documentos reunidos no Livro Velho do Tombo. No arquivo do Mosteiro, os demais cinco volumes são denominados Livros do Tombo, numerados a partir de seus termos de abertura − Livro I (julho de 1803), Livro II (outubro de 1803), Livro III (julho de 1803), Livro IV (1858) e Livro V (1934), sendo que este teve seu termo de abertura realizado por Silva Nigra, mas não recebeu registros, como informa Célia Telles.10 Os livros I, II e III apresentam muitos documentos trasladados do Livro Velho e a autoria das compilações pertencia aos tabeliães. Contudo, a autora destaca, ainda, que muitas anotações e correções foram feitas ao longo do tempo, o que pode apontar para a hipótese de que, da mesma maneira que a escrita do livro e sua composição eram realizadas a pedido do abade, de modo a reunir em um códice um conjunto de documentos considerados relevantes, as intervenções fossem posteriormente realizadas por um monge notário ou arquivista com o mesmo propósito. A reunião de diversos documentos em um único livro facilitava sobremaneira sua consulta e leitura pelos monges.

Já o livro IV possui algumas particularidades que o distinguem na coleção. A primeira diz respeito à autoria dos registros, neste caso, os monges que ocupavam os cargos de notário ou de secretário do abade. A segunda particularidade é a natureza dos registros, que passaram a ter um caráter muito diferente dos anteriores, justamente porque, no século XIX, os legados diminuíram sensivelmente. São anotações de aluguéis e arrendamentos de fazendas, terrenos e casas responsáveis pela manutenção da ordem beneditina, na falta do subsídio do governo imperial, como já mencionado na abertura desta tese. Os documentos registrados no volume IV do Livro do Tombo cobrem o período de 1858 a 1913. O termo de abertura e de encerramento realizado pelo prior presidente, Joviniano de Santa Delfina Baraúna, segue a mesma tradição cartorária, solicitando a numeração do livro e a rubrica das páginas. O termo de abertura deixa claro o seu objetivo, ao ordenar: “este livro há de servir para nelle lançarem as cópias de licenças, contractos e quaisquer outras similhantes que se fizerem tendentes a este mosteiro”11

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TELLES, Os livros do Tombo contam a sua História..., cit., p. 52.

11

Livro IV do Tombo: Termo de Abertura, 25 fev. 1858. Disponível em: <http://saobento.org/livrosdotombo/>. Acesso em: 20 fev. 2017.

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4.1 O DIETARIO

O Dietario, com dois volumes, contém a narrativa das trajetórias dos monges beneditinos que viveram e morreram no cenóbio baiano no período que se estende do século XVII ao século XX. Para efeito de distinção, vamos denominá-los simplesmente Dietario 1 e Dietario 2, quando nos referirmos ao primeiro e segundo volumes.12 Embora fosse atribuição do cronista realizar os registros do Dietario, esta narrativa não foi intitulada crônica. Ao pesquisar a origem do termo Dietario, Geraldo José Coelho Dias afirma se tratar de um “diário, o livro da crônica do dia a dia”. A exigência da escrita dos Dietarios nos mosteiros beneditinos da congregação lusitana foi regulada pela pastoral do abade geral, D. Frei Bernardo da Esperança Teles, de 19 de dezembro de 1797. No Dietario do Mosteiro de Tibães, escrito entre 1798 e 1829, por exemplo, os monges registravam o cotidiano do seu mosteiro.13

Na primeira parte do Dietario baiano, o cronista fez um registro geral sobre a fundação da casa e a atividade dos prelados. Na segunda, também chamada de “obituário”, narrou a vida e a morte dos monges. A preocupação com o registro da história e da memória dos mosteiros beneditinos já se anunciava no Regulamento e Plano de Estudos da Ordem de São Bento, publicado em 1789, que previa como uma das obrigações do secretário do mosteiro exercer a função de cronista:

[...] compor a Vida de todos os Religiosos que falecerem, sendo conventuais no Collegio; e antes de passar hum ano depois da morte de cada hum os ditos Religiosos, apresentará em Congregação o que tiver feito, para que merecendo a aprovação dos Vogaes, translade tudo, depois de completo, no Livro chamado entre nós dos Óbitos, o qual se porá na Livraria junto com os mais, que neste Plano se mandão nella depositar; e só poderá ser de lá tirado para se ler no Refeitorio, quando as nossas Constituições determinão.14

12

Para o volume 1: Dietário do Mosteiro de São Bento da Bahia (1582-1815). Edição diplomática. Alicia Duhá Lose, Dom Gregório Paixão, OSB, Anna Paula Sandes de Oliveira, Gérsica Alves Sanches. Salvador: Edufba, 2009. Para o volume 2: Dietario do Mosteiro de São Bento da Bahia. Edição diplomática (1815-1934?). Anna Paula Sandes de Oliveira. TCC Instituto de Letras/Universidade Federal da Bahia. Orientação Alícia Duhá Lose. 2010, fl. 113. No prelo. Consultamos a versão digital disponibilizada pelo Centro de Documentação e Obras Raras do Mosteiro de São Bento da Bahia.

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DIAS, Geraldo José Coelho. Os beneditinos portugueses e as sequelas da Revolução Francesa na ‘Arcádia Tibanense’. In: COLÓQUIO A RECEPÇÃO DA REVOLUÇÃO FRANCESA EM PORTUGAL E NO BRASIL II. Actas... Universidade do Porto, 2-9 nov. 1989, p. 151-196.

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Plano e Regulamentos dos estudos para congregação de S. Bento de Portugal. Primeira parte. Lisboa, régia officina typografica. MDCCLXXXIX (1789), p. 138-139.

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O Dietario era lido durante as refeições, no espaço do refeitório. Em voz alta, o monge leitor abria o livro e passava a narrar a vida dos irmãos falecidos cujas ações eram enaltecidas para servir de exemplo aos presentes. Não importava, na vida conventual, o dia do nascimento, mas sim o dia da morte, considerado o momento de reencontro com a corte celestial. Não podemos perder de vista que o Dietario era um livro de escrita permanente e em ordem cronológica pela data de falecimento do monge. O Dietario 1 narra a vida dos monges que viveram no mosteiro desde 1582 até 1815 e já foi publicado em edição diplomática. Já o volume 2, que relata as vidas dos cenobitas de 1815 até cerca de 1935, já foi transcrito, mas ainda não foi publicado. Na edição diplomática do Dietario 1, Alícia Duhá Lose identificou cinco scriptores distintos. O documento é apresentado como um manuscrito reunido em um códice composto por 154 fólios. A autora salienta que o processo da edição foi iniciado por D. Clemente da Silva Nigra, ao copiar o manuscrito com o objetivo de preservar o original, e depois continuado por D. Gregório Paixão, na década de 1980, que datilografou e digitou esta transcrição. A edição coordenada pela autora partiu do original, mas considerou as duas tentativas de edição aqui mencionadas.15

Ainda sobre o gênero textual, Leandro Alves Teodoro, ao discutir o papel do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na construção do Estado português entre os séculos XII e XIV, diferencia os tipos de escrita monástica entre anais, crônicas e hagiografias.16 Os anais eram registros analíticos sem grandes construções narrativas, semelhantes a uma listagem de breves eventos. As crônicas eram mais elaboradas, com temática definida no tempo e no espaço, através de uma narrativa moralizante, com referência às fontes utilizadas. Já as hagiografias eram narrativas de vida de santos a serviço de uma educação religiosa para uma vida de exemplo, mas, também, de fins devocionais. Na vida monástica, a escrita era auxiliada pela leitura e o monge copista ou scriptor escrevia por ditado ou a partir de uma leitura em silêncio, tornando a biblioteca um subsídio importante para seu trabalho ao favorecer a consulta em livros e documentos antigos.

Moreno Laborda Pacheco, ao estudar os livros de fundação de conventos de clarissas portuguesas do século XVII, analisou diversos exemplos de crônicas compostas por frades e freiras e destacou que a escrita de crônicas segue regras gerais, como o respeito a uma abordagem cronológica e a inclusão de narrativas de vidas exemplares. Mas a terminologia é

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Dietário do Mosteiro de São Bento da Bahia (1582-1815), v. 1..., cit.

16

TEODORO, Leandro Alves. Os mosteiros e a produção escrita em Portugal. In: ______. A escrita