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2 CULTURA ESCRITA E AS GENTES DO LIVRO NA BAHIA DO SÉCULO

2.1 PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE IMPRESSOS NA BAHIA:

Os ideais da Ilustração adentraram o século XIX e alcançaram a cidade da Bahia repleta de tipografias, sobretudo, na segunda metade da centúria período no qual se evidenciam não apenas a impressão de periódicos e livros, mas, também, a sua circulação

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DARNTON, A leitura rousseauista e um leitor ‘comum’ no século XVIII..., cit., p. 166.

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Darnton explica esta diferenciação com base na tese de Rolf Engelsing e seus estudos sobre a Europa Ocidental entre 1500 e 1750. Para Darnton, é necessário observar as peculiaridades de cada época e lugar e ter em conta que a existência do modelo explicativo para os dois padrões de leitura é importante para marcarmos as diferenças do modo de ler em uma e outra época e evitarmos a perspectiva de evolução. Para o caso da Bahia no século XIX, achamos cauteloso ter isso em conta, pois não se trata de não existir a utilização da leitura ou a circulação dos livros antes do século XIX, mas que alguns fatores, como a difusão do liberalismo, da imprensa e do estilo de vida burguês propiciaram que, no século XIX, as práticas de leitura ficassem mais evidentes. Ver: DARNTON, A leitura rousseauista e um leitor ‘comum’ no século XVIII..., cit., p. 167.

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através da compra e venda. A primeira tipografia que se instalou na Bahia, ainda na primeira metade do século XIX, mais precisamente na época joanina, foi a do português Manoel Antônio da Silva Serva.32 O produto por excelência dessa casa tipográfica parece ter sido o almanaque. De acordo com Maria Conceição da Costa e Silva, a utilização dos almanaques como fonte histórica é inaugurada por Genevieve Bolleme, que realizou estudos sobre literatura popular na França durante os séculos XVII e XVIII.33

Embora o almanaque seja uma invenção chinesa, a origem etimológica é árabe e quer dizer “quadrante solar para medição do tempo”. Na era moderna, sua disseminação está ligada à invenção da imprensa. Em seus primórdios, os almanaques ainda não eram editados anualmente, como os do século XIX. Eram compilações de tabelas para calcular calendários, festas de santos, atividades do campo, ilustrados com imagens e vendidos por ambulantes. Sua leitura se dava em voz alta nas tavernas, oficinas, igrejas, reuniões em dias festivos e, também, no recolhimento das casas. O conteúdo era constituído de narrativas da atualidade, conselhos utilitários e folhinhas. Maria Conceição Silva aponta o Lunário Perpétuo, editado em 1703, como um dos primeiros almanaques editados em Portugal34.

No caso do Brasil, mais especificamente da Bahia, Renato Berbert de Castro enumerou a existência de doze almanaques publicados.35 O primeiro foi o Almanach para a

Cidade da Bahia, publicado em 1812 pela Tipografia de Manoel Antônio da Silva Serva, em

formato pequeno, contando com 264 páginas. Em 1844, foi publicado, pela mesma tipografia, o Almanach Civil Político e Commercial da Cidade da Bahia para o ano de 1845, com mais de 400 páginas. Uma década mais tarde, saiu à luz o Almanak Administrativo, Mercantil, e

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Segundo Renato Berbert de Castro, Manuel Antonio da Silva Serva era natural de Vila Real, norte de Portugal, e foi comerciante em Lisboa. Veio para a Bahia, em 1797, onde instalou a sua tipografia, em 10 de abril de 1811, e imprimiu o Prospecto da Gazeta da Bahia; o Plano para o

estabelecimento de huma biblioteca; e a Oração congratulatoria ao Principe Regente nosso senhor, do padre Inacio Jose de Macedo. No dia seguinte, saiu a Idade de Ouro, jornal que

funcionava na rua de Santa Barbara. O autor apresenta o Catálogo das publicações (p. 53-ss.): orações, discursos, tratados de comércio, almanaque de 1812, obras literárias (Marilia de Dirceo de 1812), legislação, história, manual de confissão, de engenharia, de direito, de medicina, pastorais, sermões, textos bíblicos. Cf. CASTRO, Renato Berbert de. A primeira imprensa na Bahia e suas publicações: Tipografia de Manuel Antonio da Silva Serva (1811-1819). Imprensa Oficial da Bahia, 1969.

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SILVA, Maria Conceição Barbosa da Costa e. O Almanaque: uma fonte de pesquisa. In: FUNDAÇÃO CULTURAL DO ESTADO DA BAHIA. Almanaque Civil Politico e Comercial da cidade da Bahia para o ano de 1845. Ed. Facsimilar. Salvador: A Fundação, 1998.

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SILVA, O Almanaque: uma fonte de pesquisa..., cit.

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CASTRO, Renato Berbert de. Os doze primeiros almanaques baianos. In: FUNDAÇÃO CULTURAL DO ESTADO DA BAHIA. Almanaque Civil Politico e Comercial da cidade da Bahia para o ano de 1845. Ed. Facsimilar. Salvador: A Fundação, 1998.

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Industrial da Bahia para o ano de 1855, organizado e publicado por Camillo de Lellis

Masson. Esse almanaque foi publicado por nove anos seguidos, de 1855 a 1863.

Por fim, em 1872, Castro dá notícia da existência da publicação do Almanak

Administrativo Commercial, e Industrial da Provincia da Bahia, compilado por Altino

Rodrigues Pimenta, na Tipografia de Oliveira Mendes. Assim, são quatro almanaques, porque o editado por Camillo de Lellis Masson foi uma série, publicada, como já dito, entre 1855 e 1863. Deste conjunto de publicações, informou o autor não existir exemplar conservado do ano de 1861. Nós também não dispomos do exemplar do ano de 1859. Sendo assim, do conjunto de nove exemplares, pudemos analisar sete. Outra questão a ser esclarecida diz respeito à datação dos almanaques de Masson que, inicialmente, eram publicados no ano anterior e, com o correr do tempo, passaram a ser editados no próprio ano a que se destinava. Para evitar confusões de identificação, respeitamos a natureza desta publicação e utilizaremos sempre como data de cada almanaque o ano ao qual a publicação se destinava.36

No século XIX, encontramos uma cidade mergulhada no mundo da leitura e da tipografia que viu emergir as gentes e os ofícios ligados ao livro.37 Tipógrafos, gravadores, livreiros e comerciantes de miudezas, como papéis e tintas, anunciavam seus artigos nos almanaques que circulavam na Bahia.38 A circulação de impressos e de livros não esteve restrita apenas à segunda metade do século XIX, mas parece-nos evidente que, neste momento

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Os sete exemplares do Almanak administrativo, mercantil, e industrial da Bahia, consultados nesta tese, encontram-se disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira em <http://hemerotecadigital.bn.br/acervo-digital/almanak-administrativo-mercantil-industrial-

bahia/706825>. Acesso em: 20 jul. 2016.

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Para um parâmetro da dinâmica que os impressos conferem aos centros urbanos, ver artigo de Daniel Roche. O autor analisa as práticas de escrita nas cidades francesas do século XVIII e destaca os fatores que tornaram os centros urbanos mais favoráveis a abrigar os impressos, a exemplo do caráter metropolitano das cidades, da concentração de escolas mantidas pelo Estado e pela Igreja, dos novos usos trazidos com os novos grupos sociais, como os operários, e da literatura clandestina que circulava através de empréstimos e da “retransmissão oral de uma tradição livresca”; assim como os registros acerca da presença de escrivaninhas, carteiras, penas e pastas e, por outro lado, da variedade de práticas de escrita e suas relações com os diversos grupos sociais que tornavam tais práticas sinal de prestígio social como os usos religiosos tanto da Igreja como da Maçonaria. Por fim, Roche inventaria os diversos “usos dos escritos” no contexto citadino: cartas, estandarte, documentos públicos, cartaz, pasquim, numeração das casas, calendários, imagens piedosas, baralhos, etc. ROCHE, Daniel. As práticas de escrita nas cidades francesas do século XVIII. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da Leitura. Tradução Cristiane Nascimento. 5. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 177-199.

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De acordo com Le Goff, os almanaques começaram a circular na Europa desde o século XV e eram tão populares como os livros de devoção. Os primeiros almanaques foram publicados na Alemanha, em 1455, e eram destinados às corporações de ofício. Em 1471, esses impressos são publicados anualmente. Contudo, a difusão do almanaque só ocorre no século XVIII e seu conteúdo, gradativamente, passa de religioso a laico. LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1996.

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tão detalhadamente descrito por Camillo de Mello Masson, organizador e editor do Almanak

Administrativo, Mercantil, e Industrial da Bahia, as forças da Ilustração assomaram à cidade:

Era ja um desar para nós os bahianos, um objeto de reparo para o estrangeiro, que a Bahia no grau de illustração e progresso industrial, a que − mercê de Deus − a tem elevado as santas instituições liberaes, não tivesse ainda um almanak, que alias, ha ja tantos annos, possuem outras províncias do império, e cuja necessidade para as relações sociaes, mercantis, etc, é da maior evidencia. A força de muito reconhecel-o e sentil-o, emprehendemos em fim dotar d'esse indispensável recurso o anno de 1855, e com elle iremos dotando os seguintes, si mediante o concurso do publico, bem acolhida e lograda fôr esta nossa premida, ou ensaio, que com a continuação irá melhorando de algumas lacunas e faltas, que devem ser relevadas, até porque não nasceram de pouca vontade ou tibieza de esforços da nossa parte como bem comprehenderá o observador circumspecto.39

A leitura dessa fonte nos permitiu mapear as mudanças em curso na Bahia, na segunda metade do oitocentos. Seu conteúdo é revelador do desejo de ser de utilidade pública, à época, e do mérito de se tornar uma fonte expressiva da vida cotidiana baiana. O autor nos apresenta o calendário anual marcado pelas estações, festas, eclipses, fases da lua, épocas de plantio, audiências dos tribunais, partidas de correio, indicação dos santos do dia, relação dos feriados e aniversários da família imperial, sem esquecer a indicação do nascer e do pôr do sol. Nada escapava ao olhar de nosso editor, que buscava dar a conhecer tudo a todos. Assim, também encontramos nas páginas do almanaque, as condecorações da nobreza, com as explicações dos graus das ordens nobiliárquicas do Brasil, e a apresentação da casa e da corte imperial, com um rol de nomes e datas de nascimento dos membros da família imperial.

Atento ao bom andamento dos órgãos administrativos do Império, o editor do almanaque cita os nomes dos ocupantes dos ministérios e conselhos de estado, do arcebispado e bispados, da presidência de província e câmaras, do senado e da câmara dos deputados, por província, além do Supremo Tribunal de Justiça, dos consulados, dos deputados e funcionários da Assembleia Provincial e da Presidência da Província. Não escapa a administração das coisas da Igreja. Encontramos também a composição do Tribunal da Relação com a listagem dos juízes, por comarcas, bem como seus dias de funcionamento. No que diz respeito à organização do poder local, traz a composição da Câmara Municipal, a lista de eleitores por freguesia, dos tabeliães, oficiais de justiça e avaliadores, além da Polícia, com o rol das delegacias e inspetorias por freguesia. Masson informa ainda sobre o Cabido da Sé, o Seminário Arquiepiscopal, que funcionava no Convento de Santa Tereza, e o seminário de

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Almanak administrativo, mercantil, e industrial da Bahia. Organizado e publicado por Camillo de Mello Masson. 1854, Seção “Ao Público”, V-VI.

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São Vicente de Paulo, que funcionava na Ladeira do Baluarte, esquina da d'Água Brusca, cujo reitor era o padre mestre Fr. Arsenio da Natividade Moura, da Ordem de São Bento, pregador imperial, que residia no seminário e sobre o qual voltaremos a falar mais tarde.

O Almanak traz, ainda, uma relação das igrejas, por freguesia, com indicação dos vigários e coadjutores e as datas de fundação das freguesias, informações sobre as ordens religiosas, seus conventos, recolhimentos e ordens terceiras. Nesse ponto, ele informa que o Mosteiro de São Bento estava situado na rua do mesmo nome, pertencente à Freguesia de São Pedro Velho, fundada em 1673; o Mosteirinho, no Largo da Graça; e o Hospício do Montserrat ficava na ponta do mesmo nome, informando ainda que: “Este hospício pertence á ordem beneditina, porém nelle não reside religioso algum.”40

Do mesmo modo, Masson aponta os espaços e órgãos destinados à gestão, à cultura, como o Gabinete de História Natural, a Faculdade de Medicina, o Conselho da Instrução Pública, o Liceu, o Passeio Público. Ao informar a existência destes estabelecimentos, o autor indica os endereços e funcionários. Preocupado com a segurança, relacionava os serviços ligados à Força Pública, listando fortalezas, arsenais, prisões e os batalhões da Guarda Nacional, tanto da capital quanto do interior. Dentre os serviços listados, merece destaque o anúncio da “Sociedade Recreio Litterario”, que funcionava na Rua Direita do Comércio, desde 1845. Segundo o Almanak, o estabelecimento tinha por fim “offerecer á seus membros meios commodos de instrucção e honesto recreio por meio de uma bibliotheca, composta de escolhidas obras, hoje em numero de 4.460 volumes”41

. A Sociedade Recreio Literário possuía um presidente, um tesoureiro, cinco vogais, um bibliotecário e seu ajudante. Além dos espaços voltados para a leitura, o almanaque informa ao seu público leitor as lojas onde podiam ser adquiridos os livros.

Ao comparar os anuários de 1845 e os de Masson, percebemos, também, a persistência do mesmo padrão, como o número de páginas; a organização das informações por setores – civil, eclesiástico, militar; e a apresentação do índice, no final, em ordem alfabética. Acreditamos que tal padronização pode se explicar não apenas por atender ao modelo editorial, mas, também, para aproveitar o material tipográfico, uma vez que não encontramos mais de um almanaque circulando de forma simultânea na cidade. Além disto, ambos eram vendidos em diversos pontos de Salvador tanto em lojas especializadas quanto em tipografias e boticas. Os anúncios de venda de almanaques também ofereciam as folhinhas de algibeira e de porta. Ainda que a contagem e a marcação do tempo tenham deixado de ser exclusividade

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Almanak administrativo, mercantil, e industrial da Bahia..., cit., 1854, p. 123.

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da Igreja, encontramos, também, duas publicações muito similares aos almanaques, a saber, o

Diario Eclesiastico e Civil, de 1837, e a [Fo]lhinha do Arcebispado da Bahia, publicada em

1842, que traziam informações do tempo das festas religiosas e procissões assim como as dignidades que ocupavam os tribunais eclesiásticos.

Vanda Anastácio, ao discutir a escrita feminina em Portugal nos séculos XIX e XX, destaca a importância dos almanaques para a propagação do ato de ler, na Europa, desde o século XVI. Menciona o conto escrito por Eça de Queirós sobre o papel do almanaque em fins do século XIX, chamando a atenção para o fato de que, nos almanaques, estavam contidas as “verdades vitais” a partir das quais se organiza a vida. Também cita o conto de Machado de Assis sobre a mesma temática. Acreditamos que o interesse dos dois autores pelo tema pode ser tomado como evidência da popularidade desse gênero tipográfico para sua época.42

Segundo Machado de Assis, em épocas imemoriais, o velho Tempo se apaixonou ardentemente por uma moça de 15 anos, chamada Esperança. Esse amor não correspondido despertou a ira do Tempo, que lançou sobre Esperança e a Humanidade o almanaque como um castigo, “um simples livro, seco, sem margens”, apenas com os dias, as semanas, os meses e os anos. Para espalhá-los por todas as cidades e aldeias, o Tempo enviou os almanaques em forma de dilúvio. Logo ganhou utilidade para os diferentes grupos profissionais e passou a ser hábito trazê-lo no bolso, como forma de lembrar os compromissos firmados. Ao fim da cada ano, o Tempo fazia chover os almanaques do ano novo e assim Esperança e todo o povo passaram a notar a velocidade da passagem do tempo. Ao completar 25 anos, a jovem sem ainda ter um noivo, sentia-se desesperada com seu destino e o Tempo lhe apareceu novamente com sua proposta de amor, recusada mais uma vez. Durante anos a fio, o Tempo fez cair sobre a terra almanaques que provocavam o desespero das pessoas com suas memórias e amarguras da vida passada, até que Esperança, já velha, o aceitou como noivo. Remoçados pelo amor eterno, Tempo e Esperança se casaram. Esperança então passou a colaborar na confecção do almanaque que começou a ser distribuído atado por uma fita verde: “e nunca o Tempo dobrou uma semana que a esposa não pusesse um mistério na semana seguinte”. Com o passar dos anos, os almanaques passaram a ser adornados com figuras, versos, contos e anedotas, revelando, na opinião de Machado de Assis, o sentido dos almanaques: “o Tempo os imprime, Esperança os brocha; é toda a oficina da vida”43

.

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ANASTÁCIO, Almanaques: origem, gênero, produção feminina..., cit.

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ASSIS, Machado de. Como se inventaram os almanaques. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=170 >. Acesso em: 16 maio 2016.

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No conto machadiano, a associação da tipografia à oficina da vida é uma metáfora que muito contribui para que possamos entender a importância do impresso em circulação no Brasil do século XIX. O tempo, que era contado com base na memória e na natureza, era, então, impresso em folhinhas e ilustrado em almanaques que circulavam com o objetivo de ordenar as tarefas do cotidiano, mas, ao mesmo tempo, guardavam um caráter místico traduzido no conto pela figura de Esperança, de coração sempre jovem, que passou a costurar as páginas do almanaque. O certo é que a expectativa em torno da publicação desse impresso era grande para se pressagiar os tempos de festa para a mocidade, as fases da lua para os agricultores, a partida dos navios para os comerciantes. A publicação anual dos almanaques parece ter contribuído para que estes periódicos deixassem de estar ligados ao tempo passado para se articularem ao tempo futuro, portador de esperanças, como nos revela o conto.

Ainda sobre os almanaques, Anastácio salienta que o calendário que alcançou o século XIX é herdeiro de uma fórmula de sucesso que remonta ao século XIV, com versões manuscritas que emergiram junto com os calendários e versões impressas surgidas no tempo de disseminação da imprensa, sobretudo na região da Alemanha e da Holanda, entre as décadas de 1460 e 1470. Na França, o calendário mais antigo, Grand calendrier et compost

des bergers, data de 1491. Dentre os similares portugueses, o calendário mais antigo foi

publicado em Leiria sob o título de Almanach Perpetuum, composto por Abraão Zacuto e editado por Abraão d’Ortas, em 1496. Destaca, ainda, o caráter permanente dos almanaques, conforme já dito, que não eram publicados periodicamente, como seus congêneres no século XIX, e que se destinavam a auxiliar médicos, cientistas e navegantes em suas atividades que dependiam da lida com o tempo. Sobre a publicação de almanaques em Portugal, salienta:

Um olhar atento sobre as espécies publicadas no século XVII em Portugal permite mesmo concluir que alguns impressores conseguiram assegurar a sua sobrevivência no mercado da edição dedicando-se exclusivamente à publicação de calendários e de almanaques, prova de que estas publicações asseguravam um volume de vendas considerável.44

Desde o século XVII, o almanaque, ao lado do calendário, se tornou uma publicação periódica e teve um papel importante para a garantia de um mercado editorial incipiente nas primeiras épocas da impressão, uma vez que era publicado em grandes tiragens, tinha custo reduzido e se destinava a um público que ainda não dominava por completo as habilidades da leitura. Já no século XVIII, a fórmula editorial do almanaque se tornou um sucesso de vendas e provocou uma diversificação dos estilos deste periódico. Dentre os estilos citados por

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Anastácio, encontram-se os almanaques de caráter citadino, publicados na França e na Alemanha, como o Almanach Royal francês, por exemplo, que viria a ter, a partir do início do século XVIII, um sucessor alemão que ficou famoso e teve grande longevidade – o Almanach

de Gotha. Este tipo de almanaque incluía dados sobre as casas reinantes europeias e a vida de

Corte, listagens dos detentores de cargos políticos e administrativos, informações sobre a composição do corpo diplomático. Este parece ter sido o modelo de inspiração dos almanaques que circulavam na Bahia.

A consulta aos almanaques e, sobretudo, ao anuário editado por Camillo de Lellis Masson nos permitiu pensar acerca da recepção dos leitores, no sentido de tentar imaginar o perfil do leitor que comprava este almanaque em termos de gênero, grupo social, ocupação e, ainda, se a leitura se destinava a um indivíduo ou a uma instituição. Ao nos colocarmos essas