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2 ESPACIALIDADE, MOBILIDADE E COMUNICAÇÃO EM REDE

2.1 ESPAÇO E TÉCNICA: DISCUSSÕES, CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Se observado por diferentes pontos de vista, os termos espaço, lugar e localização contemplam um amplo leque de conceitos – físicos, geográficos, filosóficos, sociológicos, dentre outros. A apreensão de todas essas perspectivas não é de nosso intento aqui, uma vez que, especificamente, tratamos de entender interveniências nas interações sociais quando lidamos com tecnologias baseadas em localização. Uma ampla discussão conceitual sobre o espaço, assim, poderia fugir desse intento principal.

Uma visão útil para compreendermos a visão do espaço na contemporaneidade, é aquela que dá conta do encontro entre a técnica e o espaço. Representar e atuar sobre o espaço é uma forma de agir tecnicamente sobre o mesmo. Santos (1996) aponta especificidades quanto a essa relação mútua, propondo a ideia de meio técnico-científico-informacional como o meio geográfico vigente na contemporaneidade, mostrando que a ideia do espaço geográfico é inerente à atuação da técnica: ambos estão correlacionados, e o próprio meio, longe de ser um dado infalível e imutável, é o produto da ação da técnica e da ciência. Assim, nas suas palavras, o meio técnico-científico-informacional é o meio

onde os objetos mais proeminentes são elaborados a partir dos mandamentos da ciência e se servem de uma técnica informacional da qual lhes vem o alto coeficiente de intencionalidade com que servem às diversas modalidades e às diversas etapas da produção (SANTOS, 1996, p. 187).

Santos aponta que, em outros momentos, quando todos os meios eram de caráter natural, fazíamos nossas escolhas tendo como critério a condução da própria vida. A escolha de um lugar para morar ou desenvolver atividades agrícolas, por exemplo, se dava pautada nessa manutenção e nas possibilidades mais viáveis e disponíveis às mãos: “As técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da natureza” (SANTOS, 1996, p. 188). Ainda que reconheça que as ações transformadoras sobre o espaço da natureza, mesmo que mínimas,

façam parte do universo da técnica, Santos aponta que esse modo de existência configura o “meio natural”: “A harmonia socioespacial assim estabelecida era, desse modo, respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza” (SANTOS, 1996, p. 188).

Um momento seguinte, contudo, veio a ser caracterizado como o “meio técnico”, que corresponde a um período marcado pela mecanização do espaço. Nesse momento, os objetos técnicos possuem potencialidades de ação “superior”, as quais se sobrepõem às forças e às características do meio natural. Vemos a emergência de uma era, portanto, em que as sociedades produzem e administram seus tempos e espaços, quantificam e dividem suas moradas e trabalhos e se pautam na racionalidade para a atuação da vida em sociedade. Nesse momento, “os tempos sociais tendem a se superpor e contrapor aos tempos naturais” (SANTOS, 1996, p. 189).

O terceiro momento caracterizado por Santos é precisamente este que engloba o “meio técnico-científico-informacional”. Delimitado temporalmente dentre o pós-guerra até a década de 1970, esse período é demarcado pelo encontro entre ciência e técnica – ou tecnociência – e pelo diálogo com o mercado a níveis que ultrapassam a dimensão local, o que nos leva a uma negação da dicotomia entre globalismo e localismo. Vemos aí, então, um tempo de atuações técnicas (indústria, comércio, política) que já não estão limitadas pelas constrições da natureza, incluindo as de caráter temporal e espacial. Fica frisado, assim, o papel desse conjunto técnico-científico nas ações sobre a Terra.

Nesse contexto, podemos observar uma separação do homem com a natureza, a qual deixa de ser uma condição sine qua non e intransponível para sua existência. Dito de outro modo, o meio aparta-se da humanidade e já não se impõe no seu estado original. Criamos e mantemos nosso próprio espaço de modo tal que o cenário predominante passa a ser de caráter técnico e científico – e, nesse contexto, a informação é alçada para o patamar de elemento mais relevante na atuação sobre o espaço. O conhecimento torna-se um recurso, as economias dos Estados transitam entre territórios (defenestrando, por vezes, a ideia de soberania nacional) e a comunicação entre atores distantes entre si (telecomunicação) surge como um fator preponderante para a manutenção dos laços e acordos econômicos e políticos.

Harvey (1993) também nos mostra que a perspectiva racionalista evocada desde o Renascimento (por volta do século XV) nos levou a ter uma concepção espaço-temporal com base na razão e nas pretensões totalizantes. Essa racionalidade, fundamentada no Humanismo e no Perspectivismo, deságua nos projetos Iluministas e acompanha igualmente a formatação

de outros projetos objetivos no Estado Moderno e no domínio do tempo e do espaço. Assim, remetendo-se aos tempos do Feudalismo, Harvey nos mostra que aquela era uma situação de mundos isolados e desconhecidos entre eles – cada feudo era uma particularidade em si, e os demais (ou as demais formas de sociedade) caiam num patamar de inexistência. Naquele cenário, valiam o espaço e o tempo infinitos: como não eram reconhecidos limites exteriores para além dos sentidos, o valor se situava naquilo que nos era imediato:

As qualidades centradas finitas do lugar (um território intricado de interdependência, obrigação, vigilância e controle) equivaliam a rotinas de vida cotidiana honradas pelo tempo estabelecidas na infinidade e inapreensibilidade do 'tempo permanente' (HARVEY, 1993, p. 119).

Àquele tempo as formas de representação do mundo se davam de modo não exatamente objetivo, ou não como compreendemos tal objetividade nos tempos atuais. A cartografia e seu rigor de representação ainda não era nascida, e julgava-se que a figura do artista podia realizar perfeitas traduções e representações apenas baseado na sua experiência sensível – o olhar, por exemplo.

Uma das claras mudanças da Idade Média para a Modernidade diz respeito à finitude do mundo. Ir além-mar e voltar era um claro indicativo de que teríamos limites apreensíveis, os quais careciam de representação, e que poderiam ser transponíveis, vencidos e dominados por um saber técnico – em outras palavras, com a devida representação e reconhecimento espacial, ninguém cairia no abismo pós-horizonte, por exemplo. No mesmo passo, os mundos externos àqueles até então concebidos passam a sofrer uma virtual influência baseada na navegação, no comércio e no militarismo. A ideia de isolamento, assim, cai por terra.

As novas formas de perspectiva elaboradas no Renascimento tiveram influência direta no modo como passamos a enxergar o mundo pelos próximos séculos. Mudanças no modo de se cartografar mostravam agora um espaço distante e sistemático, longe das apreensões sensoriais e subjetivas que marcaram a técnica até então. Tempo e espaço foram alocados em categorias específicas do saber, podendo ser tratados cientificamente e separadas do saber empírico.

O perspectivismo concebe o mundo a partir do “olho que vê” do indivíduo. Ele acentua a ciência da óptica e a capacidade das pessoas de representarem o que vêem como uma coisa de certo modo “verdadeira”, em comparação com verdades sobrepostas da mitologia ou da religião (HARVEY, 1993, p. 223).

O elo entre o individualismo e o perspectivismo gera a base conceitual para a racionalidade cartesiana, que é tomada pelos projetos do Iluminismo, marcando uma clivagem entre as atividades de ordem artísticas e técnicas. Palavras-chave como objetividade e precisão foram necessárias justamente por conta das novas propostas econômicas pautadas numa racionalização do mundo: navegação, agricultura, territorialidade, todas essas esferas precisavam de domínios, critérios e medidas objetivos, e não de elementos baseados numa observação vinda de um indivíduo e em sua sensibilidade pessoal.

Ao ser vista a partir de um paradigma de perspectivismo, a Terra passou a ser tomada como se por um observador externo, ganhando, assim, a capacidade de ser apreendida por um olhar de totalidade. A um só passo, igualmente, os princípios matemáticos na base da representação ganharam uma virtual aplicabilidade a diversas dimensões e escalas – afinal, a regra ou equação válida em algum lugar seria igualmente válida algures, desde que fossem respeitadas as variáveis envolvidas no escalonamento. Desse modo, o espaço vem a ser encarado como uma dimensão calculável e conquistável a partir de um ponto de vista. Em outras palavras, a revolução representacional do Renascimento deu os alicerces conceituais para a formatação do projeto Iluminista e, por um segundo passo, da própria Modernidade. “Sendo o espaço um 'fato' da natureza, a conquista e organização racional do espaço se tornou parte integrante do projeto modernizador” (HARVEY, 1993, p. 227). O mesmo Harvey reconhece, porém, o teor problemático da consideração em torno desse “fato”, não só pelo uso das aspas, mas especialmente ao propor que o espaço só pode ser conquistado por meio da sua própria produção – e são as relações de produção que criam um referencial dentro do qual os processos sociais devem ocorrer.

O salto que fazemos para a contemporaneidade é grande, e muitos processos históricos se passaram da Modernidade para o atual período Pós-Moderno – como nos diz o autor (HARVEY, 1993) – a exemplo da industrialização, da mecanização e da aceleração das atividades e dos deslocamentos. De modo a operacionalizar esse histórico, adotamos a proposta trazida por Kitchin & Dodge (2011), os quais, partindo do campo de estudo do software, focam nos processos e modos pelos quais o código11 atua para dar forma ao mundo, em suas várias dimensões: sujeitos, práticas, mobilidades e interações, por exemplo, apenas para nos situarmos em variáveis que orbitam os pontos principais desta pesquisa. A relação 11 Em geral, quando falarmos de código, falaremos no sentido de uma abreviação para código-fonte, base dos programas de computador. Outros sentidos para essa palavra poderão aparecer, mas serão contextualizados de acordo com o significado. Por ora, a ideia de codificação é aquela que serve de fundamento para a programação.

dupla entre código e espaço é resumida por eles pela expressão “código/espaço”12 e incorpora uma produção ou atuação do espaço dependente do software e seu código-fonte. Essa relação, encontramo-la cada vez mais em diversos momentos do nosso dia a dia, e alguns dos exemplos dados pelos autores dizem respeito a certas portas em aeroportos ou a sistemas de pagamento em supermercados: em ambos os casos, a espacialidade é posta em ação em alto nível de dependência do software, por vezes até sem a possibilidade de intervenção por parte do humano.

Na perspectiva de Kitchin & Dodge (2011), o foco se situa quanto à produção do espaço pelo código, não exatamente pelo viés computacional, mas por uma abordagem cultural: para eles, o software é uma produção social, nem imaterial, estável ou neutro, e ao passo que atua sobre a sociedade – sobre as pessoas e suas coisas, seus espaços e tempos – acaba por ter consequências a serem consideradas. Em suas palavras, o “software importa porque ele altera as condições pelas quais cada sociedade, espaço e tempo – e, portanto, espacialidade – são produzidas”13 (KITCHIN & DODGE, 2011, p. 15).

A preocupação principal desses autores se situa quanto à produção automática do espaço pelo código: “no que estamos particularmente interessados […] é o processo pelo qual o software automaticamente produz espaço”14 (p. 71). Aqui é necessário salientar nossa cisão da nossa abordagem com a de Kitchin & Dodge (2011), uma vez que suas preocupações se dão quanto à não-ação do humano (embora suas ações lá estejam, implicitamente, no papel de codificação do software), nosso olhar busca exatamente o ponto que não é tocado por eles: quando as pessoas são requisitadas a agir e a tomar decisões quanto à espacialidade e à marcação eletrônica de suas movimentações. Nossa preocupação, dessa forma, aproxima-se do interacionismo simbólico na medida em que compreendemos que as ações pontuais e deliberadas que fazemos, posicionadas e delimitadas em certos quadros de referência, possuem significados específicos e direcionados. Nossa leitura, a princípio, é a de que a localização, por ora disposta em rede e eletronicamente mediada, entra como um componente das ações estabelecidas a partir da mediação simbólica, e esta investigação atua no mapeamento, na descrição e na compreensão das estratégias e nos modos empregados pelos atores sociais – que não agem exatamente segundo automatismos.

12 No original, code/space.

13 Tradução nossa de “Software matters because it alters the conditions through which society, space, and time, and thus spatiality, are produced”.

14 Tradução nossa para “What we are particularly interested in […], is the process by which software automatically produces space”.

Para nosso estudo, o código é de fundamental importância na medida em que ele é um dos principais mediadores das ações transcorridas em rede. A novidade que perseguimos aqui se dá quanto à atuação de códigos e dados digitais sobre a sensibilidade locativa de dispositivos em rede, os quais são tomados por pessoas que os usam de variadas formas, com diversas motivações. O código, no caso de redes e serviços baseados em localização,

materializa-se na forma dos aplicativos estudados e engendram formas de interação para as quais lançamos nossa atenção. Acessar o código, assim, não significa acessar de fato sua escrita enquanto tal (que, geralmente, é restrita aos próprios desenvolvedores), mas equivale a estudar uma parte visível – a ponta do iceberg – da relação entre distintos atores (pessoas, dispositivos, conexões, códigos culturais, normas de conduta etc.). E, na perspectiva com a qual avançamos, o software não é só o elemento que acarreta mudanças na espacialidade como também possibilita transformações interacionais.

Outra importante contribuição de Kitchin & Dodge (2011) diz respeito às mudanças conceituais em torno do termo “espaço”. Sem se alongar demais na história e se concentrando em momentos recentes, os autores traçam um breve relato a partir de anos anteriores à década de 1950, mostrando que, até então, para uma parte considerável das ciências sociais, o espaço era uma espécie de plano de fundo implícito, cuja concepção nem era problematizada. Até essa época, mesmo a geografia pouco se importava em ir além da descrição formal de regiões e lugares específicos, e a espacialidade, assim, resumia-se ao conjunto de características que a contemplavam. Ainda nesse momento, mesmo a consideração espacial relacionada a objetos se situava apenas na medição de suas dimensões, o que equivalia, num espectro geral, a um acúmulo de dados, valores e procedimentos analíticos.

Os anos 1960 e 1970 também presenciaram algumas transformações nas perspectivas da espacialidade. De um conceito implícito e a priori, o espaço primeiramente passou por considerações absolutas, que traziam consigo noções de normalização, disciplina e produção de padrões. Num momento posterior, veio também a ser analisado por visões relacionais, em geral de raízes marxistas, as quais deram abertura a potenciais contestações e contingências sobre o espaço. Ou seja, toda a rigidez de qualquer ideia absoluta em torno do espaço vinha por terra, especialmente diante da possibilidade de sua criação e transformação:

No seio desse pensamento relacional, reconhecia-se que os espaços que as pessoas habitam – o ambiente construído, os sistemas de transporte, a zona rural – não simplesmente existem, pré-formatados e à espera de sentindo. Em vez disso, essas paisagens, e as relações espaciais que as engendram, são

produzidas, elas são feitas, ganham formas, são manuseadas e significadas pelas pessoas15 (KITCHIN & DODGE, 2011, p. 67).

No bojo dessas discussões, dois importantes teóricos abarcam ideias que nos servem de base para nossa investigação. O primeiro é Henri Lefebvre (1991), para quem o espaço dá abertura a ações e relações sociais, mas não apenas: ele tanto as produz (ou lhes possibilita enquanto palco de ocorrência) quanto é produzido por elas. Essa perspectiva sobre o espaço o retira daquele ponto de vista estático e o coloca num patamar ativo e passível de transformações, abordando-o sobre três prismas: o espaço concebido, o percebido e o vivido.

A concepção diz respeito à abstração e aos cálculos e criações distantes do cotidiano. Os outros dois termos ligam-se ao modo pela qual de fato percebemos e vivenciamos, efetivamente, este espaço. Concepção, percepção e vivência, cada um desses termos ligam-se a outros três conceitos-chave que fundamentam a proposta de Lefebvre (1991): a representação do espaço, os espaços de representação e a prática espacial. Numa rápida explicação, a ideia de prática espacial se refere às atividades e todas as condições materiais existentes num dado contexto espacial. A representação espacial, por sua vez, é o conjunto daquelas condições e mediações simbólicas que buscam mostrar como é, era ou pode ser aquele dito espaço. Já os espaços de representação abarcam os campos de imaginação e de ideologia com os quais as pessoas compreendem o espaço (JANSSON, 2006, p. 96).

O segundo nome a ser considerado neste ponto é o de Michel de Certeau (1984), que considerava o espaço como o resultado de ocorrências situadas entre estratégias materiais e discursivas, as quais tratavam de produzir lugares conforme padrões abstratos. Para o autor, há sempre determinadas instâncias que buscam modelar a materialidade e o significado do espaço segundo determinadas concepções de mundo. De outro lado, encontram-se táticas que, a um só tempo, tanto desestabilizariam tais abstrações e modelos racionais quanto transformariam o espaço pela prática dos lugares. O que fazemos no espaço, portanto, não é meramente resultado de tais planejamentos, mas também uma forma de contestar e recriar sentidos. O significado da espacialidade, assim, vem da ação (ADAMS, 2009).

Lefebvre e de Certeau lidam com a perspectiva do poder em atuações sobre o espaço – seja no sentido da contestação, seja no sentido da criação. Há uma preocupação de ambos quanto à maneira como o espaço é pensado, gerido, mantido, mas, sobretudo, como ele pode 15 Tradução nossa de “In such relational thinking it was recognized that the spaces people inhabit – the built environment, transport systems, the countryside – do not simply exist, preformed and awaiting meaning. Instead, these landscapes, and the spatial relations they engender, are produced, they are made, shaped, managed, and given meaning by people”

ser transformado. Embora não seja do interesse direto dessa pesquisa, tais olhares nos importam na medida em que servem de base para as formas como o espaço tem sido tratado atualmente.

Junto a essesteóricos, disputas conceituais diversas em relação ao espaço deságuam, no decorrer da última década, numa compreensão que visa não mais a traçar uma fronteira bem estabelecida em torno de sua definição – dito de outra forma, se ele é mutável, instável, contingente, parece não fazer sentido que tenhamosuma definição clara e única sobre esse termo. Para Kitchin & Dodge, a discussão contemporânea sobre o espaço, assim, ganha a perspectiva processual do tornar-se em vez da tomada de definições estáticas:

O espaço […] não está ontologicamente seguro, não é uma entidade fixável, definível, conhecível e predeterminada. Em vez disso, o espaço é sempre um processo de vir a ser; está sempre no processo de tomar lugar. O espaço, nesses termos, é uma prática, uma realização, um evento, uma transformação – uma realidade material e social sempre (re)criada no momento. Num nível fundamental, o espaço atinge sua forma, função e significado por meio da prática16 (KITCHIN & DODGE, 2011, p. 68).

Seguindo a discussão por essa linha de raciocínio, podemos dizer que o espaço não é simplesmente uma espécie de “tábula rasa” à espera de uso, mas muito mais um conceito abstrato resultante de relações sociais e aberto a continuidades. Nosso entendimento sobre o espaço o compreende não como um dado a priori, mas uma produção contestável e transformável por meio das relações sociais. Ele é constituído a partir de práticas e pontos relativos entre si e resulta dos processos transcorridos a partir de nossas atuações, não sendo um fundamento anterior a elas. Enquanto seres sociais, não apenas “usamos” o espaço, como também o construímos, material e simbolicamente. Essa percepção é de vital importância para este trabalho, uma vez que partimos do pressuposto que as cidades na contemporaneidade são permeadas de fluxos infocomunicacionais (LEMOS, 2009) que perpassam por várias camadas de atores sociais. Há de se compreender que os espaços não apenas são transformados em suas dimensões mais palpáveis, como também em dimensões simbólicas, afetivas, socialmente significativas.

16 Tradução nossa de “Space […] is not ontologically secure, it is not a fixable, definable, knowable, predetermined entity. Rather, space is always in the process of becoming; it is always in the process of taking place. Space, in these terms, is a practice, a doing, an event, a becoming – a material and social reality forever (re)created in the moment. At a fundamental level space achieves its form, function, and meaning through practice”.