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O espaço que (re)une separa: “Os do grupo e os de outros grupos”

3 O ESPAÇO E O TEMPO DO COTIDIANO VIVIDO

3.3 A formação social do NEI: estrutura e funcionamento

3.3.2 O espaço que (re)une separa: “Os do grupo e os de outros grupos”

As crianças do NEI são matriculadas em período parcial, permanecendo na instituição em média por um período de quatro horas diárias. O NEI é um espaço que, ao mesmo tempo que (re)une crianças de 0 a 6 anos, as separa em grupos conforme a faixa etária55 assim representados:

TABELA 11 – GRUPOS POR FAIXA ETÁRIA

Grupo Turno matutino Nº crianças Turno vespertino Nº crianças Idade G-III 12 12 1a 9m/2a e 9m G-VI 12 16 2a e 9m a 3a e9m G-VI 14 14 2a e 9m a 3a e 9m G-V 16 12 3a e 9m a 4a e 9m G-VI/G-VII 13 13 4a e 9m a 6a e 9m

Fonte: Projeto Político Pedagógico, 2004

Cabe aqui um esclarecimento quanto à faixa etária a que corresponde cada grupo, pois em 2004 a Secretaria Municipal de Educação efetuou uma mudança. A correspondência é a seguinte:

TABELA 12 – FAIXA ETÁRIA CORRESPONDENTE A CADA GRUPO

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Turmas Turmas Faixa etária

Berçário I G I O a 1 ano de idade

Berçário II G II 1 a 2 anos de idade

Maternal I G III 2 a 3 anos de idade

Maternal II G-IV 3 a 4 anos de idade

I Período G-V 4 a 5 anos de idade

II Período G-VI 5 a 6 anos deidade

III Período G-VII 6 anos de idade

Fonte: PPP da Institução

Essa divisão, cujo critério estabelecido é a faixa etária; cada criança pertence a um grupo, e cada grupo a um espaço delimitado, circunscrito no NEI, ou seja, uma sala de referência ou sala de atividades, juntamente com suas respectivas professoras e auxiliares de sala56, em muito lembra o modelo escolar, como também o corredor, a área coletiva, a sala de professoras, a sala de direção... diferenciando-se, em parte, no que diz respeito à utilização dos sanitários, que na Educação Infantil são mistos, e à área coletiva, que tem equipamentos de parque57.

Assim como Fantim em seu estudo, também percebi no NEI uma fronteira indefinida entre o público e o privado, entre “os daqui” e “os de fora”, nos adultos e nas crianças. Nas educadoras, isto foi também evidenciado em conversas informais e em entrevista semi- estruturadas, em que elas levantaram a questão de ter ou não liberdade para levar as crianças de seu grupo para outras salas. Nas crianças, as evidências, quando não verbalizadas, tornavam-se visíveis nas expressões faciais de desaprovação ante a presença de outra criança não pertencente ao grupo na sala, e até mesmo na atitude extrema de expulsar a criança com empurrões.

O fato pode ser observado nesta conversa com uma das educadoras:

Auxiliar: ...não a criança até se chega, mas quando eles percebem que eles estão ali, eles empurram, eles fazem qualquer coisa pra tirar a criança do que eles estão brincando ali... às vezes a gente tenta, ... a Janaína às vezes pega ali, sai da sala dela e vem ali... tu vê que hoje tinha a ....a.... Josi e a Gabrieli estavam brincando lá na nossa sala, elas estavam lá numa mesinha brincando com um joguinho, mas o Lucas estava só de olho, porque ele acha que ali a sala é nossa... não sei se é a criação... a cultura dele, a mãe que ensina ele ser assim, ... já estava querendo expulsar, mas não, eu disse, deixa elas brincarem e depois elas vão pra sala delas, e... elas brincaram ali e depois foram.

Pesquisadora: Tu vê isso nas outras crianças também?

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No município de Florianópolis é esta a denominação dada a profissional do quadro civil sem formação em nível de magistério ou em pedagogia. Sobre essa temática, consultar Cerizara (1996).

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Auxiliar: No Lucas parece que é mais forte... ele é sempre o primeiro a correr com as crianças, o Juninho... a Duda.... as crianças têm isso da sala com as outras crianças... de não deixar pegá as coisas... de achá que é só deles...(silêncio)

Pesquisadora: Mas eles gostam também de ir pras outras salas? Auxiliar:Só gostam, tu viu aquele dia na hora do parque...(silêncio) Pesquisadora: E as professoras....

Auxiliar: Pois é... aquele dia na hora do parque que a gente ficou naquela sala.... acho que a professora da sala não gostou de ver a gente lá... a gente não tem liberdade pra fazer isso na sala uma da outra... a gente não costuma levar as crianças em outras salas... só quando falta professor... num momento especial.

(DIÁRIO DE CAMPO)58

Os adultos dessa instituição, ao explicitarem no PPP que os espaços são fatores primordiais e facilitadores das diferentes brincadeiras e que estão preocupadas em proporcionar momentos de interação entre as crianças e entre as educadoras, demonstram uma certa ambigüidade em relação ao trabalho exercido no espaço do NEI. A demarcação de fronteiras entre o público e o privado são muito tênues. Se o é para o adulto, muito mais para a criança. Com a demarcação das salas por faixa etária, o público deixa de sê-lo quando estiver demarcado e em uso por determinadas pessoas, o que o transforma em privado. É por isso que as crianças desse grupo consideram as de outro grupos como intrusos.

As crianças me chamavam às vezes de tia, às vezes de Zenilda, às vezes de moça da máquina e às vezes de professora, e assim percebia que aos poucos ia sendo reconhecida, que aos pouco ia me tornando familiar e me sentindo familiar, pertencente àquele espaço, fazendo parte da história daquelas pessoas, dos adultos e das crianças que se relacionavam carinhosa e amigavelmente comigo, transformando-me de “os de fora” para “os daqui”.

Eram raros os momentos em que as crianças de um grupo ocupavam as salas de outro grupo. A novidade relatada acima, que a princípio me indicava uma aparente quebra de regras, revelou, no entanto, o quanto as relações sociais mais amplas são reproduzidas nas relações sociais mais restritas ou nos segmentos da sociedade.

Esse espaço da creche, assim dividido entre o público e o privado, entre “os do grupo” e “os de outro grupo”, constrói imagens de cada grupo sobre o outro entre as crianças, entre os adultos, revelando os tipos de relação que se travarão entre as pessoas dentro da instituição.

Em datas comemorativas ou em dias de atividades coletivas, algumas dependências do NEI eram temporariamente modificadas, principalmente o parque, que era transformado, subdividido em áreas, decorado e organizado conforme as oficinas, caracterizando-se então

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como espaços compartilhados por crianças e adultos de diversos grupos; tal acontecia também nos eventos na sala de vídeo, quando ocorria a suspensão temporária da rotina do NEI; nesses momentos as crianças pareciam ser mais consideradas em suas escolhas e iniciativas, pois lhes era dada a oportunidade de realizar coisas com crianças de outros grupos, de outras idades e com outros adultos do NEI. O mesmo acontecia no final da manhã, quando as crianças e auxiliares esperavam pela chegada dos pais: algumas vezes, o espaço externo entre o prédio e o portão de entrada também se transformava em espaço alternativo e compartilhado entre as crianças e adultos de vários grupos, revelando a diversidade do NEI.

Realizada esta análise inicial da instituição como um todo, detenho-me agora no grupo IV, grupo que é o foco desta pesquisa.