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2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA: GARANTIR O ACESSO AOS

2.2 De quem e de onde estamos falando

2.2.4 História do NEI Carianos

O cotidiano supõe o passado como herança. O cotidiano supõe o futuro como projeto. O presente é esta estreita nesga entre o passado e o futuro e cuja definição depende das definições de passado e de futuro; desta existência do passado, da qual nós podemos nos libertar porque já se deu; e desse futuro, que oferece margem para todas as nossas esperanças, exatamente porque ainda não existe (SANTOS, 1996, p.10).

Entre apropriações e exclusões, o espaço físico da creche não pode ser entendido de forma isolada do contexto mais amplo, onde, a um só tempo, os espaços arquitetônicos e urbanísticos são espaços concretos e imaginários que refletem aspectos políticos, ideológicos e econômicos de uma prática social vivida e institucionalizada. Nele existe “a confirmação de

hierarquias ou então de certas formas de controle social expressas em mecanismos de inclusão/exclusão” (MUNIZ SODRÉ, 1988, p. 33), e “todo o esquema espacial reflete a relação de autoridade e disciplina” (LIMA 1989, p. 58).

Recuperar elementos constitutivos da história da instituição pública de educação em questão se faz necessário na medida em que buscamos compreendê-la como lugar de criança, pois, segundo Frago (1998, p.81),

a escola – me reporto aqui a creches e pré-escolas – é um espaço demarcado, mais ou menos poroso, no qual a análise de sua construção, enquanto lugar, só é possível a partir da consideração histórica daquelas camadas ou elementos envolventes que o configuram e definem.

A comunidade do Carianos há muito reivindicava uma Instituição de Educação Infantil para atender as necessidades do bairro. Todas as outras instituições públicas de Educação Infantil do Município de Florianópolis – assim como as demais instituições de Educação Infantil no Brasil – nascem da luta de mães trabalhadoras, que reivindicam ao Estado um lugar seguro onde possam deixar seus filhos e filhas enquanto trabalhavam.

Inicialmente cumprindo a função primordial de atendimento às crianças “carentes”, guardando-as e alimentando-as enquanto suas mães trabalhavam fora do lar, vai mesclando-se, no decorrer de seus vinte anos de existência, com um trabalho de preparação para a escola de primeiro grau, onde os exercícios de coordenação motora predominam. Vai, enfim, avançando em concepções próprias de seu tempo, como por exemplo a defesa do desenvolvimento e da autonomia como metas da educação nos anos 80, e a defesa da brincadeira e da linguagem como eixos metodológicos, nos anos 90 (OSTETTO, 2000, p.28).

Em 1984 um grupo de mães reuniu-se e organizou um abaixo-assinado reivindicando à Prefeitura, que tinha como prefeito na época o senhor Francisco de Assis, um espaço onde pudessem deixar suas crianças, pois as mães da comunidade precisavam trabalhar. Essas mães contaram com o apoio do então presidente do Conselho Comunitário, senhor João Flávio, que entregou o abaixo-assinado ao Secretário Municipal de Educação, senhor Salomão Mattos Sobrinho.

A fim de atender a comunidade, no mesmo ano, a Secretaria Municipal de Educação autorizou o funcionamento do Núcleo de Educação Infantil Carianos, tendo como sede provisória o salão paroquial da igreja do bairro, Igreja Santa Catarina e Santa Rita de Cássia, hoje apenas Igreja Santa Rita de Cássia.

O salão paroquial não apresentava estrutura condizente com o desenvolvimento de um trabalho com crianças, mas mesmo assim o desafio foi aceito pelas mães da comunidade, com

esperança de que num futuro próximo a prefeitura fosse resolver o problema, dando à comunidade uma instituição de Educação Infantil adequada, contemplando dessa forma as reivindicações do abaixo-assinado. O que as mães na época não sabiam é que esta luta duraria vinte anos, até verem concretizados seus direitos de cidadãos e os direitos das crianças, de acordo com a resolução já citada, em seu Art. 1º “A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, constitui direito da criança de zero a seis anos, sendo dever do Estado e da família”.

Uma das mães fez, no bairro, o levantamento das crianças em idade pré-escolar, e a partir daí foram efetuadas as matrículas. Era um grupo de 50 crianças, que foram distribuídas em dois turnos, e a Secretaria de Educação enviou uma professora para realizar o trabalho com elas.

Em 1985, sentiu-se a necessidade de ter mais uma professora e também uma diretora que respondesse pelo NEI, pois já era visível o crescimento da instituição.

No final do ano de 1987 a igreja solicitou o espaço do salão paroquial, e o NEI Carianos, sem sede própria, passou a ocupar uma edícula alugada pela prefeitura. A partir daí, com a troca de diretora, começou-se a promover rifas e bingos no intuito de angariar fundos para manter a instituição.

Em 1991, reivindicou-se um espaço maior e o atendimento a crianças de menos idade, pois o número de mães à procura de matrícula havia aumentado, foi inaugurado então, nesse mesmo ano, em uma casa alugada, a Creche Municipal Idalina Ochôa, que a princípio iria substituir o NEI Carianos. O grande número de crianças matriculadas levou à constatação de que o espaço era insuficiente para atender a demanda. A então diretora, Ana Mercedes Rutz, munida dos documentos comprobatórios, reivindicou junto ao Secretário Municipal de Educação, Senhor João Aderson Flores, a continuidade do NEI Carianos.

A partir de 1992, o bairro Carianos passou a ter duas Unidades de Educação Infantil: a Creche Idalina Ochôa e o Núcleo de Educação Infantil Carianos. Nesse mesmo ano o NEI Carianos mudou-se novamente para outra casa um pouco maior, também alugada, para que pudesse atender o crescente número de crianças matriculadas.

Em 1995 mais uma vez o NEI mudou de endereço. A casa, também alugada, teve que ser adaptada para atender ou tentar atender as especificidades dessa faixa etária, permanecendo no mesmo local até os dias atuais.

Em 1999, os serviços de merendeira e auxiliar de serviços gerais passaram a ser terceirizados .

Esses vinte anos de atendimento à comunidade foram marcados pela luta em prol da continuidade a instituição e da construção de uma sede própria. Todas as profissionais que hoje se encontram nessa instituição ou por aqui passaram vivem ou viveram a expectativa de ver realizados os objetivos da comunidade de Carianos, que é garantir, pela construção de uma sede própria, um ambiente adequado que respeite o direito das crianças a uma educação de qualidade e ao cuidado assegurados na Constituição.

Se a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 são marcos históricos, conceituais e simbólicos, no sentido de ver a criança como sujeito de direitos e propor a igualdade de oportunidades para uma educação de qualidade, é preciso analisar como tais significados são transformados em ações com visibilidade, para que não fiquemos à mercê de subterfúgios retóricos, com idealizações da criança e aspirações para a Educação Infantil (KISHIMOTO, 2002, p.113)

Sobre isso, a diretora atual nos conta que a luta da comunidade e dos profissionais dessa instituição por uma sede própria é uma luta muito antiga e

[...] parece ser desde o início do seu funcionamento. O NEI teve a possibilidade de ser construído no terreno da base Aérea de Florianópolis, mas não deu certo, pois o terreno da União não poderia ser cedido à PMF; desta forma, a prefeitura não poderia construir uma creche num terreno que não era seu. Novamente em 1998 a comunidade do NEI se organizou e encaminhou um abaixo assinado a S.M.E. A secretaria falou que o NEI será incluído no orçamento de 1999. Infelizmente não aconteceu. Em 2001, o engenheiro da PMF faz contato com a Direção do NEI (Sonia Fernandes) e começam a procurar um terreno no bairro, pois o NEI será construído. Como não há um terreno adequado, a PMF decide fazer a desapropriação. Vimos então o terreno do seu Daniel para ser desapropriado, esta desapropriação seria de acordo com o valor de mercado. No entanto, como a PMF. fica sabendo que a União (devido à manifestação dos moradores da Panair) poderá repassar para a PMF a cessão do terreno, que é da antiga Panair do Brasil, a prefeitura cessa a conversação com o seu Daniel e fica aguardando as negociações com o Ministério da Aeronáutica. A união passa o terreno para a PMF, pois há um movimento muito forte da comunidade posseira das terras, juntamente com o prof. Lino e demais simpatizantes. O NEI Carianos e a Creche começam a participar das reuniões da AMOCAR, para definir como serão realizados o assentamento das famílias e a construção da creche. Destas reuniões participam poucas famílias. Nossa primeira intenção era construir dois equipamentos, portanto o terreno não comportava dois prédios, foi então que em reuniões de pais e profissionais, acabamos concordando com a PMF sobre a unificação das duas instituições. Não era uma idéia que agradava ao NEI e à Creche, mas como já estávamos trabalhando numa situação difícil durante anos, esta alternativa parecia ser a menos pior. Após esta decisão, começamos com a creche a participar das reuniões da AMOCAR juntamente com os representantes da Panair, e de um encontro com a Prefeita Ângela Amim, no mês de fevereiro deste ano. A principio seria construída a creche modelo. Esta creche foi discutida por um grupo de profissionais: Rosa Batista, Sonia Fernandes, Kátia D`Agostinho e outros diretores (tinha também uma arquiteta). A idéia surgiu de uma viagem da Prefeita e Secretária à Europa. Encantadas com os prédios, bateram algumas fotos e resolveram a partir dessas fotos propor um modelo

padrão. Mas teve manifestação contra a construção desta creche, da qual participaram o vereador Nildão, o Sr.Lazaro e o próprio movimento dos assentados, devido ao alto custo deste equipamento. Assim, e provavelmente devido ao alto custo, resolveu-se construir um prédio padrão que comportasse a demanda do NEI e da Creche. A construção do prédio iniciou em julho e a proposta é para ser inaugurado até o final do ano de 2004. Assim, a creche e o NEI serão extintos e criada a creche Carianos. Nossa luta agora é que a direção desta nova unidade seja imparcial, ou seja, um diretor que não tenha vínculo com nenhuma das instituições. No entanto, a secretaria está impondo que a nova creche seja administrada pela atual diretora da Creche Idalina Uchoa. Já iniciamos uma manifestação com reuniões de pais, carta à Secretaria e abaixo-assinado. Nesta semana a Secretaria estará fazendo o remanejamento dos professores excedentes através da relotação. Terão que ser relotadas três professoras. É um momento delicado, tanto para a creche como para o NEI, pois teremos perdas em relação ao quadro funcional (Diário de Campo)26.

Quanto à intenção do poder público de agregar num único espaço a demanda das crianças até então atendidas separadamente, ou seja, de juntar Creche e NEI, os pais e profissionais se posicionaram da seguinte forma, de acordo com declaração da diretora:

As famílias e a APP têm sido sempre consultadas, a princípio não era interesse destes a unificação, mas entre continuar neste prédio ou ir p/ um prédio novo, a decisão foi de concordar com a unificação.Todos ficamos indignados com a forma como a secretaria está impondo a administração da nova creche, sem uma conversa com representantes dos demais segmentos da comunidade escolar (Diário de campo)27.

No ano de (2004), a comunidade teve parte de seus objetivos alcançados com o início da construção das obras da nova sede; por outro lado, as pessoas se sentiram contrariadas por não serem ouvidas quanto à indicação da nova direção, ferindo assim os princípios democráticos que a comunidade vem conquistando ao longo do tempo, fato que pode interferir negativamente nas relações pedagógicas e familiares, atingindo diretamente as crianças pelos possíveis conflitos advindos dessa atitude autoritária do poder público municipal, que se contrapôs aos objetivos perseguidos pelas profissionais e famílias que compõem a comunidade do NEI Carianos. A comunidade e as profissionais não desistiram, continuaram na defesa daquilo que acreditavam ser melhor para as crianças, mesmo depois de ser emitida pela Secretaria Municipal de Educação uma portaria de extinção do NEI. Finalmente elas conseguiram reverter o processo, e nova portaria foi emitida, tornando nula a anterior. O NEI iniciou suas atividades em 2005, atendendo suas crianças no mesmo local. As ultimas informações colhidas são de que uma nova casa foi alugada para servir de sede para esse estabelecimento de educação.

26

Entrevista realizada com a então diretora do NEI Carianos em 23 de abril de 2004.

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Percebe-se que a máquina administrativa governamental é burocrática, lenta e nem sempre está a serviço da população, exigindo que o povo se mobilize e lute para garantir seus direitos.

Resta-nos perguntar quando esse pesadelo vai terminar. Quanto tempo mais esta comunidade vai ter que conviver com a incerteza da extinção desse estabelecimento de educação?