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Sobre a professora e a auxiliar de sala participantes desta pesquisa

3 O ESPAÇO E O TEMPO DO COTIDIANO VIVIDO

3.3 A formação social do NEI: estrutura e funcionamento

3.3.5 Sobre a professora e a auxiliar de sala participantes desta pesquisa

No NEI pesquisado, havia uma professora e uma auxiliar de sala para cada grupo de crianças, menos para o GrupoVI e Grupo VII, cujas crianças estão na faixa etária dos 5 e 6 anos.

No grupo de crianças foco desta pesquisa atuavam duas educadoras. Levantei alguns dados sobre a professora e a auxiliar de sala do Grupo IV em conversas informais e pré- estruturadas, que julgo ser importantes apresentar, pois, assim como as crianças, elas indiretamente são também sujeitos da pesquisa.

A professora estava cursando Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais na modalidade a distância 61 na UDESC/2004. Efetiva, regida pelo Estatuto do Magistério Público Municipal – Lei nº 2.517/86 –, com carga horária de 40 horas semanais, tinha 19 anos de trabalho na Educação Infantil, dos quais 12 anos tinha sido realizados na instituição em foco. Era mãe de três crianças com idade abaixo de 8 anos, tinha 38 anos, era separada e moradora do bairro.

Diz ser o terceiro ano que trabalha com crianças da faixa etária de 3 anos, mas sua preferência é trabalhar com crianças maiores. Sobre a formação a distância que está cursando nos revela que

Estudar sobre as crianças é fundamental para melhor realizar o trabalho, entretanto, este curso que fiz tem suas particularidades no que se refere ao estudo, por ser à distância , onde exigia de mim mais leituras. Diante deste contexto e também de minha vida particular, ou seja, fora do trabalho, encontrei bastante dificuldades de realizar essas leituras do jeito como eu acho que deveria de ser (Questionário, 23/04/04).

E faz um desabafo ao falar dos problemas enfrentados cotidianamente na profissão. A vantagem é que trabalhar na Educação Infantil pode ser muito prazeroso, criativo, dinâmico, pois as crianças tendem a nos levar a esses sentimentos/ações, portanto, nem sempre é assim, é aí que vem os problemas: falta de tempo para planejar, criar, ler, lazer, o que leva as vezes a um desgaste do profissional. (DIÁRIO DE CAMPO)62

A Professora auxiliar, como consta no PPP da instituição, mas que na realidade é oficialmente denominada auxiliar de sala, pois é considerada leiga pelos documentos oficiais, cursava Magistério – Séries Iniciais e Educação Infantil na modalidade presencial, no Instituto Estadual de Educação. É regida pelo Estatuto do Quadro Civil, função esta em extinção, de acordo com o previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação63.

Essa situação, em particular, vem mostrar que as mudanças não se dão por estarem escritas em documentos, são culturais e é nas relações que vão acontecer. O PPP, mesmo

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Este curso era oferecido pela Secretaria de Educação do Município de Florianópolis, em parceria com a Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC.

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Questionário aplicado no dia 20 de outubro de 2004.

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denominando a auxiliar professora, não consegue esconder o que nas relações se mostravam: havia sutilmente uma divisão de tarefas entre as duas profissionais e a divisão de tarefas supõe divisão de saberes, divisão de pessoas, divisão de relações, divisão de valores e de encaminhamentos, divisão de poder e, por fim, de remuneração.

A “observação participante”64 possibilitou perceber que a organização do tempo e espaço que poderia circunscrever as especificidades entre a professora e auxiliar de sala desse grupo apresentava-se de maneira mais tênue do que em outras experiências por nós conhecidas. Ou seja, as tarefas eram exercidas com alternância. Aquela prática em que somente o professor auxiliar era responsável pela parte da higiene, por exemplo, não acontecia nessa instituição. Por outro lado, pairava no ar um respeito hierárquico, fruto de experiências vividas por essa auxiliar, conforme seu depoimento:

Pesquisadora: Tu tem liberdade pra planejar ou programar alguma atividade com as crianças. Participas do planejamento?

Auxiliar: Eu já tive um trauma há muito tempo atrás com uma professora, porque ela... não sei, eu não sei por que.. com os pais eu era mais conhecida eles vinham sempre pra mim... e daí ela começou a dizer pras crianças que eu era a auxiliadora, auxiliadora, auxiliadora ... aí as crianças me chamavam de auxiliadora, me senti sem identidade...elas não sabiam mais o meu nome, o meu nome era auxiliadora... então eu tenho trauma e daí quando eu quero fazer alguma coisa eu me retraio ...agora vão pensar que eu to querendo tomar o lugar e eu não quero isso. [tempo] Às vezes eu quero fazer uma coisa, mais eu tenho medo. (DIÁRIO DE CAMPO)65

A professora e a auxiliar se queixaram dos poucos brinquedos e equipamentos do parque. Também criticaram a qualidade dos materiais, esclarecendo que geralmente vão para o parque os que já estão bastante danificados e se queixaram do descuido das crianças na manipulação deles durante as brincadeiras.

Nas ocasiões em que as crianças burlavam o estabelecido, ou seja, quando tentavam sair da sala de referência, ficavam no corredor ou entre a porta semi-aberta, a professora ou auxiliar as chamavam, tentando direcionar sua atenção para algo dentro da sala, fechando a porta e se justificando comigo: “Não dá... eles podem sair, ir para a rua, para outra sala...”.

Essa ambigüidade se mostrou presente novamente quando a professora e a auxiliar demonstraram explicitamente sua preocupação com a guarda e o cuidado, procuram que a criança esteja constantemente sob seu olhar, adequando os espaços a partir dos padrões adultos e ignorando, de uma certa forma, o jeito de ser e de estar no mundo da criança, da sua negação ao enquadramento, da sua negação à compartimentalização, tentando deixar sua

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No sentido utilizado por Dauster (1989)

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marca na instituição e marcar, ao mesmo tempo, a construção de espaços de maior sociabilidade, de autonomia, de busca por lugares de prazer, lugares de desafios, espaços emocionantes, onde, à sua própria maneira, relaciona-se com seus pares e com adultos, expandindo e construindo sua identidade no grupo. Isso não quer dizer que a professora e a auxiliar não consideram que a Educação Infantil envolve simultaneamente o educar e o cuidar, que o olhar do adulto terá influencia profunda na organização das vivências que acontecem no NEI, e que essa organização terá características que marcarão ou não sua identidade como instituição diferente da família.

As crenças, idéias, imagens e “teorias” (implícitas) que a professora e a auxiliar têm a respeito das crianças e de suas brincadeiras parecem ser fatores que orientam a maneira de elas trabalharem com as crianças. Essas teorias, que influenciam a forma como as professoras pensam e atuam junto às crianças, permanecem provavelmente inconscientes para as profissionais e estão associadas a paradigmas e conceitos científicos e pedagógicos historicamente construídos. Nesse sentido é que se faz necessária uma reflexão sobre os processos de formação, que, para serem realmente eficazes, devem estar subordinados a um conhecimento daquilo que as profissionais envolvidas nas instituições de Educação Infantil pensam e imaginam sobre o ser professora de crianças pequenas.