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Rotinas instituídas: cruzando e entrecruzando espaços e tempos de

3 O ESPAÇO E O TEMPO DO COTIDIANO VIVIDO

3.3 A formação social do NEI: estrutura e funcionamento

3.3.6 Rotinas instituídas: cruzando e entrecruzando espaços e tempos de

TEMPOS ESPAÇOS O QUE ACONTECE

7:00 -do pátio para a sala de referencia ou sala intermediaria

-entrada da auxiliar de sala e crianças -transição família/NEI -momento de espera da professora

-momento de reunião com crianças de outros grupos -atividades livres

8:00 -sala de referencia -da sala de espera para a sala de

referencia

-entrada professora e crianças -transição da sala intermediaria para a sala de

referencia 8:05

-sala de referencia: tapete, quadro, mesas, janela, em frente

ao espelho, porta, corredor

-áreas escolhidas pelas crianças -atividades livres

-brincadeiras individuais, em pequenos ou grandes grupos

8:30

- da sala para a cozinha

-nas mesas, centro da sala - da sala para a cozinha

-professora e/ou auxiliar de sala/e ou crianças buscam o lanche na cozinha

- momento da alimentação -devolução para cozinha dos utensílios

- limpeza, arrumação 9:00

- no tapete

- reunião coletiva com professora e auxiliar. - conversas, chamada, musica, historia, combinações

9:20

- nas mesas e ou no tapete

-atividades dirigidas e/ou apoiadas pela professora e auxiliar: desenho, pintura, recorte, colagem, jogos,

modelagem, teatro

9:50 - momento de arrumações

10:00

Da sala para o parque/pátio

- momento de transição Grupo IV/NEI - reunião coletiva com crianças de outros

grupos/outras idades

- brincadeiras livre em pequenos ou grades grupos ou individual

10:50 - arrumação coletiva

10:55 Do parque para a sala - momento de transição NEI/Grupo IV

11:00

- Da sala para o banheiro

- Da sala para a cozinha

- nas mesas na sala

- momento de transição Grupo IV/NEI - momento da higiene

- professora e/ou auxiliar e/ou crianças buscam o almoço na cozinha

- momento da alimentação

11:40

- da sala para a cozinha - na sala - na sala

- limpeza, arrumações - atividade livre - momento de espera pelos pais 12:00

- da sala para a casa - da sala para o pátio - da sala para o parque

- do pátio para casa - do parque para casa

- atividade livre - transição Grupo IV/família

- transição Grupo IV/NEI - transição Grupo IV/NEI - transição NEI/família - transição NEI/família - saída da professora

13:00 - saída da auxiliar de sala

FIGURA 5 – ROTINAS INSTITUCIONALIZADAS NO TEMPO/ESPAÇO DO GRUPPO IV

Essa organização acontece no decorrer das ações cotidianas e, pela sua repetição, tornam-se rotinas; o que se torna relevante ressaltar é que foi a que se apresentou como predominante na instituição pesquisada, mas, dependendo das ações das crianças, da

professora ou da auxiliar, ela muitas vezes se tornava mais flexível, os tempos eram ampliados ou diminuídos, como também eram modificada a ordem da ocupação dos espaços, como nos revela a professora:

Pesquisadora: Como você organiza a rotina de seu grupo?

Professora: No início do ano as crianças chegavam na sala acompanhadas de um adulto, geralmente a mãe para ajudá-la na adaptação, onde brincávamos na sala com jogos e brinquedos e logo íamos para o parque, pois havia crianças que ainda choravam e o contato com um local aberto parece que os aliviam , e também por ter sido planejado pelos profissionais a divisão dos horários.

Com a adaptação do grupo, podemos ficar mais na sala, pois pude perceber o aumento do interesse em ficar para brincar na sala. O horário do parque hoje é mais flexível, já utilizamos o segundo horário com as crianças maiores.

Pesquisadora: Geralmente a que horas você leva as crianças para o parque, e a que horas costuma entrar?

Professora: Este horário não é tão rígido, geralmente é da 9 às 10. Ultimamente temos ido mais das 10às 11. (DIÁRIO DE CAMPO)66

Segundo Ferreira (2000, p.135), a instituição de educação organizada em rotinas diárias nos permite compreender

[...] a sua articulação com a organização dos tempos globais da sociedade e a organização interna do contexto onde elas próprias decorrem, emerge um primeiro padrão temporal mais global que abrangendo as grandes divisões do dia, se define por transições sistemáticas entre o contexto familiar e o contexto da instituição.

A autora está se referindo aos tempos sociais que regulam o ciclo de vida humana – construção social das idades – e a esfera social mais alargada. Isto é, a criança sai de um contexto familiar privado e mais individualizado para um contexto coletivo público como o NEI, e em cada um desses contextos lhe são atribuídos papéis diferentes: na casa, o papel de filho, irmão ou irmã; no NEI, o papel de amigo de outras crianças e adultos. Essa interrupção do tempo da criança no espaço da família para um tempo de permanência longo na instituição, que, por sua vez, se articula com outros tempos da sociedade em que se insere, ela chama de “transição forte”. A “transição fraca” é a que se dá internamente dentro da instituição, segundo marcadores temporais que integram os tempos institucionais em tempos sociais mais amplos, como a hora das refeições: a hora do lanche, que ocorre logo após a chegada das crianças, e a hora do almoço, que ocorre no final da manhã, demarcando a proximidade do momento de ida para casa. Este último, assim como a hora do parque, que ocorre entre esses dois tempos, assinalam interrupções entre tempos de trabalho e tempos de lazer.

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Assim, quer as horas de entrada e de saída no JI, quer as das refeições, correspondendo as horas do inicio, do fim ou das interrupções das atividades produtivas na esfera publica do mercado e das Instituições, funcionam como mecanismo de socialização dos ritmos biológicos e sociais (FERREIRA, 2000. p.136) .

Isto é, a entrada e saída das crianças na instituição são determinadas externamente e regidas pelos tempos maiores da sociedade. Isso nos faz perceber o quanto o cotidiano do NEI está condicionado às estruturas sociais da sociedade, fazendo-as “acertar o passo” (Giddens, 1984).

Pesquisadora: Como você organiza a rotina de seu grupo?

Auxiliar de sala: O que é rotina é só o café da manhã e o almoço. Daí se tem alguma coisa pra fazer com as crianças independe do horário, porque não tem horário pré- fixado, nem para o parque..

Pesquisadora: O horário da entrada do primeiro lanche, que geralmente é 8h30, e o horário de saída do parque para o almoço, que é geralmente às 11horas?

Auxiliar de sala: - É, tem que voltar pra sala neste horário, isso não quer dizer que também não seja flexível. A gente fala com a merendeira e fala que vai chegar mais tarde pra almoçar, quando tivermos alguma coisa pra fazer... tem também os pais, temos que estar com as crianças prontas, pois eles tem pouco tempo para almoçar e voltar ao trabalho... é uma correria...

Pesquisadora: Considerando a maioria das vezes que aconteceu, geralmente a que horas as crianças saem para o parque?

Auxiliar de sala: Eu acho que deveria ter um tempo, mas não cortando as brincadeiras das crianças enquanto estão brincando, porque assim, a criança brinca, brinca, brinca, aqui, de repente ela está saturada deste espaço aqui, e ela volta pra sala, e daí a gente fica na sala e continua lá, mas um horário, um horário não, a criança tem que entrar no parque as 9 horas e 9h45 tem que ser tirada da brincadeira que tá brincando e tem que levá-la pra sala, porque é meu horário de ... acho que não, não é assim, é se a criança está envolvida... (DIÁRIO DE CAMPO)67

Esse relato vem confirmar o que constatamos na organização da rotina do Grupo IV. Ao mesmo tempo em que a auxiliar percebe que deve respeitar o ritmo e os interesses das crianças, ela se sente amarrada ao cumprimento de uma rotina e horários que são externos ao Grupo IV.

Numa sociedade em que as novas tecnologias formaram uma nova subjetividade, na qual a tecnicização cada vez mais embrutece os indivíduos, nós, adultos, tendemos a abreviar e compartimentalizar o tempo da criança, pois o homem de hoje não mais cultiva o que não pode ser abreviado e “ seu olhar não se desvia do relógio diante do qual desfila a procissão das criaturas” (BENJAMIN, 1999, p.110); tem unicamente como dimensão temporal uma cronologia linear, uma sucessão contínua de pontos homogêneos, pautados na racionalidade e numa lógica inexorável. Isso nos mostra por que é tão difícil para a professora e a auxiliar

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pensar uma outra forma de organização desses tempos/espaços tão marcados e marcadores dos tempos das crianças, por mais angustiante que seja para elas cumprir a cada dia uma rotina com determinantes externos ao Grupo IV, mas que é estabelecida e condicionada por rotinas de tempo internas ao funcionamento do NEI, que, por sua vez, tem sua organização regida pelo tempo maior da sociedade.