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HISTÓRIA CULTURAL DA EDUCAÇÃO FEMININA NA BAHIA DE OUTRORA: ENTRE REPRESENTAÇÕES, PRÁTICAS E APROPRIAÇÕES

2.2. A educação feminina na Bahia: entre representações, práticas e apropriações

2.2.1. Espaços para a escolarização feminina

No bojo das mudanças preconizadas pela necessidade de progresso e modernização da sociedade brasileira, vale ressaltar que a demanda pela escolarização feminina ganha maior importância. À mulher vincula-se a higienização da família, a boa conduta das futuras gerações e como diz Almeida (1998), “a beleza e bondade que deveriam impregnar a vida social”. Com efeito,

Um grande esforço teve que ser feito no sentido de enquadrar, por meio de normas, as condutas femininas, demarcar o "lugar da mulher" e definir claramente que tipo de mulher seria alvo do respeito social. Médicos, juristas, religiosos, professores e demais autoridades preocupados com a ordem pública alegavam questões de moralidade e uniam-se no coro das vozes hegemônicas a esse respeito. A imprensa como caixa de ressonância, dedicava-se a descrever os contornos da “mulher ideal” do novo século.

(PINSKY, 2012, p. 472).

Como observamos levou um longo período para que a inserção das mulheres nos processos formais de educação se realizasse. Além disso, este acesso ocorre lento e gradualmente, expresso não somente no número reduzido de escolas para meninas como também na dissimetria sexual da seleção dos saberes para formá-las. Contudo, para além desses fatores mais aparentes, é preciso não perder de vista que no cerne do direito de acesso das mulheres ao mundo das letras, estão as mudanças do tempo, os conflitos e demandas sociais, políticas e econômicas, mas, também, a permanência de um olhar que via a instrução feminina com desconfiança.

Diríamos, com base em algumas palavras de Simone de Beauvoir (1949, apud Perrot, 2003, p.21) que esses contornos da “mulher ideal” emergiram da construção sociocultural da

feminilidade alicerçada nas características de “contenção, discrição, doçura, passividade,

submissão (sempre dizer sim, jamais não), pudor, silêncio. Eis as virtudes cardeais da mulher”. Deste modo mais do que instruir o propósito seria educá-las. Afinal, a instrução é o acesso ao saber: tem alguma utilidade?

O século XIX responde que não para as meninas do povo e dá um sim reticente e bem dosado para as da alta sociedade. A educação, pelo contrário, que é a formação dos bons hábitos e produz boas esposas, mães e dona de casa, parece essencial. As virtudes femininas de submissão e silêncio, nos comportamentos e gestos cotidianos, são centrais nela. (PERROT, 2003, p.21).

Nada obstante, a entrada das mulheres na educação se deu atrelada ao crescimento da demanda pela alfabetização da população brasileira como foi estimulada pela necessidade de criação de escolas especializadas para a formação de professoras/es – as Escolas Normais - espaços escolares aos quais coube a formação especializada de homens e mulheres para o exercício da docência do ensino primário. De acordo com Nóvoa (1991, p.18) “as escolas normais estão na origem de uma verdadeira mutação sociológica do corpo docente: o ‘velho’ mestre-escola é substituído pelo ‘novo’ professor de instrução primária”.

Como parte da história da profissão docente, Araújo et al (2008) pontua que tais instituições podem ser pensadas em relação a essa discutida e discutível profissionalização. Assim “a construção desta profissionalização, em sentido moderno, já ultrapassa quinhentos anos. Historicamente, é uma profissão que passou pela regulação religiosa entre os séculos XV e XVIII, e a partir do século XIX tem sido dominantemente regulada pelo Estado”.

Grosso modo,

Ao largo dessa longa construção histórica, a busca por sua razão de ser, em sentido fundante, enveredou por ideologias, representações e utopias das mais diversificadas, passando, por exemplo, pelo exercício profissional docente vinculado concepcionalmente ao exercício do sacerdócio, pela defesa da educação pública como vantajosa em relação à educação doméstica, pela defesa da disciplina como central no processo da educação escolar, pela defesa da educação fundada na liberdade, pela necessidade da educação integral, pela sustentação da educação como reconstrução da experiência, etc. (ARAUJO et all, 2008, p. 13)

Nas conclusões de Leonor Tanuri (2000, p. 62), a origem dessas escolas aqui no Brasil procede de elos mantidos com o processo de institucionalização da instrução pública no mundo moderno, isto é, com a implementação de idéias liberais de secularização e extensão do ensino primário a todas as camadas da população. Mas, de fato, é com a adesão dos princípios da Revolução Francesa, que se consolida a idéia de uma escola normal a cargo do Estado destinada a formar professores leigos. Idéia essa que encontraria condições favoráveis no século XIX quando paralelamente à consolidação dos Estados Nacionais e à implantação dos sistemas públicos de ensino, multiplicaram-se as escolas normais.

A lei de 15 de outubro de 1827 já havia estabelecido critérios para selecionar professores/as, mas, a fundação dos primeiros espaços voltados para a formação de docentes no Brasil tem como marco o ano posterior ao Ato Adicional de 1834 com a criação da primeira Escola Normal no Rio de Janeiro (1835). A segunda foi na Bahia (1836), a terceira em Cuiabá (1842) e a quarta em São Paulo (1846). Estas Províncias/Estados dão inicio à

trajetória da escola de formação de professoras/es para a instrução primária no Brasil, e por outro lado, inauguraram um período de aberturas e de sucessivos fechamentos de algumas dessas escolas, os quais aconteceram à mercê da instabilidade política e econômica própria da fase oitocentista e das primeiras décadas do século XX.35

O nome da escola, inclusive, guarda elos com a Europa, em especial com a França. “Seguiu o modelo francês, inspirando-se em Joseph Lakanal, autor do projeto de 1793 da escola normal de Paris, que tinha essa denominação ligada ao latim norma, regra, porque deveria servir de tipo, de modelo, de regra ou norma para as demais que viessem a fundar”. (CASTANHO, 2007, p. 46).

Assim, a Bahia foi a segunda província a criar a sua Escola Normal através da Lei nº 37 de 14 de abril de 1836. Izabel Villela Costa (1988), na sua Dissertação de Mestrado, ao desenvolver uma investigação acerca da história da política governamental de formação de professores primários, com base no estudo da criação e instalação da Escola Normal baiana, no período de 1836 a 1862, destaca que a ação se deu no intuito de aparelhar-se para o exercício da autonomia concedida às Províncias pelo Ato Adicional de 1834 e de dar inicio à política baiana de oferta do ensino primário. Não obstante as dificuldades para a implantação das Escolas Normais de um modo geral, “não é sem fóros de veracidade que já se tem dito que das Províncias do Brasil, foi a Bahia que creou e manteve a primeira Escola Normal”. (FRANCA, 1936, p.3).

De fato, a Escola Normal da Bahia teve um funcionamento contínuo, porém, a sua implantação só ocorreu em 1842, segundo Costa (1988) motivada, em parte, pelas medidas estabelecidas na Lei de criação da escola quanto ao seu funcionamento. Sobre as possíveis explicações para este intervalo de seis anos entre criação e inicio das atividades do curso normal, falaremos no próximo capítulo. Além do exposto, a Lei que deu origem a escola fez menção à formação de professoras, no entanto, tal formação ficaria a cargo de um “curso especial”. Então, aqui se constitui o início da trajetória da formação das mulheres para o magistério baiano, mediante um espaço destinado exclusivamente para este fim.

Outros espaços foram criados para educar as meninas, principalmente, a partir do final do século XIX. Após a proclamação da República, no governo de Manoel Victorino Pereira,

35 Ver: ARAUJO, J. C. S.; FREITAS, A. G. B. (ORGS). As Escolas Normais no Brasil: do Império à

República. Campinas. SP: Alínea, 2008

Ver: ROCHA, Lúcia Maria da Franca. A Escola Normal na Província da Bahia. In. ARAUJO, J. C. S.; FREITAS, A. G. B. (ORGS). As Escolas Normais no Brasil: do Império à República. Campinas. SP: Alínea, 2008, p. 47-60.

emite-se o Ato de 31 de dezembro de 1889, cujo artigo 1°consagrava a liberdade à iniciativa privada para abrir e manter escolas do ensino primário e secundário no estado da Bahia. Assim, surgem outros espaços de escolarização feminina, sobretudo, para as meninas de classe média, a medida que colégios e educandários particulares ou equiparados aos cursos oficiais são implantados. Márcia Leite (1997) nos fornece informações a partir de uma análise profícua, da qual nos valeremos em alguns momentos.

Segundo a autora, alguns colégios em Salvador se especializaram na preparação exclusiva de meninas e moças oferecendo cursos infantis, primários e até secundários em regime de internato ou externato. Entre os dirigidos por professoras particulares e irmãs religiosas tiveram destaque os colégios Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora da Soledade, Nossa Senhora do Salete, Oito de Setembro, Educandário do Sagrado Coração de Jesus e o Instituto Feminino da Bahia.

Havia, também, o Instituto Maria Auxiliadora dirigido por Amélia Rodrigues, professora e fundadora da revista A Paladina, sobre a qual falaremos mais adiante. O Instituto foi instalado na Baixa do Bonfim e recebia alunas internas, semi-pensionistas e externas. 36

Outra opção para as meninas de famílias aquinhoadas foi o Educandário do Sagrado Coração de Jesus, fundado no início do século XX. Instituição de prestigio em Salvador- Bahia, cujo objetivo da formação oferecida às meninas consistia na educação moral, religiosa, física, intelectual e doméstica. Vale destacar, ainda, que este estabelecimento, além do seu objetivo principal, agregou às suas práticas a função de preparar as moças para os exames de admissão no curso do Instituto Normal até que o mesmo foi equiparado ao Instituto Normal da Bahia em 19 de agosto de 1909 com o decreto de n° 613.

Esses estabelecimentos desfrutavam de grande prestígio e representavam para as famílias das jovens um espaço próprio e seguro para a sua formação. A reclusão sob vigilância e a educação oferecida asseguravam às famílias a aquisição de mulheres que dispunham de princípios conforme o padrão desejado. Elizete Passos (1995, p. 232), dá noticias sobre o Colégio Nossa Senhora das Mercês, este além de exigir polidez e aplicação nos estudos determinava hábitos e normas de comportamento para as educandas. Vejamos algumas:

Não trazer para o colégio, sem licença das mestras, livros, romances, jornais, revistas, partituras musicais etc.; Não receber das externas nem por elas

36 Na Revista A Paladina do Lar, Bahia, anno II, n ° 3, mar. 1911, traz na contracapa uma propaganda do colégio constando tais informações.

mandar recados, cartas, bilhetes etc. sem licença da Mestra de Divisão; As alunas não atendem ao telefone; Não se retirar do colégio, sob qualquer pretexto, sem a devida licença. Não usar termos ambíguos, palavras livres ou conversas e escritos contra a fé ou contra a moral. (PASSOS, 1995, p. 232).

O Colégio das Mercês foi implantado no ano de 1897, oferecendo cursos em regime de externato e internato, sob a orientação de freiras Ursulinas de origem francesa que chegaram à Bahia em 1895 com o objetivo de revitalizar o Convento Nossa Senhora das Mercês. Dois anos mais tarde inicia-se a ação do Convento no campo da educação formal, oferecendo cursos primário, ginasial e secundário (este só veio a funcionar em 1926). No que tange ao ensino primário, ensinavam Leitura, Escrita, Caligrafia, Contabilidade, Gramática, Francês, Noções de Geografia, História Sagrada, Catecismo e Prendas domésticas. Os cursos eram freqüentados por moças das camadas economicamente privilegiadas de Salvador e do Recôncavo Baiano. Para as meninas das camadas populares funcionava a escola Santa Ângela, anexa ao colégio, fundada em 1899 com fins assistencialistas. (Ibid., 1995).

Quanto ao curso secundário público feminino, segundo dados levantados por Sara Dick (2001, 2007), referente à sua origem e implantação, tal fato ocorreu ainda no século XIX, mais precisamente, em 1883, anos após o funcionamento do ensino público secundário masculino já instalado desde 1836. O curso iniciou as suas atividades contando com o auxilio de senhoras da sociedade baiana que exerceram a docência neste estabelecimento voluntariamente. A implantação do curso se deu sob condições passiveis de criticas, indicando, como diz a autora, a instabilidade política vivida na província do final do século XIX, responsável, em grande parte, pelas condições adversas da educação secundária pública feminina e pela expansão de instituições particulares de ensino.

No que diz respeito ao contexto da criação desse curso para as mulheres, a autora pontua que tal intencionalidade “não se resumia simplesmente na generosidade do Diretor Geral e dos demais legisladores. Por trás desta suposta conscientização verificamos, com o acompanhamento de fontes primárias e secundárias, o caráter ideológico que perpassa o referido ensino”. E continua apresentando algumas ressalvas sobre o assunto dizendo que:

As últimas décadas do século XIX apontam para a necessidade de educação da mulher, vinculando-a à modernização da sociedade, à higienização da família e à construção da cidadania dos jovens. A preocupação em afastar do conceito de trabalho toda degradação que lhe era associada por causa da escravidão e em vinculá-lo à ordem e progresso levou os condutores da sociedade a arregimentar as mulheres das camadas populares. Nesse contexto, em 1883, é implantado o primeiro curso secundário público feminino na Bahia, confirmando um estatuto marcado pelas prendas

domésticas e legitimado por uma política influenciada pelos ideais positivistas. É neste contexto que o curso foi aberto no dia 1º de maio de 1883, havendo 12 professoras lecionando gratuitamente para 39 alunas matriculadas. (DICK, 2007, p.21). 37

Deste modo, o ensino secundário público, nível que antecedia o superior, caracterizou- se como um ensino predominantemente masculino.Márcia Leite (1997, p. 88), fornece alguns dados elaborados por Gelasio de Abreu Farias e Francisco da Conceição Menezes(1937),38 sobre o número de matrículas no ensino secundário a partir da criação do Ginásio da Bahia, que passou a abrigar o curso sob a determinação da Lei n. 117 de 24 de Agosto de 1895. Através desses dados, observamos que a matrícula de mulheres no Ginásio da Bahia chega a ser inexiste de 1896 a 1899. E de 1900 - quando apresenta apenas 4(1,7%) matriculas femininas para 233(98,3%) matrículas do sexo masculino - até 1930 com 682 (79%) matrículas de homens para 181(21%) de mulheres- se mantém inferior por todo o período da chamada Primeira República. Por outro lado, observa-se que o número de mulheres no quadro de alunos se eleva um pouco mais a partir de 1920, dois anos após a instituição da cadeira de pedagogia que sob a lei n° 1.293 de 1918 permitia às bacharelas o exercício do magistério. Talvez este dado possa ser considerado como parte da explicação para o aumento do número de matrículas femininas neste curso.

Outra questão que emerge da história da educação no Brasil é a inserção no nível superior. Inútil dizer que este nível de ensino por muito tempo foi ocupado por homens oriundos de famílias abastadas. Segundo Katia Mattoso (1992, p. 204), em 1808 foi fundada a Faculdade de Medicina da Bahia, a primeira do Brasil e em 1877 a Escola Superior de Agricultura e a Academia de Belas-Artes. Em 1891 foi criada a Faculdade de Direito e a Escola Politécnica em 1895.

Ainda citando Márcia Leite (1997, p. 89-90), vale ressaltar que mesmo com a abertura das instituições de nível superior no país às mulheres a partir de 1879, não foi sem

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Para saber mais sobre a origem e implantação do ensino secundário público masculino e feminino ver: DICK, Sara Martha. O Ensino Feminino na Bahia e as Políticas Públicas (1883-1930). In. MACEDO, Roberto Sidnei(et al.). Educação, tradição e contemporaneidade: tessituras pertinentes num contexto de pesquisa educacional. Salvador: EDUFBA, 2007, p. 15-33.

DICK, Sara Martha. A Origem da Política Pública do Ensino Secundário na Bahia : o liceu provincial, 1836-1862. Dissertação de mestrado, Salvador, Mestrado em Educação/UFBa, 1992.

DICK, Sara Martha. As Políticas Públicas para o ensino Secundário na Bahia no Século XIX- O Liceu

Provincial. 1860 a 1890. Salvador. 2001. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Universidade Federal da

Bahia;

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Gelasio de Abreu Farias & Francisco da Conceição Menezes. Memoria historica do ensino secundario

dificuldades que as pioneiras baianas enfrentaram o curso superior em Salvador. Segundo a autora, a faculdade de Medicina “continuava a matricular majoritariamente os jovens recém saídos dos cursos secundários e, em termos comparativos, podemos observar que, no espaço de sessenta anos, para um conjunto de 3.979 homens, apenas 117 mulheres se diplomaram”. 39

Sem falar no famigerado curso de Direito, “onde só no ano de 1911 diplomou-se uma mulher bacharel, Marietta Guimarães”. (Ibid. p. 93).

O quadro abaixo fornece dados sobre o lento processo de inserção das mulheres em algumas profissões. É evidente a predominância feminina no Magistério, fato que já se processava entre final do século XIX e início do século XX. Nesta época a feminização, não somente identificada no exercício da profissão como no número de matriculas do curso normal, configurava-se como uma realidade em diversos províncias/estados, inclusive, na Bahia.

PROFISSÕES LIBERAIS EM SALVADOR. 1920

Especificações Mulher Homem

Quant. % Quant. % Religiosas 145 6,5 219 5,9 Judiciárias 4 0,2 568 15,4 Médicas* 229 10,2 942 25,5 Magistério 1644 73,3 372 10,1 Ciências, Letras e Artes 220 9,8 1589 43,1 TOTAL 2242 100 3690 100

Fonte IBGE - Censo de 1920. Citado por LEITE, Marcia M. da S. B. Educação, Cultura e Lazer das Mulheres de Elite em Salvador (1890-1930). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1997, p. 94.

*Aí incluídos cirurgiões, farmacêuticos e parteiras.

Portanto, ainda que as mulheres desejassem mais do que educar-se para os papéis a elas atribuídos naquela época, os caminhos para uma instrução escolar/ profissional apresentava-se apenas delineado e bastante restrito, em especial para as jovens de poucos recursos. Além da desigualdade presente na oferta da educação conforme critérios de classificação social e econômica havia, também, a divisão sexista, agravada com o impedimento da co-educação, que dificultava o acesso das mulheres a outros níveis de ensino para além do primário e do curso normal.

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Uma das pioneiras no exercício profissional da prática médica na sociedade baiana, Francisca Praguer Fróes. Foi a quinta mulher a se diplomar na escola de Salvador. Diplomou-se em 1893. Para saber mais: RAGO, Elisabeth Juliska. Outras falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931). São Paulo, Annablume/Fapesp, 2007.

Ora, à revelia dos debates que situavam a necessidade de escolarizar a grande massa de analfabetos40, as iniciativas seguiram a estrutura política verticalizada priorizando os níveis de ensino formadores das elites condutoras do país. Embora a desagregação do governo Imperial e o advento do regime republicano representassem um movimento de idéias democráticas e federalistas, o novo regime assume a forma de um Estado oligárquico, submetido à lógica dos interesses dos grupos dominantes das regiões de hegemonia econômica e política, alcançada pelo cultivo e exportação do café e através da “política dos governadores”. Assim, a organização e implantação da instrução pública no país foram marcadas por disparidades entre os estados, dado até mesmo a conservação da descentralização do Ato de 1834 na Constituição de 1891.

Os primeiros anos da República mantêm e até aprofundam a dualidade que deixava aos Estados o encargo de prover o ensino primário e profissionalizante, dirigido à população pobre, e reservava ao governo federal a educação da classe dominante, isto é, o ensino secundário e superior. Verifica-se, então, a pouca atenção dada à instrução primária e a permanência de um sistema educacional elitista. Conforme Fernando de Azevedo:

É, como se vê, a anarquia que se estabeleceu no ensino do país, com essas descentralizações que, além de reduzirem as possibilidades de um sistema de educação nacional, deixavam a mercê das políticas nacionais e orçamentos locais a educação primária que reside à base de toda organização democrática do ensino. A Constituição (...), quebrou a unidade do ensino público e anarquizou-o, por subordiná-lo a interferências diversas e contingências, dependentes até da situação econômica das diversas circunscrições da República (AZEVEDO, 1976, p.119).

Com efeito, a insuficiência de recursos aliada à má administração dos governantes revelaram um período fértil em Leis, mas, desprovido de escolas que atendessem, de fato, as demandas da democratização da educação primária para as camadas populares da Bahia. Não foram poucas as dificuldades que perpassaram a oferta deste nível de ensino para o povo. Apesar da criação de escolas, as matriculas não correspondiam ao número da população em idade escolar assim como alunos e professoras/es sofriam com a carência extrema de prédios escolares, mobília escolar, materiais de ensino. Muitos Relatórios foram expedidos por Inspetores dos diversos distritos escolares apresentando suas impressões ao realizar as visitas nas escolas. O Inspetor Aloysio Lopes do 4º distrito assim dizia:

Não sei como se póde leccionar com prazer intimo e interesse crescente, sem hygiene na casa, sem mobília, sem compêndios, sem lousas para o

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Segundo Vieira e Farias (2003, p. 67), o período Imperial termina e apenas 10% tinham acesso à escola. Ver: VIEIRA, Sofia Lerche; FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Política educacional no Brasil: introdução