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SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES BAIANAS PARA PROFESSORAS NA VIRAGEM DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO

3.2. Mulheres baianas, religião e educação

Entre as décadas de 1910-1920 inicia-se na Bahia um movimento feminino imbuído de idéias “modernizantes” que discutia a inserção da mulher no espaço público, na vida política e produtiva da sociedade. Segundo Elizete Passos (1993), havia dois tipos de feminismo, o revolucionário que pleiteava a igualdade entre os sexos, e outro, um feminismo elitista e conservador, portanto, mais aceito e difundido. Esta autora afirma “que o feminismo conservador seguia a doutrina cristã e defendia o espaço doméstico para as mulheres como a subordinação destas ao homem”(Ibid,p.18). Ora, com o rompimento entre Estado e Igreja, esta apoiará este movimento e fará dessas mulheres um instrumento de comunicação das suas normas e valores na sociedade.

É assim que, a partir de 1910, dentre os periódicos que circulavam na Bahia, surge A

Paladina sob o incentivo e apoio da Igreja. Segundo Aline Paim de Oliveira (2000),

O titulo da revista provavelmente foi uma criação das redatoras. [...] o substantivo masculino paladino é o nome com que se designavam os principais cavaleiros que acompanhavam Carlos Magno à guerra das Cruzadas e, no sentido figurado, significa homem intrépido e 'cavaleiroso'. Esses cavaleiros lutavam pela Igreja católica na Idade Média, procurando levar o cristianismo a todos os territórios e expulsar os infiéis da Terra Santa, quase sempre utilizando a força para alcançar seus objetivos. Essas lutas pela retomada do cristianismo duraram os séculos XI, XII e XIII e envolveram muitos cristãos nestas batalhas. (OLIVEIRA, 2000, p. 27).

A Liga Católica das Senhoras baianas foi uma entidade que deu origem à Revista e da qual faziam parte a maioria das colaboradoras. Esta Revista teve a ilustre educadora Amélia Rodrigues como a primeira diretora e Maria Luiza de Souza Alves como vice. Na contracapa da Revista elas informam o objetivo da sua existência: “A Paladina, revista fundada especialmente para propagar idéas moralisadoras e conhecimentos úteis, será por isso de grande auxilio às mães de família na tarefa de educar os filhos”. Ambas exerceram o magistério na Bahia e estenderam a sua atuação como educadoras através dos seus escritos na imprensa periódica. Encontramos na Revista Bahia Ilustrada, notas elogiando as referidas professoras.

Amélia Rodrigues: Fale desta sacerdotisa da instrução primaria a propria Bahia Illustada, que a conhece de sobejo. Que primor de mestra, e que distincção de escriptora! D. Amelia Rodrigues na Bahia, é uma escriptora brilhantissima e fecunda, de raros dons de observação, agudeza e penetração analytica. Seus artigos literarios evidenciados na imprensa indigena, preciosos todos elles, dão para substanciosos volumes. Inspiração fulgurante; alliada á mais primorosa fórma, estylo sobrio efascinador...

Maria Luiza de Souza Alves nesta uma montanha de conhecimentos parece ter-se escondido na estatura reduzida de crença. Um velho professor, distincto e sabio mestre no ensino secundario, dissera-me della uma feita: - é talvez a mais competente das educadoras bahianas. Quem a não conhce, por ahi a fora, como emerita traductora de livros religiosos, historicos, instructivos?... (LIMA, 1918, p.3).

Observamos, também, que a igreja estava atenta às mudanças que ocorriam na sociedade e buscavam divulgar as prescrições religiosas, pois "somente com uma instrucção religiosa verdadeiramente solida, pode a mulher tomar na família o logar que lhe pertence e exercer a influencia salutar que as necessidades actuaes da sociedade reclamam d'ella".47 Os escritos femininos na Revista expressavam apropriações condizentes com as representações construídas sobre o sexo feminino ao longo do tempo. As palavras da professora e escritora Maria Luiza de Souza Alves dão evidências da sua apropriação acerca das mentalidades fundamentadas em argumentos biológicos e essencialistas:

Basta considerar, ainda que rapidamente os predicados physicos, intellectuaes e moraes que predominam em um e outro sexo, para chegar á conclusão que seu destino é a mutua dependencia. Dispõe o homem de intelligencia mais robusta, mais precisa, capaz de maior applicação; é dotoda de raciocínio mais seguro, de espirito de observação e creação mais pronunciados, ao passo que a mulher possue mais aguda penetração, imaginação mais fecunda, faculdade mais intensa de amar e sacrificar-se. (ALVES, 1911, n. 3, p.8).

Em outro artigo a referida professora expõe o seu pensamento acerca da instrução feminina. Maria Luiza de Souza Alves defende a importância de uma formação para a mulher mais educativa do que instrutiva:

A poucos dias, em nossa bella cidade do Salvadior, tivemos a honra de affectuar o 3º congresso de instrucção primaria e secundaria. Grandioso tentamen, realmente, que muito glorifica o nosso paiz, é tratar do levantamento do níve da instrucção popoular, (...) Instruir é util e necessario, porem mais util e mais necessario ainda é educar, disciplinar a natureza, corrigir-lhe os maus instinctos, depositando e desenvolvendo no coração todos os germens da virtude, que invulneraveis nos torna aos contratempos da vida. (...) Relativamente às meninas, embora com algumas sensiveis modificações, a instrucção que não for orientada pela educação moral e religiosa ha de, imprescindivelmente, produzir lastimosas consequencias. (ALVES, 1911, n. 8, p.213-216).

Por outro lado, a professora Cordula Spinola (1913), mais uma escritora da Revista, em sua Tese apresentada ao terceiro Congresso Brasileiro de Instrução primária e secundária discutia o problema do ensino profissional no país e, em especial, a educação da feminina. Para esta professora este nível de ensino deveria ter grande circulação no Brasil, pois, neste ponto o país estava atrasado em relação às nações do velho mundo, assim se expressava. Considerava, portanto, que se fazia necessário e importante o ensino profissional a nível médio para as mulheres, independente do nível social a que pertenciam. Ela ainda explicava que o referido ensino abrangia "tudo o que a mulher, perfeitamente educada, deve conhecer nas letras, nas artes, nos officios, não só para ter o caracter de mulher instruída, como para achar, em seus proprios recursos educativos, um meio facil de subsistencia".

Assim, na memória apresentada por essa professora ela pleiteava "a abertura de escolas profissionaes, onde a educação marche de accordo com as exigencias da sociedade actual". A professora afirmava ainda que a degradação moral da mulher, bem como a sua falta de autonomia na sociedade, procediam da falta de mais acesso à instrução profissional, já que “a mulher no Brasil, embora bem instruída, é quase sempre rica de theorias e pauperrima na pratica do trabalho da vida”.

De forma breve expomos alguns indícios de formas de apropriações de mulheres que, inclusive, exerceram o magistério primário, acerca do seu papel na sociedade e da educação/instrução que deveriam ter. Encontramos em Cordula Spinola o desejo e a defesa por maior acesso ao saber e por uma formação profissional como meio de emancipação feminina. Maria Luiza de Souza Alves, uma mulher à frente ao seu tempo, porém, a sua

associação aos ideais do feminismo conservador se mostrava claras. As palavras desta professora expressavam os fundamentos dos postulados científicos que estabeleceram a existência de uma identidade feminina e uma identidade masculina diferenciadas, particularmente, no século XIX e no mundo ocidental que, por muito tempo, foram utilizados para justificar as desigualdades entre os sexos. Com base nesse pensamento foram constituídos saberes para educar mulheres e homens ao longo do tempo como nortearam a sua formação escolar/profissional entre ambos de forma desigual.

Com efeito, o acesso das mulheres ao saber, ainda que permitido, deveria ser regrado, de forma que não alterasse o quadro das posições e papéis atribuídos às mulheres e homens naquela época. Ligadas a esse propósito, estavam as exigências para a admissão das mulheres na Escola Normal da Bahia desde a sua origem e os saberes oferecidos a elas durante a sua formação para professoras. O ensino de prendas domésticas e o interdito a outros conteúdos ilustram essas mentalidades.

Diante do caminho percorrido até aqui, observamos que nos anos relativos ao recorte temporal deste estudo, a urbanização permitiu, paulatinamente, a saída das mulheres dos limites do mundo privado, mas, a sociedade burguesa exigiu delas comportamentos morais frente ao papel que desempenhariam na família, com a educação dos filhos e no apoio ao marido. Assim, “a incipiente república que se delineava no final do século apresentava ao imaginário social uma figura de mulher inspirada na filosofia comteana, a mulher-mãe com qualidades altruístas, a fêmea humana, bondosa, redentora” (ALMEIDA, 1998, p.115).

As famílias tornaram-se alvo dos ideais republicanos, afinal a elas caberia a educação dos novos cidadãos. Deste modo, à educação familiar, centrada na figura feminina, era destinada a formação de bons filhos para a nação e ao pai caberia o papel de prover a família. No processo de exclusão da mulher do direito à cidadania e emancipação perpassa a sua inclusão na esfera doméstica como formadora dos seus lares e responsáveis pelo futuro da pátria, portanto, subordinadas não somente aos maridos como aos deveres que deveriam cumprir perante o Estado-Nação. Ai se encontram os fundamentos dos saberes veiculados na formação das mulheres para a magistério a cargo da Escola Normal da Bahia.Não há palavras

que traduzam melhor a apropriação desses saberes pelas normalistas do que a delas próprias. Vejamos o que diz Regina de Almeida Soares em seu discurso proferido no ato solene de formatura pela Escola Normal da Bahia em 1893.