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A Escola Normal da Bahia: saberes veiculados na formação das mulheres para o magistério (1890 - 1914)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DÉBORA MAGALI MIRANDA VIEIRA

A ESCOLA NORMAL DA BAHIA:

SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O MAGISTÉRIO

(1890 - 1914)

Salvador

2013

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DÉBORA MAGALI MIRANDA VIEIRA

A ESCOLA NORMAL DA BAHIA:

SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O MAGISTÉRIO

(1890 - 1914)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Sara Martha Dick.

Salvador

2013

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DÉBORA MAGALI MIRANDA VIEIRA

A ESCOLA NORMAL DA BAHIA:

SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O MAGISTÉRIO

(1890 - 1914)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação.

Aprovada em 08 de agosto de 2013.

Banca Examinadora

Profª. Drª. Sara Martha Dick – Orientadora______________________________________ Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Profª. Drª. Jane Soares de Almeida____________________________________________ Doutora em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP)

Profª. Drª. Lucia Maria da Franca Rocha________________________________________ Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC –SP)

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Dedicatória

*A duas mulheres importantes para a minha vida: - A primeira, referência eterna no meu processo de tornar-me mulher. Com sua simplicidade, honestidade e amabilidade ensinou-me a respeitar e amar o próximo.

Edleuza: minha mãe, meu amor, minha vida.

- A segunda, referência no meu processo de tornar-me mulher, amiga e professora.

Sara Dick: querida amiga, querida mestra.

*Ao homem, com quem compartilho os altos e baixos da vida.

- Com amor, compreensão, companheirismo e, sobretudo, bom humor sempre me leva a sorrir quando tenho vontade de chorar.

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AGRADECIMENTOS

Neste percurso, tenho tantas coisas para agradecer a tantas pessoas, mas, como o espaço não permite um inventário, farei algumas breves considerações e deixarei a cargo do tempo os (re) encontros.

Agradeço a professora Sara Martha Dick, orientadora há alguns anos, por toda confiança depositada em meu trabalho, esperando-o, pacientemente, mesmo quando os resultados demoravam a chegar. Nunca cansarei de agradecer por todo carinho que sempre expressou por mim.

A Professora Lucia Maria da Franca Rocha, por todos os momentos de saberes partilhados desde a minha graduação. Participou da banca da minha monografia e mais uma vez tenho a honra de recebê-la na banca de mestrado. Por outro lado, não posso de deixar de agradecer a compreensão, principalmente, durante o processo de finalização deste trabalho.

A Professora Jane Soares de Almeida, não somente, por ter aceitado o convite para participar da banca de avaliação deste trabalho, mas, agradeço imensamente por toda a compreensão e paciência durante o processo de postergação.

A CAPES, pelo período de bolsa concedida a partir do segundo ano de Mestrado.

As colegas do Grupo de Educação: História, Trabalho e Sociedade, pelas contribuições durante as nossas reuniões de estudo.

Jaci, Cidi, Lú, Chelle, Si, Dani, Iomar, Mari – queridas pedagogas pela parceria e torcida de sempre.

Agradeço a Andréa pelos momentos de escuta das minhas angustias e de diálogos descontraídos.

Ao Grupo de Pesquisa em Educação e Currículo – GPEC, pelos momentos de descoberta e exploração de outros acervos históricos em Salvador.

A Escola de Teatro Vánacontramão e, em especial, a Confraria Vánacontramão da qual faço parte, por todos os nossos momentos de alegria e de apoio mútuo no enfrentamento dos nossos limites como nas descobertas e desenvolvimento das nossas potencialidades. Agradeço também, a pequena Lara, a nossa mascote, por todo o sentimento que invade o meu coração em todas as vezes que ela diz “Eu te amo Débora”.

Não posso deixar de agradecer ao meu esposo Cristiano pelo carinho, amor, compreensão e incentivo.

Aos meus irmãos (Márcio e Marcelo), a minha sobrinha Flora (minha Flor), ao meu sobrinho Fernando (gato da tia) para os quais reservo um lugar todo especial no meu coração.

A minha Mãe, por esta vida e por todo o amor reservado para mim.

E a todas/os que direta ou indiretamente contribuíram para a construção e conclusão deste projeto.

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"Quem viaja larga muita coisa na estrada. Além do que larga na partida, larga na travessia. À medida que caminha, despoja-se. Quanto mais descortina o novo, desconhecido, exótico ou surpreendente, mas liberta-se de si, do seu passado, do seu modo de ser, hábitos, vícios, convicções, certeza. Pode abrir-se cada vez mais para o desconhecido, à medida que mergulha no desconhecido. No limite, o viajante

despoja-se, liberta-se e abre-se, como no alvorecer: caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar"

(Octávio Ianni, 2000)

"De todas as coisas que descobri, a que mais quisera não perder é a alegria do conhecimento"

(Nietzche, Epistolário)

"Ninguém nasce mulher; torna-se mulher" (Simone Beauvoir, 1980)

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VIEIRA, Débora Magali Miranda. A ESCOLA NORMAL DA BAHIA: SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES PARA O MAGISTÉRIO (1890 - 1914) Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar o processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das mulheres para o magistério pela da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914. Tendo em vista os ideais republicanos que para a sua realização dependia de um povo instruído, assim como, a recusa à co-educação e a consequente presença crescente das mulheres no curso normal num período de obrigatoriedade do ensino primário, inclusive, para as meninas, a pesquisa norteia-se pela seguinte questão: Qual o processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das mulheres para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914? A questão central e os objetivos traçados na pesquisa nos levaram a caminhar à sombra das contribuições advindas das transformações na historiografia brasileira onde buscamos nos aproximar dos elos que dão sentido à relação entre as perspectivas da História das Mulheres (com ênfase nos estudos de gênero), da História Cultural e da História da Educação. A análise partiu basicamente de fontes primárias como Leis, Resoluções e Regulamentos, Relatórios da Diretoria da Instrução Pública, Periódicos e da Bibliografia disponível.

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VIEIRA, Débora Magali Miranda. NORMAL SCHOOL OF BAHIA: KNOWLEDGE

CONVEYED IN TRAINING WOMEN FOR TEACHING (1890 - 1914). Dissertation

(Master) - Faculty of Education, Federal University of Bahia, Salvador, 2013.

ABSTRACT

The present study aims to analyze the historical process of formation of the body of knowledge specific to the training of women as teachers in charge of the Normal School of Bahia in the period 1890-1914. Given that Republican ideals for their achievement depended on an educated, as well as the refusal to co-education and the consequent increasing presence of women in the normal course over a period of compulsory primary education, including for girls, research is guided by the following question: What is the historical context of the body of knowledge specific to the training of women as teachers in charge of the Normal School of Bahia in the period 1890-1914? The central question and the objectives outlined in the research led us to walk in the shadow of the contributions of the changes in Brazilian historiography where we seek to approach the links that give meaning to the relationship between the perspectives of Women's History (with emphasis on gender studies), Cultural History and the History of Education. The analysis was mainly from primary sources such Laws, Resolutions and Regulations, Reports of the Board of Public Instruction, Journals and Bibliography available.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Em viagem para a construção do objeto de investigação 11

INTRODUÇÃO

1. Caminhando à sombra rumo ao objeto de investigação 14

1.1. Caminhando à Sombra: tessitura teórico-metodológica 18

1.2. Procedimentos Metodológicos 19

2. Estruturação da Apresentação dos Resultados da Pesquisa 19

CAPÍTULO 1

POR UMA HISTÓRIA DAS MULHERES BAIANAS: O DESEJO

DE UM OUTRO RELATO, DE UMA OUTRA HISTÓRIA 21

1.1. História das Mulheres: rompendo com o silêncio dos relatos 27

1.1.1. História das Mulheres no Brasil: algumas aproximações 29

1.1.2. “Não somente uma nova história das mulheres, mas uma nova história” 33

1.2. Gênero: uma categoria útil de análise para a história cultural da educação

feminina 37

CAPÍTULO 2

HISTÓRIA CULTURAL DA EDUCAÇÃO FEMININA NA BAHIA DE OUTRORA: ENTRE REPRESENTAÇÕES, PRÁTICAS E APROPRIAÇÕES

43

2.1. Representações do feminino: uma breve história 44

2.2. A educação feminina na Bahia: entre representações, práticas e

apropriações 57

2.2.1. Espaços para a escolarização feminina 64

CAPÍTULO 3

SABERES VEICULADOS NA FORMAÇÃO DAS MULHERES BAIANAS: AS PROFESSORAS NA VIRAGEM DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX

73

3.1. Primeiros tempos da Escola Normal da Bahia: um espaço que se feminiza 74

3.1.1. Entre Escola e Instituto: (re) formar para quê? 94

3.2. Mulheres baianas, religião e educação 106

3.3. Fragmentos de significação: “(...) os nossos mais bellos ideaies” 111

CONSIDERAÇÕES FINAIS 115

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APRESENTAÇÃO

Em viagem para a construção do objeto de investigação

“Sem sair do lugar, pode-se viajar longe, no tempo e no espaço, na memória e na história, no pretérito e no futuro, na realidade e na utopia”. (IANNI, 2003, p.29).

Consideramos a afirmação de Octávio Ianni, na epígrafe acima, oportuna para apresentar nosso estudo. Acreditamos que em nossos passos na prática de pesquisa e até mesmo no ato de pensar, a viagem está sempre presente, seja como uma realidade ou metáfora. Ela aparece como um guia nas escolhas que fazemos e nas travessias que realizamos.

E quando se trata de um estudo histórico a analogia com a viagem advém do processo de deslocamento que o objeto de pesquisa sugere. Paradoxalmente, desloca-se sem sair do lugar, mas, projetando-se para um passado que buscamos nos aproximar e sobre ele realizar descobertas, reflexões e aprendizados.

É nesse sentido que nos lançamos numa viagem quando nos propomos a buscar vestígios de uma época remota e de sujeitos, alguns presentes nos relatos históricos outros excluídos desses relatos. Desejamos com isso viajar no presente estudo que teve como objetivo analisar o processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das mulheres para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914.

Na verdade, o interesse em realizar tal estudo decorre dos primeiros passos em pesquisas na área da História da Educação durante a minha formação para Pedagoga. O ponto de partida desta viagem que agora nos propomos a realizar foi quando em 2006, eu e a Professora Sara Martha Dick começamos a estudar sobre as Políticas Públicas para Formação de Professores na Bahia durante a Primeira República (1889-1930).1

1

Em 2006 e 2007, como voluntária do Grupo de História das Políticas Educacionais, sob a orientação da Professora Sara Martha Dick, comecei a desenvolver um estudo sobre as Políticas Públicas para Formação de Professores na Bahia durante a Primeira República (1889-1930). Diante dos resultados deste trabalho e como desdobramento do mesmo sentimos a necessidade de recuar no tempo e analisar o Processo Histórico de

Feminização do Magistério baiano, entre 1873 a 1895. Tal pesquisa foi realizada entre 2007-2008 com o apoio

(12)

Essa experiência como bolsista de iniciação cientifica foi oportuna para que o processo histórico de inserção das mulheres no curso de formação para professoras primárias, ou seja, no curso oferecido pela Escola Normal da Bahia tornasse uma problemática de estudo2. Fomos, aos poucos, nos deparando com os relatos desta história, até então, desconhecidos por mim, o que me inquietava na condição de mulher e futura professora.

Diante da minha trajetória lembro-me das palavras de Ianni (2003, p.13), de que em viagens “são muitos os que buscam o desconhecido, a experiência insuspeitada, a surpresa da novidade, a tensão escondida nas outras formas de ser, agir, realizar, lutar, pensar ou imaginar”. Ora, descortinar esta história sobre a qual pouco sabia passou a impulsionar as minhas buscas.

Quando resolvemos desenvolver a pesquisa sobre o Processo Histórico de Feminização do Magistério baiano, entre 1873 a 1895, parte das motivações em realizá-la proveio do meu “olhar interessado” para as informações que indicavam como as mulheres se tornaram maioria no curso normal, sobre as diferenças de gênero na oferta deste curso, bem como, sobre a relação entre a condição feminina e o destino social das mulheres daquela época.

Além desses, outros temas foram emergindo à medida que explorávamos e cotejávamos as fontes oficiais com a literatura. Porém, as leituras que se mostraram necessárias de estudos que desenvolvem uma analogia entre gênero e educação no campo da História da Educação, --ao discutirem temas como o processo histórico de formação escolar/profissional das mulheres para o magistério, as circunstâncias que levaram a feminização da profissão e os fatores decorrentes desse processo - aguçaram a minha percepção para elementos que envolveram a trama de relações e de contradições da história da formação das mulheres para professoras. Com efeito, realizei a monografia de conclusão do curso de graduação em Pedagogia sobre as condições em que foi concebido o processo de feminização do curso normal baiano, no período de 1873 a 1895.3

Diante das contribuições da banca de avaliação da monografia referente a alguns pontos do trabalho, surgiram outros caminhos possíveis para pesquisas posteriores. Foi aí que em 2009 ao cursar uma Especialização em Metodologia do Ensino Superior aproveitei a oportunidade ao desenvolver o artigo final de conclusão deste curso para dar alguns passos

2

No segundo semestre de 2008 apresentei a minha monografia intitulada “Mulher e Formação para o

Magistério: ‘entre a condição desejável e a possível de se obter’. Bahia (1873-1895)”.

3

Buscamos apoio, por exemplo, em Jane de Almeida (1998;2006;2007); Guacira Lopes Louro (2001;2003;2007); Denice Catani (2003), Tereza Fagundes(2005), trabalhos que nos aproximaram dos estudos de gênero como categoria de análise incorporada às pesquisas do campo da História da Educação.

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em direção à apreensão das normas e dos valores morais que orientaram a formação das mulheres baianas para o magistério, considerando a mesma periodização dos dois últimos estudos.

Permaneci com essa proposta ao me candidatar à seleção para o mestrado. Contudo, no primeiro ano do curso, em meio aos encontros e desencontros com o objeto de pesquisa na tentativa de apreendê-lo, os elementos que motivaram os recortes temporais com os quais estamos trabalhando desde 2007 e algumas (re)leituras de obras como de Antonio Nóvoa(1991), nos levaram a perceber a relação entre o corpo de saberes destinado à formação das normalistas e as normas e valores imbuídos em tal formação.

Vale ressaltar que a periodização escolhida, até então, resultou da própria temática, finalidades das pesquisas, do acervo e das aproximações que conseguimos realizar a partir do cotejamento e interpretação das fontes. A demarcação decorreu, por exemplo, das reformas educacionais na transição de regime politico que ensejou discursos e ações no âmbito da formação de professoras/es; da constatação do processo de feminização em curso na Escola Normal da Bahia a partir das três últimas décadas do século XIX; das alterações dicotômicas na oferta do curso para homens e mulheres promovidas por tais reformas.

Assim, os recortes temporais dos estudos se mostraram importantes para compreendermos o movimento de transformações ocorrido no processo de formação de mestras e mestres para o ensino primário da Bahia nos anos relativos à segunda metade do século XIX e inicio do século XX - fase que consideramos como de consolidação e tentativa de expansão do curso normal baiano.

Cada vez mais percebemos quanto é importante e necessário para um estudo histórico de uma temática educacional superar os limites dos marcos políticos. É um desafio estimulante demarcar um período que nos aproxime mais do objeto de pesquisa estudado, ou melhor, um período que derive das indicações do próprio objeto para melhor estudá-lo e interpretá-lo. Alguns passos foram dados nesse sentido e continuamos estimuladas a encarar tal desafio.

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INTRODUÇÃO

1. Caminhando à sombra rumo ao objeto de investigação

Na apresentação deste trabalho nos referimos ao estudo histórico aqui desenvolvido como uma viagem, devido dentre outros motivos, ao processo de deslocamento que o objeto de pesquisa nos leva a realizar. Entendemos que esse movimento de deslocar-se é inerente à natureza de um estudo que objetiva conciliar o passado com a história.

No entanto, desse conciliar surgem questões de cunho epistemológico e metodológico advindas da atitude de problematizar o conhecimento histórico que, necessariamente, levamos na bagagem como subsídios norteadores dos caminhos que seguimos ao desenvolver um estudo histórico sobre uma temática educacional. Com isso queremos dizer que realizar uma pesquisa histórica é caminhar à sombra de questões introdutórias por vezes problemáticas, constituídas no cerne dos debates dos movimentos ocorridos nos campos da história e da história da educação, principalmente, ao longo dos últimos quarenta anos.

Os diversos sentidos que foram e são atribuídos à “história”, por exemplo, exigiu que fizéssemos uma escolha fundamental para esta investigação a qual buscou analisar o seu objeto no processo histórico de constituição do mesmo. De saída, corroboramos com Margareth Rago(2011) quando em sua breve apresentação do livro de Keith Jenkins (2011), intitulado A História Repensada, afirma que:

Hoje, quando novas forças sociais, étnicas, sexuais e geracionais ganham espaço e respeitabilidade no mundo público, já não se pode afirmar simplesmente que a História é o registro do que aconteceu no passado, pois se vários acontecimentos foram lembrados e registrados, muitos perderam seus rastros, foram esquecidos, ou deliberadamente apagados. (RAGO, 2011, p. 10).

Dito isso, o que e como é possível saber sobre o passado e, com efeito, sobre o nosso

objeto de investigação? A questão se fez necessária, pois, nos lançamos em busca de

elementos que perpassaram a formação das mulheres para professoras. Logo, a investigação se deu a partir do que foi discursado e determinado oficialmente como disciplinas importantes para a vida escolar/profissional das normalistas, pois foram as primeiras fontes que encontramos nos acervos. Por outro lado, sentimos a necessidade de buscar as vozes e as marcas dos silêncios destas mulheres, suas formas de aceitação ou subversão, de atuação na sociedade e/ou na profissão, mas, são vestígios velados, escassos e até mesmo inexistentes.

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Deparamo-nos aí com as fronteiras da invisibilidade feminina já que viajamos num tempo de ausência das mulheres nos relatos como sujeitos históricos. Viajamos num tempo em que se falava das mulheres, é claro, da sua presença marcante na Escola Normal, por exemplo; das suas qualidades, muitas vezes tidas como natas, para exercer o magistério; da sua importância na arte de educar as novas gerações. Contudo, usando as palavras da Michelle Perrot(2008), a torrente de discursos, a avalanche de imagens produzidas na época decorria de uma visão masculina, generalizada e presa a estereótipos. Falavam das mulheres e por elas, porém, as suas próprias representações, práticas e formas de apropriação eram ignoradas.

Diante do exposto, a indagação sobre o quê e como poderíamos realizar com relação ao objeto de estudo emergiu da necessidade de considerarmos os limites e possibilidades desta viagem. Mais uma vez lembramo-nos das palavras de IANNI (2003, p.15), quando afirma que “o que é presente e o que é pretérito, próximo ou remoto, revela-se no relato, descrição ou interpretação daquele que aproveita os materiais colhidos em viagens, imaginando as formas de ser, agir, sentir, pensar ou imaginar que podem constituir o outro”.

Assim, após muitas idas e voltas à bibliografia disponível, às fontes coletadas, em sua maioria oficial, às andanças pelos Arquivos e Bibliotecas em busca de novas fontes, o que me levou a encontrar a “Revista A Paladina” e ao diálogo no momento da qualificação sentimos a necessidade de redimensionar o objeto de pesquisa e recuar um pouco no tempo.

Quando priorizamos, os saberes, as normas e valores que regularam a formação feminina para a docência, a primeira documentação sobre a qual direcionamos o olhar foi a legislação referente aos critérios para ingressar no curso normal, aos currículos, método de ensino. Contudo, logo percebemos que os saberes não são elementos explícitos e tão pouco independentes de normas e de valores que orientam uma formação escolar/profissional como neste caso da formação feminina para a docência. Desta forma, tais saberes deveriam ser rastreados subjacentes a esta formação, percebidos, por exemplo, como produto das disciplinas que compuseram os currículos do curso normal.

Além do exposto, o interesse pelos saberes veiculados pela Escola Normal para formar as jovens em professoras do ensino primário estava em tentar compreendê-los em seu processo de constituição e daí extrair para quê, para quem e o porquê desta formação.

Estávamos em busca das finalidades da formação oferecida pela Escola Normal da Bahia às mulheres. Assim, deveríamos considerar não somente as políticas de formação escolar/ profissional proporcionada pelo poder público às normalistas, como as distâncias e

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aproximações existentes entre o que diziam as leis da educação e o que se efetivou no cotidiano da escola.

Era preciso, então, nos debruçar sobre esta formação com um olhar atento para o corpo de saberes que a Escola Normal da Bahia priorizou para as alunas frente às demandas externas e com o cuidado para não estabelecer uma relação direta entre as orientações oficiais e as práticas da Escola Normal, no sentido de verificar os nexos existentes entre texto e contexto. Porém, esbarramos na escassez de fontes sobre o cotidiano, sobre as práticas da Escola Normal da Bahia.

No intuito de aproveitar os materiais colhidos nesta viagem, além das Leis, buscamos através nos Relatórios oficiais rastrear a dinâmica interna do curso normal e dos saberes específicos à formação das jovens para a docência do ensino primário. A revista A Paladina - a qual contou com a colaboração de diferentes mulheres, dentre elas, algumas que exerceram a função de professoras primárias - ampliaram as possibilidades de cotejamento e interpretação dos dados oficiais, a medida que tais fontes nos forneceram informações produzidas por sujeitos que fizeram a Escola Normal e nela se fizeram.

A Paladina nos trouxe possibilidades de rastrear as vozes de algumas mulheres que além de terem exercido o magistério, estenderam a sua forma de atuação como educadoras por meio deste periódico veiculado na Bahia entre 1910 e 1917, com a finalidade de propagar a moral cristã e os ideais de uma educação feminina. Assim, diante dos propósitos da pesquisa e das fontes, estabelecemos o período de 1890 a 1914, como referência para a apreensão dos elementos que envolveram o objeto de investigação.

Esse período justifica-se, pois, entre esses marcos foram sancionadas reformas educacionais que evidenciaram a politica de formação de professoras/es ensejadas por discursos oficiais e ações do poder público. Ainda que a primeira reforma da instrução pública do estado posterior à mudança de regime político tenha sido com o Ato de 31 de dezembro de 1889, esta foi logo suspensa após quatro meses de execução sem maiores esclarecimentos. Então, em substituição tivemos o Ato de 18 de agosto de 1890, considerado nesse estudo como um marco no campo da educação baiana após a Proclamação da República. Este Ato manteve as duas escolas normais, - uma para homens e outra para senhoras- em externato e

com a duração de quatro anos de estudos.

Entre 1890 e 1914 as Escolas Normais feminina e masculina passaram por várias reformas onde as ordenações legais alteraram a duração do curso, o quadro de disciplinas,

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método de ensino e a denominação da instituição que oscilou entre “Escola” e “Instituto” Normal. Nesta mesma linha organizacional foram criadas duas escolas normais, uma para a cidade de Caetité e outra para a cidade de Barra. Estas escolas foram logo extintas em 19034, no entanto, apesar da breve existência, consideramos tais escolas como tentativa de expansão do curso normal baiano e mais um indicativo do processo de feminização em curso não só nas Escolas Normais como no magistério, já que ambas só recebiam mulheres.

A fase é bastante característica de recém Proclamação da República e de significativa importância histórica para o Brasil, de um modo geral e, em especifico, para a Bahia onde a busca por mudanças na estrutura da sociedade se deu, também, por meio de iniciativas de escolarização da população que, em sua maioria, era analfabeta. Em meio aos temas candentes nos discursos que marcaram os anos de transição de uma sociedade provinciana para a iminente vida republicana, a adequada formação de professoras/es assumiu destaque como condição prévia para a eficácia da escola primária. Nesse contexto, cada vez mais a formação docente se feminizava.

Tendo em vista os ideais republicanos que para a sua realização dependia de um povo instruído, assim como, a recusa à co-educação e a consequente presença crescente das mulheres no curso normal num período de obrigatoriedade do ensino primário, inclusive para as meninas, passamos então a nortear a nossa viagem com a seguinte questão: Qual o processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das mulheres para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914?

Assim, a partir da pergunta que norteou esta pesquisa e das fontes, traçamos os seguintes objetivos:

4

A criação e regulamentação das escolas normais de Barra e Caetité foram, respectivamente, através do Ato de 17 de outubro de 1895 e do Decreto de 26 de maio de 1896. Porém, a extinção se deu através do Decreto n.215, de 29 de outubro de 1903.

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Objetivo Geral

Analisar o processo histórico de constituição do corpo de saberes específico à formação das mulheres para o magistério a cargo da Escola Normal da Bahia no período de 1890 a 1914.

Objetivos Específicos

 Compreender a Bahia na transição do século XIX para o século XX, nos seus aspectos social, político, econômico e educacional frente às mudanças e demandas sociais de um modo geral;

 Investigar aspectos do processo histórico de educação/escolarização feminina entre o final do século XIX e início do século XX;

 Analisar as políticas públicas para formação de professoras/es na Bahia nos anos que compreendem o recorte temporal deste estudo;

 Apreender as finalidades da Escola Normal e das normalistas diante das demandas da sociedade baiana no período de trabalho;

 Estudar as mudanças que ocorreram no corpo de saberes expresso nos currículos, bem como as permanências.

1.1 Caminhando à Sombra: tessitura teórico-metodológica

Retomando a questão central e os objetivos traçados, continuamos a nossa viagem imbuídas das primeiras reflexões já abordadas, anteriormente, e de indagações que emergiram da necessidade de nos aproximar mais do objeto de pesquisa. Por certo, os materiais colhidos nesta viagem, ou seja, as fontes, os vestígios deste passado foram matéria-prima básica para a construção do relato aqui pretendido. Contudo, não somente o encontro de materiais como a escassez e a falta deles, os silêncios presentes no conteúdo foram considerados. Comungamos com a posição de que as fontes em si, numerosas que sejam, não produzem o relato histórico, não dão conta do passado.

Para além do trabalho de investigação dos fragmentos de um passado, mais importante é a maneira com a qual buscamos entendê-los. O olhar, as questões formuladas sobre o que foi produzido e sobre o que restou desse passado norteiam a caminhada. Acreditamos que esses passos são fundamentais para a produção de um conhecimento histórico.

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Foi diante do quadro que se inscreveram as transformações na historiografia brasileira que buscamos nos aproximar dos elos que dão sentido à relação entre as perspectivas da História das Mulheres (com ênfase nos estudos de gênero), da História Cultural e da História da Educação.

1.2. Procedimentos Metodológicos

O trabalho foi desenvolvido a partir do levantamento, cotejamento e análise das fontes primárias e e secundárias. Buscamos as fontes no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBa), Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB). Deste modo, segue abaixo os procedimentos listados, salientando que esta é apenas uma forma de exposição didática. Na verdade, os passos da pesquisa são dinâmicos, recorrentes, não ocorre de forma linear, seqüencial.

a) Levantamento bibliográfico para caracterizar o período;

b) Levantamento e análise da produção acadêmica acerca do tema; c) Levantamentos de documentos nos Arquivos e Bibliotecas;

d) Cruzamento dos dados encontrados nos vários tipos de documentos sobre a luz da produção acadêmica levantada e selecionada;

e) Organização e seleção dos dados pesquisados para elaboração da dissertação de Mestrado.

2. Estruturação da Apresentação dos Resultados da Pesquisa

O trabalho está dividido em três capítulos, a saber:

No primeiro capitulo buscamos percorrer a história do desenvolvimento de novas posturas na produção historiográfica no decorrer das últimas quatro décadas através da produção de um estado da arte, no intuito de conhecer o caminho da inserção das mulheres como objeto e sujeitos da história, na historiografia brasileira e da educação. Destaquemos, inicialmente, as contribuições advindas da passagem do modelo dito tradicional de produção histórica, baseado em descrições densas e factuais dos grandes acontecimentos e das

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trajetórias de instituições e de líderes políticos, para uma tendência - emergente a partir da segunda metade do século XX - de interesses em torno de temas e grupos sociais que, até então, estavam à margem das produções históricas, como é o caso das mulheres. Posteriormente, desenvolvemos um relato sobre o percurso da História das Mulheres enquanto campo de conhecimento, de como, este domínio histórico “não só acompanhou as campanhas feministas para a melhoria das condições profissionais, como envolveu a expansão dos limites da história. Fizemos também uma breve incursão sobre a História das Mulheres no Brasil e de o conceito de gênero se espraiou na História da Educação.

No segundo capitulo versa sobre a história cultural da educação feminina na Bahia, entre o século XIX e inicio do século XX. Tornou-se indispensável para este estudo pensar a educação feminina entre o século XIX e as primeiras décadas do século XX. Como as mulheres foram educadas e com quais finalidades? Quais os saberes destinados para o sexo feminino desde a infância? Quais os espaços que foram reservados para a instrução das jovens? São caminhos para apreendermos os elos existentes no movimento de constituição dos saberes que foram considerados como necessários para o preparo das mulheres para o magistério pela Escola Normal da Bahia, instituição a qual coube, a partir do século XIX, a realização de tal formação.

No terceiro capitulo discutimos os saberes veiculados na formação das mulheres baianas para professoras na viragem do século XIX para o século XX. Iniciamos a nossa abordagem sobre os primeiros tempos da Escola Normal da Bahia para situar o processo de entrada e permanência das mulheres no curso normal a partir das normas e finalidades que o conduziram desde a sua origem. A partir daí abordamos o que foi determinado oficialmente como disciplinas importantes para a vida escolar/profissional das normalistas entre 1890 a 1914. Procuramos entender o movimento deste processo a partir de elementos que envolveram as políticas de formação de professoras/es, decorrentes das ações do poder público quanto à educação, ao selecionar, institucionalizar saberes considerados necessários para o preparo escolar/profissional das mulheres, o qual coube à Escola Normal da Bahia. Terminamos este capitulo com algumas vozes femininas que exerceram a docência dando a ver as suas formas de apropriação dos saberes requeridos para o exercício do magistério.

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CAPITULO 1

POR UMA HISTÓRIA DAS MULHERES BAIANAS: O DESEJO DE UM OUTRO RELATO, DE UMA OUTRA HISTÓRIA

As fontes jorram para o olhar de quem as procura. Esse olhar que faz o relato que é a história.

Michelle Perrot (2008)

Entendemos que a breve discussão aqui abordada se insere num processo, ainda em curso, de rompimento de fronteiras. As fronteiras construídas pelo tratamento desigual dado às mulheres ao longo do tempo. Muitas são as consequências até hoje sofridas pelas mulheres em decorrência das desigualdades de gênero seja no âmbito político, jurídico, intelectual ou de ordem social e econômica. A invisibilidade das mulheres, enquanto sujeitos dotados de poder, de ação, de realizações, de identidade na história é uma dessas implicações. E no cerne desta invisibilidade encontramos as crenças religiosas que por muito tempo deixaram a mulher em condição inferior ao homem criando assim sociedades absolutamente patriarcais.

Em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas. É a garantia de uma cidade tranqüila. Sua aparição em grupo causa medo. Entre os gregos, é a stasis, a desordem. Sua fala em público é indecente. “Que a mulher conserve o silêncio, diz o apóstolo Paulo. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu em transgressão”. Elas devem pagar por sua falta num silêncio eterno. (PERROT, 2008, p.17).

Essas são algumas das explicações que fundamentaram a obscuridade feminina e ao acompanhar a abordagem de Michelle Perrot(2008), observamos que por muito tempo justificaram a ausência das mulheres no espaço público, o único sobre o qual existia interesse e sobre o qual produziram relatos. Deste modo, a ausência feminina na vida pública influenciou o que a autora apresentou como uma segunda razão do silêncio: o silêncio das fontes. A esse respeito, a historiadora afirma:

As mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos ou materiais. Seu acesso à escrita foi tardio. Suas produções domésticas são rapidamente consumidas, ou mais facilmente dispersas. São elas mesmas que destroem, apagam esses vestígios porque os julgam sem interesse. (PERROT, 2008, p.17)

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Com efeito, as mulheres assumiram um papel de subordinadas, sem voz ativa, fadadas a uma situação de anonimato. E esta situação se faz sentir nas narrativas históricas onde, na maioria dos relatos produzidos, a presença masculina destaca-se como protagonista dos acontecimentos.

Não obstante o desejo e a necessidade de buscar as vozes e as marcas dos silêncios das mulheres que viveram em Salvador-Bahia entre o final do século XIX e inicio do século XX, bem como as suas formas de aceitação ou de subversão, de atuação na sociedade, na educação e/ou na profissão, vale destacar que tais vestígios são velados, escassos e até mesmo inexistentes. Deparamo-nos aí com as fronteiras da invisibilidade feminina já que viajamos num tempo de ausência das mulheres nos relatos como sujeitos históricos.

Embora Mary Del Priore (2010, p. 8) em sua apresentação da História das Mulheres no

Brasil tenha abordado a superação das discussões em torno das dificuldades de construção da

história das mulheres, "mascaradas que eram pela fala dos homens e ausentes que estavam do cenário histórico", muito há para se descortinar sobre a história da educação no Brasil e, principalmente, na Bahia quando o objeto de estudo são as mulheres, mesmo reconhecendo os esforços de pesquisadoras/es, escritoras/es como a Del Priore, imbuídas nestas últimas décadas de preencher esta lacuna como um meio de reparação histórica. 5

É bem verdade que existem falas sobre as mulheres brasileiras e baianas. Encontramos discussões acerca da finalidade da sua instrução, por exemplo; do lugar que deveriam ocupar na família; da sua importância na arte de educar as novas gerações; das suas qualidades, muitas vezes tidas como natas, para exercer o magistério; da sua presença marcante nas Escolas Normais. Contudo, a torrente de discursos, a avalanche de imagens produzidas na época decorria de uma visão masculina, generalizada e presa a estereótipos, ou seja, falavam das mulheres e por elas, porém, as suas próprias representações, práticas e formas de

apropriação foram ignoradas.6

Portanto, para escrever sobre as mulheres em qualquer campo de conhecimento, há de se valer de sinais, de vestígios, de fontes poucos ortodoxas em um risco assumido de desconsiderar que apenas o que é objetivo dá conta da existência humana, sejam seus atores homens ou mulheres. Assim, procura-se mais que interpretar, reinterpretar, inferir, concluir parcialmente, eliminando em parte a invisibilidade que, por tanto

5 Hoje já podemos contar com outra publicação sobre a história das mulheres no Brasil tratando de temas mais recentes, dos séculos XX e XXI, numa perspectiva histórica: PINSKY, Carla Bassanezi(Org.). Nova História

das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.

6 Ao fazer referência às representações, práticas e formas de apropriação apoiamo-nos no pensamento de Roger Chartier (1986).

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tempo, vem se cristalizando em alguns espaços que, apesar de serem majoritariamente femininos, como, por exemplo, a educação, sempre foram analisados do ponto de vista masculino. (ALMEIDA, 2007, p. 18).

Mas, atualmente, as pesquisas no campo da História da Educação já podem contar com aportes teórico-metodológicos oriundos de novas posturas desenvolvidas na produção historiográfica no decorrer das últimas quatro décadas. São instrumentos aos quais pesquisadoras/es, como a autora supracitada, Jane Soares de Almeida(2007), recorrem para construir trabalhos que tenham como objetivo recuperar as mulheres enquanto sujeitos da história.

Destaquemos, inicialmente, as contribuições advindas da passagem do modelo dito tradicional de produção histórica, baseado em descrições densas e factuais dos grandes acontecimentos e das trajetórias de instituições e de líderes políticos, para uma tendência - emergente a partir da segunda metade do século XX - de interesses em torno de temas e grupos sociais que, até então, estavam à margem das produções históricas, como é o caso das mulheres.

A historiadora norte-americana Lynn Hunt (1992), expõe que esta fase de transição é resultante do avanço do social no campo da interpretação histórica, a qual foi estimulado por influências de dois paradigmas: o marxismo e a Escola dos Annales. Ambos, ainda que divergissem em termos de categorias e modos de analisar a história, reagiram contra as abordagens exclusivamente políticas, apresentando uma perspectiva da História de orientação social, mais voltada para a análise das estruturas e menos ligada à narrativa dos acontecimentos.

Segundo Hunt (1992), o interesse pela história social expressou-se entre historiadores marxistas, em especial, no final da década de 1950 e nos primeiros anos de 1960, levando aos mesmos a publicações sobre "a história vinda de baixo”, como os estudos de George Rudé sobre as classes populares parisienses e os de E. P. Thompson sobre a classe operária inglesa.

Com essa inspiração, os historiadores das décadas de 1960 e 1970 abandonaram os mais tradicionais relatos históricos de lideres políticos e instituições políticas e direcionaram seus interesses para as investigações da composição social e da vida cotidiana de operários, criados, mulheres, grupos étnicos e congêneres. (HUNT, 1992, p.2).

Seguindo o movimento de reformulação das produções historiográficas, não obstante os caminhos e descaminhos teórico-metodológicos e temáticos traçados pelos pesquisadores

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marxistas e pelo grupo dos Annales em suas gerações, os diversos aspectos da vida social passaram a integrar os estudos no campo da História. A nova história, como ficou conhecida a história associada à Escola dos Annales, "começou a se interessar por virtualmente toda atividade humana"(...). Daí a expressão ‘história total’, tão cara aos historiadores dos Annales”. (BURKE, 1992, p. 11). 7

Mais tarde, nos anos de 1970, novas histórias foram produzidas sobre temas que até então não se havia pensado terem história, como a da infância, da morte, da loucura, dos gestos, do corpo, da sexualidade, da leitura, da feminilidade e até mesmo do silêncio. Necessariamente, ampliou-se a noção de fontes históricas e o diálogo com outras ciências humanas assumiu maior importância no intuito de apreender as diversas dimensões dos objetos de estudo.

De acordo com Hunt (1992), nos últimos anos, os próprios modelos de explicação que contribuíram para a ascensão da história social passaram por uma mudança de ênfase, a partir do interesse cada vez maior pela história cultural, identificado tanto nas gerações dos Annales quanto no grupo dos marxistas. Mas, em relação aos historiadores dos Annales, destaca-se o relativismo cultural como base filosófica da nova história. Desenvolveram a idéia de que a realidade é social ou culturalmente construída. Assim, "o que era previamente considerado imutável é agora encarado como uma 'construção cultural', sujeita a variações tanto no tempo quanto no espaço" (BURKE, 1992, p. 11).

Em decorrência de tal pressuposto, a aproximação entre historiadores e antropólogos amplia-se e merece ser enfatizada, pois, ela demarca a prática da história cultural sob o uso do termo “cultura” num sentido mais amplo, mais plural. Tal como Peter Burke (2005, p. 43) se refere, é a era de dois movimentos gêmeos: da “antropologia histórica” e da “nova história cultural”.

Diante dos registros e interpretações produzidas, a Nova História Cultural (NHC) é uma denominação que distingue o processo de renovação nos modos de se produzir no campo da História Cultural entre os anos de 1970 e 1980. Ainda que haja evidências de publicações anteriores, é a partir das últimas décadas do século XX que os historiadores culturais passam a

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Para saber mais sobre a história total e a discussão acerca da fragmentação da história em contraposição a esta totalidade - rotulada, sob severa critica, como “história em migalhas”- ver: REIS, José Carlos Reis. História &

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considerar temas, objetos e problemas outrora relegados em suas pesquisas. São novas possibilidades de estudos sob a polissêmica noção de cultura. 8

Conforme Peter Burke (2005, p. 45), esta virada cultural não só ocorreu na história como em outras disciplinas. A psicologia cultural, a geografia cultural, a economia e a ciência política, também, se voltaram para abordagens culturais em suas análises. No campo da história há evidências desta tendência no uso das expressões “cultura da imprensa”, “cultura de corte”, ou “cultura do absolutismo” pelos historiadores ao tratar dos seus objetos. “Estamos a caminho da história cultural de tudo: sonhos, comida, emoções, viagem, memória, gesto, humor, exames e assim por diante”, observa o autor. (Ibid., p.46).

A cultura que, por muito tempo, foi utilizada para se referir às artes e às ciências, passa a ser relacionada aos elementos populares e cada vez mais busca se aproximar de objetos culturais e das práticas sociais cotidianas. Deste modo, folclore, hábitos, crenças, valores, símbolos, representações são alguns dos elementos de análise desta citada modalidade historiográfica. E neste percurso, um novo campo de pesquisas se insurge, a saber, a história das representações sociais e culturais, destacando-se neste campo as formulações teóricas do historiador Roger Chartier, cujo principal objeto da história cultural, para ele, “é identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. (CHARTIER, 1986, p, 16-17). Nas suas análises três categorias são fundamentais para a compreensão da história cultural: apropriação,

representação e práticas sociais sobre as quais nos deteremos mais adiante.

É nesse cenário que uma nova noção encontra lugar, a da “cultura feminina”, no interior da qual gestos e práticas são pensados e analisados como formas de cultura. Foi de extrema relevância o êxito obtido pela história cultural e das representações, além da contribuição crescente das abordagens etnológicas e antropológicas para que os estudos sobre os papéis sexuais adquirissem uma nova expressão na historiografia. Ao procurar descrever os papéis femininos, chegou-se a traduzir certo número de práticas especificas à desenhar os traços de uma cultura feminina. (DEL PRIORE, 2007). No entanto, não podemos perder de vista as questões colocadas anos mais tarde pela historiografia das mulheres, por exemplo, acerca dos modos de análise dos papéis sexuais construídos sob os pressupostos da Nova História.

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Sobre publicações do campo da História Cultural anteriores e posteriores a 1970, Peter Burke apresenta uma lista nas últimas páginas do seu livro: BURKE, Peter. O que é história cultural. Trad. Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zaar. Ed., 2005. p 179-182

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Questões que serão abordadas mais adiante no intuito de subsidiar o percurso de construção deste trabalho.

Diante do exposto, vale ressaltar que tais transformações na história não só decorreram de criticas internas, ou seja, daqueles que produziam no próprio campo, como, simultaneamente, são fruto de influências de movimentos externos que contribuíram para a busca do que deixavam à margem da história e para tornar aparente o que, por muito tempo, esteve invisível.

O novo estilo de história cultural deve ser visto como uma resposta [...] à expansão do domínio da “cultura” e à ascensão do que passou a ser conhecido como “teoria cultural”. [...] As teorias podem ser vistas como reação a problemas e também como reconceitualização deles. Certas teorias culturais fizeram com que os historiadores tomassem consciência de problemas novos ou até então ignorados, e, ao mesmo tempo, criassem por sua vez novos problemas que lhes são próprios. (BURKE, 2005, p. 69-70). 9

Observemos o desenvolvimento da História das Mulheres enquanto campo de conhecimento. Este domínio histórico “não só acompanhou as campanhas feministas para a melhoria das condições profissionais, como envolveu a expansão dos limites da história”. (SCOTT, 1992, p.75). Ainda que Joan Scott (1992) tenha lançado críticas quanto aos primeiros estudos sobre a história das mulheres, desenvolvidos até a década de 1980 sob o viés de “suplemento” da história, a historiadora evidencia a importância destas primeiras produções para a avaliação dos modos tradicionais de construções historiográficas e aponta para uma incômoda ambigüidade inerente ao projeto de história das mulheres, dizendo que se por um lado ela foi um suplemento inócuo à história estabelecida, por outro, ela contribuiu para um deslocamento radical dessa história.

Sem a intenção de desenvolver um inventário, precisar o tempo, o lugar, o fato que marcou o advento deste campo, faz-se necessário abordar alguns fatores indicadores do seu processo no sentido de nos situar diante dos desafios e das possibilidades de desenvolvimento da discussão central deste e dos demais capítulos.

9 Como indicação de um estudo no campo da história cultural segundo o novo estilo, Burke (2005) discute o livro de Caroline Bynum, considerado por ele um ótimo exemplo da chamada ”nova história cultural”. Segundo o autor, este livro foi inspirado pela obra de feministas como Julia Kristeva e Luce Irigaray, que analisaram as diferenças entre o discurso masculino e feminino. Sobre a preocupação da NHC com a teoria Burke cita que a idéia de Jacques Derrida de “suplemento”, o papel da margem na formatação do centro, foi empregada por historiadores em diferentes contextos. A estudiosa norte-americana Joan Scott também usou o termo para descrever a ascensão da história das mulheres, em que “as mulheres tanto foram acrescidas à história” como “ocasionaram a sua reescrita”. Para saber mais: BURKE, Peter. O que é história cultural. Trad. Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zaar. Ed., 2005, p. 64-70.

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1.1 História das Mulheres: rompendo com o silêncio dos relatos

Na sua obra, Minha História das Mulheres, Michelle Perrot (2008) ao falar sobre o silêncio que marcou a existência feminina ao longo da história, afirma que o silêncio mais profundo é o do relato. Atribui sentido à palavra “história” como “o relato que se faz dos acontecimentos, da sequência dos fatos, das mudanças, das revoluções, dos acúmulos que tecem o devir da sociedade” (Ibid., p.16), evidenciando os fatores que constituíram as marcas da ausência feminina nas narrativas.

Assim como este trabalho de Michelle Perrot, encontramos outros que situam o desenvolvimento da história das mulheres e, no bojo das discussões, a importância e utilidade deste domínio histórico se encerra no seu objeto de interesse.10 Tal domínio, fundamentalmente, surgiu da evidência da omissão ou do esquecimento que pesou sobre a vida das mulheres ao longo do tempo. Esta constatação e o conseqüente interesse em trazer luz ao elemento feminino no conjunto da história decorreram de fatores de natureza diferente – científicos, sociológicos e políticos tal como os classificou Perrot (2008) – mas, que, em seu conjunto, contribuíram ou foram produtores de estudos sobre as mulheres.

Seguindo a linha da autora citada, no que dizem respeito aos fatores científicos, alguns já foram brevemente abordados neste capítulo, como as transformações teórico-metodológicas ocorridas no campo da historiografia a partir da segunda metade do século XX, provenientes da oposição ao paradigma tradicional de se fazer história. Oposição esta manifestada pelos marxistas, mas, que tem o movimento dos Annales como referência significativa de constituição de uma nova história. A inovação se expressou nas abordagens e nos objetos ao construir as narrativas e, entre outros pontos, estes são apresentados como delineadores desta outra prática historiográfica: a invasão da dimensão social e econômica na história, subvertendo a visão tradicional que partia exclusivamente de marcos históricos carregados de ações políticas; o desvio da história para a cultura, permitindo a discussão de objetos até então

10 Ao nos referirmos à história das mulheres como um domínio histórico, estamos nos pautando em José D’ Assunção Barros que em seu livro “O Campo da História: especialidades e abordagens” , como o próprio titulo indica, discute aspectos ligados a cada uma das modalidades da historiografia moderna. O autor apresenta a divisão da História sob três ordens de critérios: ‘dimensões’, ‘abordagens’ e ‘domínios’ que respectivamente estão ligados a “enfoques”, “métodos” e “temas”. Uma dimensão implica em um tipo de enfoque ou em um ‘modo de ver’; uma abordagem implica em um ‘modo de fazer a história a partir de materiais com os quais deve trabalhar o historiador; um domínio corresponde a uma escolha mais especifica, orientada em relação a determinados sujeitos ou objetos para os quais será dirigida a atenção do historiador (campos temáticos como o da ‘historia das mulheres’) (BARROS, 2004, p. 20).

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não considerados e, conseqüentemente, o alargamento das fontes históricas para além dos documentos.

Acrescentemos ainda que apesar dos Annales, sob a atuação de Lucien Febvre e de Marc Bloch, não ter incorporado as mulheres aos seus primeiros estudos, eles contribuíram para posteriores análises neste sentido à medida que buscaram “desvencilhar a historiografia de idealidades abstratas, voltando-se para a história de seres vivos, concretos, à trama de seu cotidiano, em vez, de se ater a uma racionalidade universal”. (SOIHET, 1997, p.276).

Alguns nomes são característicos deste período de novas incursões na história no qual a prática da interdisciplinaridade, temas e objetos inéditos, novos problemas e novos campos de pesquisa emergem, criando maiores possibilidades para a abordagem do feminino na historiografia. “A trajetória de um Georges Duby, que chegou à história das mulheres pela via da antropologia, ilustra esse percurso. Após estudo sobre o funcionamento do casamento feudal no século XII, ele se pergunta: Mas as mulheres? O que se sabe sobre elas?” (PERROT, 2008, p. 19-20). Deste modo, estudos sobre a família, a vida privada, as práticas cotidianas, a sexualidade, o casamento passaram a ser desenvolvidos e, necessariamente, na construção das análises as mulheres estavam presentes.

Sobre os fatores sociológicos, Perrot (2008) destaca a presença das mulheres na universidade, como estudantes e como docentes, principalmente, a partir de 1970. Como estudantes a autora relata que elas representavam quase um terço das matriculas nos anos de 1970 e como docentes após terem sido "indesejáveis" por muito tempo, elas conquistam o seu espaço depois da Segunda Guerra Mundial, tornando-se presença considerável entre os professores efetivos. “Essa feminização podia ser o fermento de uma demanda renovada, ou pelo menos de uma escuta favorável”. (Ibid., p.20).

E quanto aos fatores políticos, compreendido no sentido amplo do termo, foram decisivos. Segundo algumas narrativas, corresponde à origem da história das mulheres junto à política feminista empreendida inicialmente nos Estados Unidos, a partir da década de 1960, estendendo-se nos anos 70 para outras partes do mundo como da Europa e o Brasil.11 Parafraseando Perrot (2008, p.20), o movimento de liberação das mulheres desenvolvido nos

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Estamos nos referindo ao período de eclosão do movimento feminino, datado a partir de 1970, porém, tomamos conhecimento das primeiras manifestações de feminismo ocorridas na virada do século XVIII para o século XIX quando mulheres iniciam este processo de lutas no sentido de valer os seus direitos. Certamente essas primeiras iniciativas contribuíram para as buscas futuras. Para saber mais: PINTO, C. R. J. Uma história

do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2003. (Coleção História do Povo Brasileiro);

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anos de 1970 não objetivava a universidade e o revisionismo histórico. No entanto, o referido movimento produziu mudanças no saber, ao menos, de duas diferentes maneiras. Em busca de ancestrais e legitimidade, por seu desejo de encontrar vestígios e torná-los visíveis começou um “trabalho de memória” que continua a desenvolver-se desde então no seio da sociedade em seu conjunto. Mais tarde passaram a criticar o protagonismo masculino na constituição dos saberes, indo de encontro aos pressupostos que, historicamente, orientaram as ciências sociais e humanas para o reconhecimento de um sujeito humano universal. Continuaram, assim, a sua trajetória, produzindo questões que abalaram paradigmas teórico-metodológicos das ciências. Daí nasce o desejo de outro relato, de outra história.

E quanto à história das mulheres no Brasil? Nas primeiras linhas deste capítulo assumimos o desafio de romper fronteiras, pois, entendemos que o nosso trabalho se insere neste processo que a nosso ver ainda se encontra em movimento. E por quê? Porque tais fronteiras têm por base o que tornou a história das mulheres urgente e necessária: justamente a ausência desta história, as suas razões e consequências. Ainda que nos dias atuais possamos contar com os frutos do desenvolvimento e consolidação deste campo de pesquisa, longe está de escrevermos sobre a história das mulheres com facilidade. Imaginemos, então, quando o Brasil se lançou nesta empreitada a partir de 1970.

1.1.1. História das Mulheres no Brasil: algumas aproximações

Posterior a Europa e aos Estados Unidos, o Brasil empenha-se na busca de conhecimentos sobre a história das mulheres a partir de 1970, sob influência das realizações no campo da história da mulher ocorridas no estrangeiro, onde diversos fatores como os que foram mencionados corroboraram para a inserção do sujeito feminino na historiografia.12

Lembremos que este foi um período forjado por um contexto maior de efervescência cultural e política da década de 1960, no seio do qual os movimentos feministas ressurgem contribuindo, ainda mais, para o desenvolvimento da história das mulheres. Com uma pauta de lutas mais voltada para questões que envolviam especificidades da condição feminina em

12 Segundo Costa e Sardenberg (1994, p.389), pode-se dizer que os estudos sobre a mulher no Brasil, com uma perspectiva de transformação da condição feminina, têm início nos anos 60 com o trabalho pioneiro de Heleieth Saffioti, A Mulher na Sociedade de Classes. Entretanto, devido às nossas condições históricas específicas, só nos anos 70, notadamente a partir das comemorações do Ano Internacional da Mulher, é que estes trabalhos começaram a ganhar maior impulso.

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detrimento das anteriores preocupações de caráter mais geral, esta retomada das feministas fez emergir um período de interesse por estudos e pesquisas sobre mulheres e relações de gênero em diversos campos do saber, inclusive, da história. Tornar visível aquela que fora ocultada por uma história que negligenciava as diferenças e desigualdades sexuais e tornar aparente a segregação social e política a que as mulheres foram submetidas, eram objetivos das estudiosas feministas desses primeiros tempos.

Mais uma vez nos detendo na abordagem clara e objetiva da Mary Del Priore (2007), para apreendermos, em linhas gerais, a história da história das mulheres no Brasil, destaquemos que nesse período se verifica entre nós o início de produções bibliográficas referente a trabalhos desenvolvidos na área de ciências humanas que versavam sobre o tema “mulher” 13

, bem como produções de trabalhos sobre a família ou a demografia, que direta ou indiretamente retiravam as mulheres da penumbra. O reflexo da influência da Nova História, também, era evidente, levando ao desafio de pensar a sexualidade, a criminalidade, os desvios14 e à ampliação do arcabouço documental através da exploração de arquivos e fontes como das instituições de poder – a Igreja ou o Estado – que revelavam a subversão de normas pelas mulheres15.

De um modo geral, esta mobilização em favor do desenvolvimento de estudos e pesquisas acerca da condição feminina na década de 1970, resultou na criação de núcleos de estudos vinculados a instituições de ensino superior no Brasil, Grupos de Trabalhos em Associações Cientificas, assim como, concursos de pesquisas foram realizados incentivando a produção cientifica na área. Costa e Sardenbergue (1994), por exemplo, apontam que:

Em 1979 um passo importante no incentivo à produção científica nesta área será dado com a criação do Grupo de Trabalho Mulher e Força de Trabalho na ANPOCS e posteriormente, em 1980, na mesma Associação, com a criação do GT Mulher e Políticas. No mesmo ano será criado o primeiro núcleo de estudos em uma universidade brasileira, o Núcleo de Estudos da Mulher - NEM -, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Fruto da iniciativa de Fanny Tabak, a criação deste Núcleo será um exemplo a ser seguido, imediatamente, por muitas outras estudiosas em outras regiões do país. Já em 1981 surge o Núcleo de Estudos, Documentação e Informação sobre a Mulher - NEDIM, na UFCe e, em 1983, o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - NEIM da UFBa. Em 1984 são criados

13 A autora destaca o trabalho realizado, desde 1978, por pesquisadoras/es da Fundação Carlos Chagas de São Paulo, que começaram a coletar material para a realização de uma bibliografia concernente a trabalhos , na área de ciências humanas, voltados para o tema "mulher". Ela ressalta o pioneirismo de Miriam Moreira Leite na organização de bases para pesquisas empíricas sobre as mulheres. (DEL PRIORE, 2007, p. 226; 453)

14 As obras de Michell Foucaul, por exemplo, traduzidas e publicadas, incentivaram o que no jargão acadêmico convencionou-se chamar de "historiografia da transgressão". Para ver referências de livros pioneiros nestes assuntos, Del Priore, 2007, p. 453.

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mais três núcleos nas Universidades Federais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais. Neste mesmo ano, dá-se a realização do Seminário de Pesquisas Zahidé Machado, em Salvador, promovido conjuntamente pela Fundação Carlos Chagas e o NEIM, com o apoio da Fundação Ford. (COSTA; SARDENBERGUE, 1994, p.390). 16

Ressaltemos, também, que nesses primeiros anos, sob o patrocínio da Fundação Ford, o papel da Fundação Carlos Chagas foi muito importante e se ampliou ao criar concursos de pesquisas. A iniciativa serviu de estimulo para a produção de estudos no campo, resultando em trabalhos sobre temas interessantes e lacunares. 17 Contudo, Mary Del Priore (2007) informa que em 1996 a Fundação decidiu suspender os concursos para pesquisadores da área de História, mantendo-o para outras áreas como Saúde, Higiene e Educação. Sobre este fato, concordamos com a autora quando diz que tal decisão é passível de criticas no que concerne ao papel das pesquisas e sua eficácia no contexto acadêmico mais geral. Na verdade, esta é uma realidade cada vez mais presente no Brasil, aonde a lógica que vem orientando a demanda e produção das pesquisas, cada vez mais, compromete a continuidade ou inviabilizam a produção do conhecimento em determinadas áreas.

Reconhecemos que de lá para cá esses estudos se multiplicaram e hoje já podemos contar com uma produção significativa entre artigos, livros, dissertações e teses envolvendo a mulher e/ou a sua história. Entretanto, não se pode esquecer que neste percurso muitas fronteiras foram construídas com base na visão atribuída a tais investigações que por muito tempo questionou a sua relevância cientifica por procederem de práticas dos movimentos feministas. Apesar da existência de muitos núcleos e grupos em atividade no país, conquistar um espaço, no caso dos núcleos de estudos da mulher nas universidades, por exemplo, sempre foi fruto de lutas travadas dentro da academia pelo reconhecimento da importância e legitimidade da problemática feminina como objeto de discussão e análise. São questões que caracterizaram a década de 1970 e que até hoje persistem, mesmo com todos os esforços empregados e objetivos alcançados desde a atuação das pioneiras feministas.

16 Além do exposto, as autoras continuam evidenciando como foi sentido este impulso nas Associações Científicas. Foram criados GT's na ANPED (Educação); na ABA (Antropologia); ABEP (Estudos Populacionais); ANPUH (História); ABRALIC (Literatura Comparada); ABET (Trabalho); ABRAPSO (Psicologia Social); ANPOLL (Letras e Literatura). (COSTA; SARDENBERGUE, 1994, p.391).

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Segundo Mary Del Priore(2007, p.226), como fruto desses concursos, entre 1978 e 1985 surgiram Vivências;

Trabalhadoras do Brasil; Mulher, mulheres; Rebeldia e submissão; Entre a virtude e o pecado; Novos olhares: mulheres e relações de gênero no Brasil além de número especial do Caderno de Pesquisas , revista trimestral

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