• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS PROCESSOS DE GESTÃO

2.4. Os Espaços de Participação Pública

A preocupação com a qualidade ambiental vem crescendo, e muito, nas diversas regiões brasileiras. Essa preocupação suscita a necessidade de criação de mecanismos para aumentar a consciência, promoção da mudança de hábitos e de comportamentos e da participação popular na gestão pública como um todo. No caso específico do meio ambiente, cada vez mais a população, juntamente com o Poder Público, tem sido chamada a participar da sua gestão.

Historicamente, a participação das ONGs em conselhos ambientais tem sido sempre muito combativa, instigadora, e em alguns momentos, radical, mas sempre presente. Independentemente da posição política adotada pelas ONGs em dadas ocasiões, que pode ser discutível, sua participação é oportuna e necessária. É inexorável a afirmação de que os representantes ambientalistas em geral são aqueles que se apresentam melhor preparados para as discussões dos temas em pauta nesses conselhos. Seja por sua experiência, conhecimento e interesse pelas questões ambientais, seja pelo constante esforço de atualização, os ambientalistas quando não dominam o debate, ao menos são constantes provocadores (FURRIELA, 1999, p. 150).

Para FURRIELA (1999, p. 150), a atuação dessas entidades, no entanto, é prejudicada por uma série de fatores, dentre os quais se destacam:

• Deficiências na capacitação profissional de seus representantes, que muitas vezes se deparam com técnicos melhor preparados do governo e dos empreendedores;

• Falta de recursos para financiar uma participação engajada e profissional, seja para custear despesas, seja para remunerar consultores para esclarecimentos de questões técnico-científicas;

• Falta de pessoal disponível para atuar nas inúmeras instâncias participativas que foram ao longo das duas últimas duas décadas sobrecarga sobre alguns atores que foram ganhando “experiência de participação” e são

sistematicamente solicitados pelo movimento ambientalista a representá-los nesses espaços públicos;

• Inconstância na participação de alguns atores que são voluntários nas entidades de que participam e podem abandonar ou negligenciar sua participação, por razões econômicas ou até pelo cansaço decorrente do “excesso de voluntarismo”;

• A representação de regiões do Estado ou do país distantes do local dos encontros das plenárias ou grupos técnicos / comissões do Conselho é prejudicada pelo alto custo de deslocamento e necessidade de maior disponibilidade do representante;

• O excesso de paixão de alguns indivíduos em muitas ocasiões, beirando o fanatismo, não permite uma discussão objetiva e fundamentada; • Posicionamentos político-partidários em algumas circunstâncias podem prevalecer, em detrimento de um posicionamento técnico-científico; • Necessidade de vencer a barreira do preconceito contra as ONGs, muitas vezes presente no discurso de técnicos de governo e de empreendedores;

• Utilização desse espaço de representação como trampolim por aqueles que têm ambições políticas próprias.

Ainda segundo FURRIELA (1999, p.152), os aspectos ligados às deficiências e dificuldades enfrentadas pelo movimento ambientalista dizem respeito ao fato de que “o

movimento ambiental brasileiro está muito pouco estruturado. A maior parte das nossas organizações é amadora, com militância voluntária, não remunerada, sem sede e sem acesso a tecnologia. Aquelas organizações que têm militantes remunerados, que têm internet, são uma ínfima parte, representam uma franja. E o movimento passa a ser hegemonizado por essa franja, das ONGs mais estruturadas, das mais competentes politicamente. Então, pode- se dizer que existem várias organizações,..., que vivem dos espaços de representação. São muitas vezes ONGs que não têm legitimidade dentro do movimento ambiental, nem na sociedade, algumas são INGs (indivíduos não-governamentais) que ocupam esses espaços de representação, e se articulam de modo a ali se perpetuarem. Essa cultura política está relacionada ao problema da legitimidade e representatividade das próprias ONGs. As ONGs são organizações privadas com fins públicos. O que dá legitimidade às ONGs são seus fins, seus objetivos públicos, mas não dá representatividade, no sentido que se entende a representatividade no sistema político tradicional” (CRESPO, 1998 apud FURRIELA, 1999, p.152).

Desta forma é preocupante a participação comunitária na gestão ambiental dos parques, prevista no Decreto nº. 4.340/2002, que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), com a criação de Conselhos Consultivo e/ou Deliberativo, por meio do órgão ambiental. Especialmente, no Distrito Federal, não se percebe uma preocupação por parte dos órgãos gestores em promover uma educação ambiental que anteceda à criação e implantação das Unidades de Conservação, visando uma futura participação dos atores sociais nos Conselhos Gestores de Parques e/ou COMDEMAs.

Cabe ressaltar que, ao Conselho Gestor de UC compete:

I – Elaborar o seu regimento interno;

II – Acompanhar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da Unidade de Conservação;

III – Buscar a integração da unidade de conservação com as demais unidades e espaços territoriais especialmente protegidos e com o seu entorno;

IV – Esforçar-se para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos sociais relacionados com a unidade;

V – Avaliar o orçamento da unidade e o relatório financeiro anual elaborado pelo órgão executor em relação aos objetivos da unidade de conservação; VI – Opinar, no caso de conselho consultivo, ou ratificar, no caso de conselho deliberativo, sobre a contratação e os dispositivos do termo de parceria com OSCIP, na hipótese de gestão compartilhada da unidade. VII – Acompanhar a gestão por OSCIP e recomendar a rescisão do termo de parceria, quando constatada irregularidade;

VIII – Manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente causadora de impacto na unidade de conservação, em sua zona de amortecimento, mosaicos ou corredores ecológicos; e

IX – Propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população do entrono ou do interior da unidade, conforme o caso.

Tais ações pressupõem envolvimento efetivo entre comunidades e suas unidades de conservação, incluindo a compreensão da relação entre sociedade e meio ambiente, além da

“disposição” do órgão gestor da UC em criar conselhos gestores, que por sua vez, deverá ser pressionado pelas comunidades e suas representações.

Uma outra instância de participação pública no que se refere à gestão ambiental – que inclusive, substitui o Conselho Gestor de Parque, no caso de sua ausência - é o Conselho Municipal de Defesa do Meio ambiente, ou no caso do Distrito Federal, a chamada Comissão de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA).

A COMDEMA é um órgão criado para promover essa participação pública nos processos de gestão ambiental da cidade. Representa o espaço destinado a reunir órgãos públicos, setor produtivo, políticos e organizações da sociedade civil, com objetivo de buscar soluções para o uso dos recursos naturais e para a recuperação dos danos ambientais.

Segundo determinações do Ministério do Meio Ambiente, a COMDEMA constitui-se em um instrumento de exercício da democracia, de educação para a cidadania, de convívio entre setores da sociedade com interesses diferentes.

A COMDEMA, segundo o Ministério do Meio Ambiente, tem a função de opinar e assessorar o poder executivo local – no caso do Distrito Federal, a Administração Regional - nas questões relativas ao meio ambiente. É também um fórum para se tomar decisões, tendo caráter deliberativo, consultivo e normativo. São competências da COMDEMA:

• Propor a política ambiental do município (Região Administrativa) e fiscalizar o seu cumprimento;

• Promover a educação ambiental;

• Propor a criação de normas legais, bem como a adequação e regulamentação de leis, padrões e normas municipais, estaduais e federais;

• Opinar sobre aspectos ambientais de políticas estaduais ou federais que tenham impactos sobre o município;

• Receber e apurar denúncias feitas pela população sobre degradação ambiental, sugerindo à Prefeitura (Administração Regional) as providências cabíveis.

Apesar da garantia desses espaços de participação prevista em legislação vigente, a mesma não é cumprida no Gama, nem em Águas Claras. As duas cidades em questão não possuem Conselhos Gestores de Parques nem COMDEMAs ativas. Na verdade, esses conselhos e comissões não existem formalmente.

Apesar da ausência desses espaços legais de participação, no caso específico da Cidade do Gama pode-se dizer que a comunidade é envolvida com os seus três Parques; os depoimentos colhidos expressam um sentimento de pertencimento em relação aos espaços naturais e a vontade de participar de sua gestão, bem como de usufruir dos espaços como área de lazer, de recreação, de contemplação e de educação.

“Passei a minha infância no Prainha; enquanto minha mãe lavava roupa

no Córrego, eu brincava com meus irmãos na cachoeira”. É de cortar o coração ver o Parque desse jeito”.10

Ao que parece, a comunidade do Gama (especialmente os pioneiros) relaciona a questão industrial, do desenvolvimento, com a perda dos espaços naturais; a relação entre a poluição das águas que banham o Prainha e a empresa SKOL (apesar de não mais lançar seus efluentes no ribeirão) ainda é muito forte; permanece uma espécie de imaginário coletivo – “enquanto existir a empresa na cidade, vão existir problemas no parque”.

“O Parque está deste jeito por culpa da SKOL. Desde que a SKOL chegou aqui, o Prainha ficou cada vez, pior. Olha a cor da água do Córrego! Com certeza a SKOL está jogando esgoto no rio”11.

No caso de Águas Claras, o Parque Ecológico nasceu com a cidade, com o intuito de resguardar o patrimônio natural e de promover a qualidade de vida no local, porém, não se tem indústrias, mas sim construções.

10 Depoimento de um professor, morador da cidade do Gama, durante o Curso de Reeditor Ambiental

(SEMARH), realizado no Parque Recreativo do Gama (Prainha), em 2002.

11Fala de morador da cidade do Gama, durante uma aula de campo, às margens do Córrego Alagado, durante o

Curso de Reeditor Ambiental (SEMARH), realizado no Parque Recreativo do Gama (Prainha), em 2002.

O Parque está cercado de edifícios, a maioria ainda em construção, não existe zona de amortecimento do Parque (essa previsão não foi feita); vários impactos negativos, como erosão e assoreamento são observados em seu interior devido à drenagem de água do lençol freático pelas construções e águas pluviais.

Apesar dos problemas facilmente visíveis e identificáveis, a comunidade entende que eles serão sanados com o crescimento da cidade; é difícil talvez, para a comunidade, relacionar o crescente adensamento populacional da cidade, com a manutenção do parque.

A privação dos direitos sociais por parte das Administrações Regionais do Gama e de Águas Claras é explícita, ao se recusarem a criar e estimular a participação na Comissão de Defesa de Meio Ambiente (COMDEMA), impedindo a participação social no que seria o espaço de manifestação, de diálogo, de entendimento entre as partes e até mesmo de pressão junto ao Governo e empresas para o cuidado com o meio ambiente e solução dos seus problemas.

Por outro lado, a Secretaria de Administração de Parques e Unidades de Conservação (COMPARQUES), que também, não inicia na cidade nenhum processo de mobilização para criação dos Conselhos Gestores de Parques, também é responsável na manutenção do status

quo da não-participação social.

Dessa forma:

“(...) Assumimos que, como o velho movimento, os novos movimentos sociais (...) lutam por mais justiça, por mais direitos e liberdade, e são simultaneamente movimentos que opõe categorias de pessoas a outras pessoas, criando assim uma arena de conflito sobre questões nas quais os ganhos de alguns são necessariamente casados com as perdas de outros”. (ÉDER, 2001, p.02).

A ausência dos espaços formais, legalmente instituídos, leva a sociedade a buscar outras formas de participação nos processos de gestão ambiental de parques, como ocorreu no Gama, após a realização de cursos de educação ambiental, no Parque Recreativo (Prainha).

As dificuldades encontradas durante o processo de criação e estruturação de uma ONG e a descrença em uma possível parceria com a Administração Regional, estimularam um grupo de participantes do referido curso, a levarem a EA, como proposta de ação comunitária aos pastores da Igreja Presbiteriana Renovada do Gama, proposta que foi aceita e criado o GRUPO NATUREZA GOSPEL.

Outros participantes do curso, pertencentes à Igreja Assembléia de Deus, promoveram durante a realização de suas escolas dominicais, ciclo de palestras relacionadas à questão ambiental, a fim de divulgar a temática no meio da Igreja e iniciar as discussões sobre problemas sócio-ambientais.

Um outro grupo, dessa vez, da Igreja Metodista do Gama, solicitou à SEMARH um curso de capacitação em educação ambiental para um grupo de trinta pessoas da sua comunidade, que iriam, posteriormente, iniciar trabalhos comunitários relacionado à temática ambiental com as práticas sociais da Igreja.

Com essas experiências percebe-se que as instituições religiosas se identificam com o discurso da educação ambiental, utilizando-a como inspiração para a prática do “pastoreio”. Dessa forma, as igrejas configuram-se em novos espaços de discussão, de convivência e de participação, no que se refere à gestão ambiental pública, necessária para assegurar os direitos a um meio ambiente equilibrado, necessário a qualidade de vida e sobrevivência de todos.