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CAPÍTULO 2 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS PROCESSOS DE GESTÃO

2.3. Movimentos Sociais, Unidades de Conservação e Educação Ambiental

Procura-se aqui relacionar o surgimento de movimentos sociais em favor de Unidades de Conservação, com a gestão ambiental promovida pelos órgãos de meio ambiente e com a

Educação Ambiental, entendendo esta, como instrumento, tanto da criação de movimentos sociais como da gestão ambiental a ser realizada.

“A Educação Ambiental, sozinha, não pode ser a única transformadora – é preciso o estabelecimento de uma rede de diálogos, que ainda está longe de ser concretizada, embora sejamos conscientes das inúmeras tentativas já iniciadas” (SANTOS; SATO, 2001, p. 02).

É inegável a realização de Educação Ambiental (ou pelo menos a tentativa de se realizar), hoje em dia, por órgãos ambientais, por organizações não-governamentais diversas, por escolas públicas e privadas e até mesmo, pelo setor produtivo. Entretanto, “(...) não é possível construir uma consciência ecológica divorciada da dramática interação dos contrários e da metamorfose que vertiginosamente circula em todo o universo – estamos aprendendo a somar as diferenças” (SANTOS; SATO, 2001, p. 04.).

Nesse sentido, o trabalho de educação ambiental realizado na cidade do Gama, pretende articular esses atores sociais, um grande encontro e debate entre os seus representantes, no momento que tenta congregar todos, seja no Prainha, em escolas, nas Igrejas, na Administração Regional ou em outro espaço, a fim de propiciar o direito de ter voz ativa no processo de tomada de decisão no que diz respeito à gestão ambiental dos espaços públicos. E para se pensar em participação, há que se pensar em uma Educação Ambiental política.

No artigo “Educação Ambiental e a Gestão para a Sustentabilidade”, presente no livro “A Contribuição da Educação Ambiental à Esperança de Pandora” organizado por Michèle Sato e José Eduardo dos Santos, GUIMARÃES9 (2001, p. 183), enfatiza que “em uma concepção crítica de Educação (Ambiental), acredita-se que a transformação da sociedade é causa e conseqüência (relação dialética) da transformação de cada indivíduo, há uma reciprocidade dos processos no qual propicia a transformação de ambos. Nessa visão, educando e educador são agentes sociais e ambientais, sendo estes conteúdos do trabalho pedagógico. Aqui a

9 Artigo “Educação Ambiental e a Gestão para a Sustentabilidade”, obra de Mauro Guimarães, presente no

livro “A Contribuição da Educação Ambiental à Esperança de Pandora” organizado por Michèle Sato e José Eduardo dos Santos (2001, p. 183).

compreensão e atuação sobre as relações de poder que permeiam a sociedade são priorizadas, significando uma educação política”.

Para participar, no entanto, dos processos de tomada de decisão na gestão ambiental pública é necessário ter consciência do significado desta expressão. Para GUIMARÃES (2001, p.186):

A gestão é como um processo de negociação entre forças convergentes e divergentes, que se manifesta no espaço da participação, que atua na construção de uma realidade sócio-ambiental, e que passa pelas “discussões diretas com os setores sociais envolvidos, onde normas e ações são estabelecidas a partir de negociações (interação) entre as partes” (MACHADO, 1996, p. 24 apud GUIMARÃES, 2001).

É importante destacar que em um processo de gestão ambiental pública os diversos atores sociais envolvidos têm diferentes interesses em relação à “coisa” pública e deve prevalecer o direito da coletividade e não do particular, considerando-se aqui, o meio ambiente, como direito da coletividade. Daí a necessidade da sociedade civil ter, de fato, representatividade nos espaços públicos da gestão ambiental, quer sejam conselhos, comissões, grupos de trabalho etc.

Um exemplo de atendimento ao direito de particulares em detrimento do direito coletivo acontece na cidade do Gama, onde condomínios irregulares se instalaram (e ainda se instalam) no Núcleo Rural Remanescente da Ponte Alta Norte, Área de Proteção de Mananciais (APM), APA do Planalto Central. Devido a essas ocupações, a Companhia de Abastecimento e Saneamento Ambiental do DF (CAESB) interrompeu suas atividades nas Unidades de Tratamento Simplificado (UTS), captações dos Córregos Olho d’Água e Ponte de Terra 1 e Ponte de Terra II.

Acredita-se que como resultado de um processo de educação ambiental mais intenso em relação a essa situação e com sua participação garantida na COMDEMA e/ou demais conselhos a luta não teria sido tão desigual.

Ainda segundo GUIMARÃES (2001, p. 186) a participação representa e possibilita a ação interativa entre as forças que se complementam e se contrapõem numa realidade vista como totalidade. A não participação, de qualquer que seja o ator social, principalmente os mais antagonizados pelos problemas ambientais, decompõe a realidade reduzindo-a e simplificando-a, não dando conta da compreensão de sua complexidade e somente possibilitando intervenções parcializadas. Sendo assim, só se efetiva a gestão ambiental para a superação dos problemas ambientais, se a participação de todos os atores sociais envolvidos, que compõem a realidade enfocada, for possível. Explicitando conflitos e viabilizando consensos negociados e não impostos.

E para que haja essa participação é indispensável que ocorra a mobilização social, cujo principal instrumento, em relação à temática ambiental, vem a ser a Educação Ambiental, informando e formando as comunidades e seus representantes sobre meio ambiente, sobre educação, valores e sobre questões sócio ambientais; fazendo-se compreender a complexidade ambiental, os direitos coletivos em relação a meio ambiente e descobrir os meios e os caminhos para a participação.

Portanto, é fundamental a conquista de mecanismos participativos para a gestão ambiental, que garanta a participação dos segmentos sociais mais fragilizados (movimentos populares) no processo de negociação (relações desiguais de poder), já que os setores públicos e privados têm maior capacidade de ocupar o espaço da participação no processo de gestão. Ou seja, significa a ampliação do espaço democrático em nossa sociedade (GUIMARÃES, 2001, p. 187).

Há que se considerar que, para a conquista da participação, é imprescindível o conhecimento a cerca das questões ambientais, em toda a sua complexidade, e de direito, a fim de se ter o poder da argumentação perante aqueles que detêm o poder decisório. A garantia da participação pressupõe a institucionalização da representação social e sua autonomia e sobre isso, colocam-se aqui algumas questões para reflexão:

Como garantir o espaço da participação em projetos de gestão ambiental se ainda, em nossa sociedade, predominam visões reducionistas sobre a realidade, que não privilegiam a participação? Quando “grande parte da população não tem os meios para sua sobrevivência digna, também não tem condições plenas de atuar politicamente de forma independente”. (Acselrad, 1993, 12), como garantir a participação destes segmentos num processo de gestão ambiental? A participação de associações civis tem representatividade/legitimidade perante a sociedade civil? A legitimidade se daria pelo aspecto ético da argumentação ecológica, de lutar por interesses coletivos, segundo Lafaye & Thévenot (1993), pela capacidade de colocar em relação coisas particulares e entidades gerais, caracterizando os instrumentos de justificação legítima que foram forjados pelas comunidades políticas (p.501)? Compreendendo a negociação como um processo em que está implícito relações desiguais de poder, isso não resultará em participação desigual e pouca capacidade de superação dos problemas, já que esses também têm em sua constituição o conflito entre relações de poderes desiguais? Os mecanismos participativos existentes hoje em projetos de gestão ambiental (audiências públicas / comissões representativas) são suficientes em sociedades com poucas tradições democráticas, como a nossa? (GUIMARÃES, 2001, p. 187).

Estas questões suscitam o debate sobre a elaboração e implementação de políticas públicas, capazes de garantir os espaços públicos de participação popular nos processos de gestão ambiental; reforçam a idéia de que as questões ambientais estão intimamente ligadas às questões sociais que carecem de soluções emergenciais e que sejam compatibilizadas com o meio ambiente; chama a atenção para o verdadeiro papel das instituições sociais – organizações não-governamentais – que adotam o discurso ecológico / ambientalista como argumento de luta dos seus interesses particulares. Enfim, esse debate deve acontecer com os poderes legislativo e executivo, juntamente com a sociedade civil.

A criação de mecanismos participativos em si, não resulta em participação efetiva, como se vê em vários projetos de gestão em que existem espaços de participação, como em comissões e audiências públicas, e que representantes de segmentos sociais participam esporadicamente. A participação só se dará de fato com a mobilização, com a motivação (ação em movimento) dos atores sociais em atuar, criando um comprometimento com o processo; ou seja, o espaço da participação é imbricado ao da mobilização e esse se realiza no espaço público (GUIMARÃES, 2001, p. 187).

“O espaço público é aquele onde os homens se reconhecem como iguais,

discutem e decidem o comum. É nesse espaço que se constrói um mundo comum, que é múltiplo – já que ele reflete as perspectivas diferenciadas dos cidadãos -, mas é o mesmo, já que é compartilhado por todos” (Acselrad, 1993, 19 apud GUIMARÃES, 2001, p. 188).

A participação efetiva só se concretiza com a mobilização social; e esta surge a partir de um processo educativo que não só informe, mas forme os indivíduos sobre os conceitos de meio ambiente, sobre a relação sociedade e natureza e por que participar da gestão ambiental pública. Quanto ao espaço público – neste caso, parques – merece destaque por ser o espaço de interesses difusos de diversos atores, ao mesmo tempo em que é o centro de convergências desses mesmos atores.

Compreendendo a participação e o reconhecimento do conflito na construção social da realidade, como imprescindível para a gestão sobre essa realidade, é necessário que se garanta também na gestão ambiental, mecanismos de mobilização, para que se potencialize a eficácia desse processo. Mas uma mobilização política em torno das questões ambientais, já que entende-se a crise ambiental como a “invasão do espaço público pelo

privado. (então) ... As lutas contra as agressões ambientais são lutas pela

construção da esfera pública na natureza e pela introdução da política na gestão do meio ambiente. Pois é através da política que se obterá a desprivatização do meio ambiente e se garantirá o respeito aos direitos ambientais das populações”. (Acselrad, 1993, 19). Portanto, é uma mobilização coletiva comprometida com a democratização e a ampliação do espaço público em nossa sociedade (GUIMARÃES, 2001, p. 188).

A Educação, e em particular a Ambiental, conforme GUIMARÃES (2001, p. 190) é potencialmente um instrumento de gestão por sua capacidade de intervir no processo de construção social da realidade. Destaca-se aqui, porém, a pertinência para a gestão ambiental que pretenda superar os problemas ambientais, de uma Educação Ambiental crítica, já que “há uma abordagem que homogeneíza e superficializa o discurso de Educação ambiental –

com perda do caráter crítico – e que esta postura serve e está a serviço de uma concepção de sociedade e seu projeto de educação que busca ser hegemônico”. Projeto esse comprometido com a manutenção do modelo atual de sociedade responsável pelos problemas ambientais que nos defrontamos nos dias de hoje. É esta, portanto, uma Educação Ambiental que não estimula a participação política e volta-se essencialmente para uma educação comportamental do indivíduo per si, visto atomisticamente na sociedade, conforme discutido também por outros autores.

Há que se considerar aqui que a gestão ambiental promovida pelos órgãos governamentais de meio ambiente é a responsável pela solução de problemas sócio-ambientais relacionados aos espaços públicos naturais e, para isso, a efetivação da educação ambiental no âmbito da instituição e nas comunidades é imprescindível. Integrar as ações educativas com as ações de gestão ambiental, incluindo a educação ambiental nos programas de captação de recursos é uma necessidade para aqueles que pretendem superar os conflitos e problemas sócio ambientais.

Entretanto, ser cidadão e poder participar dos processos decisórios na esfera pública, no que diz respeito a meio ambiente e qualidade de vida tem sido um complicador, visto que as formas de participação, espaços, critérios nunca são amplamente divulgados e, quando são, não são claros para uma população à margem dos conhecimentos e informações ambientais, o que não permite que as comunidades tenham a autoridade da argumentação para defender seus direitos coletivos. Em relação a isto pode-se dizer que:

O cidadão crítico e consciente é aquele que compreende, se interessa, reclama e exige seus direitos ambientais ao setor social correspondente e que, por sua vez, está disposto a exercer sua própria responsabilidade ambiental. Este cidadão, quando se organiza e participa na direção de sua própria vida, adquire poder político e uma capacidade de mudança coletiva. Esse princípio assenta bases sólidas para a construção da sociedade civil, pois são os movimentos sociais, no redimensionamento de sua participação social, os que podem validar o processo para gestar uma utopia de qualidade de vida alternativa, que se atualiza no cotidiano e dentro de um horizonte futuro, desejável e viável (BÁRCENA in GUTIÉRREZ & PRADO apud GUIMARÃES, 2001, p. 191).

Esta Educação Ambiental crítica, que pode ser um instrumento de gestão, se caracteriza por adotar “... uma lógica relacional, flexível, intuitiva e

processual” e “... considerar o mundo do ponto de vista das relações e

integrações e não a partir de entidades isoladas”. (GUTIÉRREZ & PRADO, 1999, 27/30), apta, portanto, a interagir em realidades complexas (GUIMARÃES, 2001, p. 191).

Para GUIMARÃES (2001, p. 191), essa interação se dá pela “práxis” como forma de tomada de consciência, em uma relação dialética entre a teoria e a prática, baseada na compreensão-ação sobre essa realidade.

E coloca os seguintes questionamentos: Se é a Educação um processo educativo de médio e longo prazo, como conciliar com as necessidades de projetos de gestão ambiental que se propõe normalmente para curto prazo (caso de Águas Claras)? Como superar as propostas eminentemente informativas dos componentes de Educação Ambiental (quando existentes) dos projetos de implantação de gestão ambiental? (GUIMARÃES, 2001, p. 193).