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CAPÍTULO I REVISÃO DA LITERATURA CIENTIFICA

2 O protozoário Toxoplasma gondii

2.1 Formas parasitárias

2.1.3 Esporozoíto

O esporozoíto, a forma infetante que se encontra no interior de oocistos esporulados, tem forma de meia-lua, um núcleo basal e numerosos micronemas, grânulos densos e grânulos polissacáridos (Figura 4). Possui roptrias em elevado número com conteúdo de aparência labiríntica, semelhante aos taquizoítos. Esta forma infetante está adaptada para sobreviver em situações inóspitas por se encontrar no interior de oocistos (Dubey, 2010; Weiss e Kim, 2011).

11 Figura 4: Ilustração de um oocisto esporulado de T. gondii, com 2 esporocistos, cada um com 4 esporozoítos. Fonte original.

2.2 Ciclo biológico

A compreensão do ciclo de vida de T. gondii foi um marco importante que despoletou a compreensão e a descoberta de outros géneros de coccidias como Neospora.

T. gondii possui como hospedeiro definitivo os felídeos domésticos e silváticos. Os hospedeiros intermediários podem ser qualquer animal homeotérmico, incluindo os próprios felídeos (Dubey, 2010; Weiss e Kim, 2011; Dubey et al., 2014a).

2.2.1 Transmissão

T. gondii pode ser transmitido por via horizontal ou vertical (Dubey, 2010; Weiss e Kim, 2011). A transmissão galactófora também pode ocorrer (Dubey et al., 2014b).

Os hospedeiros podem ser infetados por qualquer uma das formas infetantes deste protozoário mas, nos felídeos, a infeção é mais eficiente quando a forma infetante é o bradizoíto (Dubey, 2001, 2006). As infeções são naturalmente condicionadas pelos padrões fisiológicos de cada espécie: os oocistos esporulados presentes no meio ambiente são a forma mais frequente de infeção em herbívoros, já os carnívoros têm maior probabilidade de se infetarem através da ingestão de quistos tecidulares presentes nos músculos e sistema nervoso das suas presas (Kijlstra e Jongert, 2009).

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2.2.1.1 Oocistos esporulados

A ingestão de alimento ou água contaminados com oocistos esporulados é a principal via de infeção em várias espécies, principalmente herbívoros, incluindo asininos (Dubey, 2001; Kijlstra e Jongert, 2009; Boughattas et al., 2011; García-Bocanegra et al., 2012). Em nenhuma área geográfica estudada, a seroprevalência de anticorpos para T. gondii em populações de gatos foi negativa. Uma vez que a maioria dos gatos seroconvertem cerca de 3 semanas após a excreção de oocistos, a contaminação ambiental com oocistos assume-se elevada (Dubey, 2010). Associada a este fator está a capacidade do oocisto suportar condições ambientais adversas por longos períodos de tempo mantendo a viabilidade até 548 dias em fezes e resistindo aos desinfetantes convencionais (Dubey, 2010). Os oocistos podem ser disseminados mecanicamente através de invertebrados (Arkush et al., 2003; Lindsay et al., 2001, 2004) e vertebrados, podendo persistir no pelo dos animais (Frenkel et al., 2003) e sobreviver até dois anos em água do mar (Lindsay e Dubey, 2009).

2.2.1.2 Quistos tecidulares

A transmissão através dos bradizoítos ocorre por carnivorismo tendo pouco significado em herbívoros (Kijlstra e Jongert, 2009; Dubey, 2010) podendo ocorrer também através de órgãos transplantados (da Cunha et al., 1993; Dubey, 2010).

A ingestão de bradizoítos é a forma mais eficiente na infeção de gatos (Dubey, 2001, 2006), pois leva a um período pré-patente mais curto, entre 3 a 10 dias, do que nos gatos infetados com oocistos esporulados, onde este período pode ultrapassar os 18 dias (Dubey, 2001).

Os bradizoítos sobrevivem à refrigeração entre -4 e -6ºC, durante dois meses, e podem sobreviver vários dias após a morte do animal. Contudo perdem viabilidade a temperaturas iguais ou inferiores a -12ºC, durante 24 horas e iguais ou superiores a 67ºC, durante 3,5 minutos (Dubey, 2010).

2.2.1.3 Taquizoítos

O taquizoito é a forma infetante mais sensível, pois é incapaz de sobreviver fora do hospedeiro e é sensível a enzimas gástricas proteolíticas. A infeção por via oral com taquizoítos é pouco frequente, sendo mais frequente a infeção por via transplacentária. Ocorre quando há parasitemia durante a gestação e o parasita alcança a placenta causando uma placentite parasitária. O parasita desenvolve-se no tecido fetal causando alterações no desenvolvimento embrionário. Até ao momento, a infeção transplacentária não está descrita

13 em asininos, foi reportada experimentalmente em equinos, é muito rara em bovinos e bastante recorrente em ovinos e em humanos (Marques et al., 1995; Dubey, 2010).

Os estudos publicados referem que o taquizoíto é provavelmente a forma parasitária mais frequentemente envolvida na transmissão galactófora (Chiari et al., 1984; Dehkordi et al., 2013). ADN de T. gondii foi identificado no leite de várias espécies, como cabras, ovelhas e burras (Mancianti et al., 2014; Martini et al., 2014; de Santana Rocha et al., 2015; Luptakova et al., 2015). Está descrita a transmissão pela ingestão de leite cru de cabra, ovelha, camelo e búfalo, assim como queijo de cabra feito com leite cru (Dehkordi et al., 2013; Dubey et al., 2014b).

Durante a fase de parasitemia o transplante de órgãos e transfusão sanguínea também são consideradas vias de transmissão em humanos ou animais podendo ter consequências fatais nos recetores dos órgãos devido a imunodepressão (Weiss e Dubey, 2009; Dubey, 2010).

2.2.2 Fase extraintestinal

Esta fase ocorre em todos os hospedeiros. Após a ingestão de oocistos esporulados ou quistos, ocorre a digestão da parede dos mesmos permitindo aos esporozoítos e aos bradizoítos, respetivamente, serem libertados no lúmen intestinal e penetrarem em enterócitos ou diretamente na lâmina própria. Tal como na fase enteroepitelial, esta situação não se trata de fagocitose mas sim da entrada ativa do parasita na célula hospedeira com a formação de um vacúolo parasitóforo (Cérède et al., 2005; Dubey, 2010; Weiss e Kim, 2011).

Uma vez na célula hospedeira, o esporozoíto ou o bradizoíto, converte-se em taquizoíto e entra numa fase proliferativa rápida multiplicando-se por endodiogenia. Nesta mutilplicação duas células filhas são geradas no interior da célula mãe e consomem gradualmente os recursos desta antes de se separarem dela por completo (Dubey, 2010). O excesso de taquizoítos leva as células hospedeiras a ruturar, os parasítas entram no sistema vascular e ocorre parasitemia. Entre os dias 6 a 10 após a infeção, os taquizoítos podem ser encontrados em qualquer célula do organismo incluindo no cérebro.

É durante esta fase aguda da infeção que o animal pode desenvolver sinais clínicos variados e, no caso de fêmeas gestantes, o parasita pode atravessar a placenta e alcançar o feto, causando aborto ou alterando o desenvolvimento embrionário e fetal. No hospedeiro imunocompetente, o sistema imunitário (SI) do hospedeiro elimina os taquizoítos de circulação e aos 21 dias após a infeção estes já não são visíveis. Para sobreviver à resposta imunitária os taquizoítos convertem-se em bradizoítos ocorrendo a formação dos quistos tecidulares. Parece haver um tipo de tropismo específico para a formação dos quistos pois,

14 apesar de os taquizoítos na fase aguda poderem ser encontrados em qualquer célula do hospedeiro, os quistos predominam no músculo estriado, esquelético e cardíaco e no sistema nervoso central (Dubey, 2010; Cabral et al., 2016).

2.2.3 Fase enteroepitelial

Quando um felídeo seronegativo ingere quistos tecidulares, a parede externa destes é digerida por enzimas proteolíticas permitindo aos bradizoítos serem libertados no lúmen intestinal. Estes penetraram nos enterócitos iniciando a fase de desenvolvimento enteroepitelial. A entrada no enterócito é especializada não se tratando de fagocitose. T. gondii penetra na célula fundindo a sua membrana com a da célula hospedeira, apropriando-se desta para criar o vacúolo parasitóforo, com ambiente favorável ao seu desenvolvimento (Cérède et al., 2005; Dubey, 2010; Weiss e Kim, 2011).

Posteriormente, os bradizoítos entram numa fase proliferativa onde sofrem multiplicação assexuada originando esquizontes. Estes variam morfologicamente entre eles e também variam quanto ao local onde podem ser encontrados tendo sido classificados em esquizontes do tipo A, B, C, D e E (Dubey e Frenkel, 1972; Ferguson, 2009; Dubey, 2010).

Um esquizonte pode originar entre 8 a 30 merozoitos (Ferguson, 2009). Os merozoitos que emergem dos diferentes tipos são morfologicamente diferentes uns dos outros e mantêm a designação de A a E conforme o esquizonte que lhes deu origem. No interior da célula hospedeira vários merozoitos organizam-se em forma de hélice, prontos para serem libertados no lúmen intestinal. Quando libertados invadem novos enterócitos e podem entrar num novo ciclo de reprodução assexuada, ou dar inicio à gametogonia originando macrogametócitos e microgametócitos (Dubey, 2010; Weiss e Kim, 2011).

Os gametócitos aparecem nos enterócitos entre 3 a 15 dias após a ingestão do quisto tecidular e localizam-se preferencialmente no íleo, no topo das vilosidades intestinais. Sabe-se que os merozoitos do Tipo D e E dão origem a gametócitos, no entanto, não está confirmado que os restantes tipos não participem também na sua formação (Dubey, 2010).

Os macrogametas, ou gâmetas femininos, são células grandes, esféricas, mononucleadas com citoplasma abundante. Os microgâmetas são formados pela maturação dos microgametócitos, processo designado de microgametogonia. O merozoíto aumenta de tamanho tornando-se uma célula grande, ovoide ou elíptica, que sofre sucessivas divisões nucleares podendo originar entre 16 a 30 núcleos (Ferguson, 2009; Dubey, 2010). Os microgâmetas deslocam-se para a periferia ficando ligados à célula mãe apenas por um pequeno vínculo na terminação anterior. Nesta fase ocorre a maturação do microgâmeta que termina com a formação de dois flagelos e com a separação completa da célula mãe

15 que fica reduzida a um corpo residual citoplasmático. Este processo é transversal a outras coccídeas (Ferguson, 2009).

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