CAPÍTULO I REVISÃO DA LITERATURA CIENTIFICA
13 A infeção por T gondii no homem
Toxoplasma gondii é um parasita com distribuição mundial mas a sua prevalência em humanos varia entre locais e populações (Tabela 10).
O Brasil apresenta uma grande variação interna possivelmente devido a diferentes condições higiénicas de diferentes cidades. No continente asiático as variações foram ainda maiores pois o número de estudos não é homogéneo entre os diferentes países. Em África
41 vários países não têm estudos e nos que os têm a seroprevalência é consistentemente alta (Pappas et al., 2009).
Na Europa a análise de alguns países foi dificultada pela alteração da amostra em estudo devido a fenómenos de imigração (Pappas et al., 2009). Os valores de seroprevalência variaram entre 64,3% Portugal e 8,2% na Suíça.
Em Portugal, Ângelo (1983) registou 47% de seroprevalência na população geral. Antunes et al. (1981) observaram uma seroprevalência de 64,3% em mulheres grávidas. O estudo mais recente em Portugal é de Lopes et al. (2012) e refere-se a mulheres em idade fértil do Nordeste Transmontano tendo sido observada uma seroprevalência de 24,4%.
Os testes usados e as amostras populacionais caracterizadas poderão influenciar os diferentes resultados mas fatores climáticos como calor e humidade e fatores económicos e culturais, estão também envolvidos nestas variações (Dubey, 2010; Pappas et al., 2009). Algumas atividades profissionais, como apanhadores do lixo (Alvarado-Esquivel et al., 2008) e manipulação da terra sem luvas (Dubey, 2010; Seuri e Koskela, 1992) são consideradas atividades de risco. Em Portugal esta última atividade é um dos principais fatores de risco identificados (Dubey, 2010; Lopes et al., 2012)
A maior parte dos estudos a nível mundial aponta para a diminuição da seroprevalência (Torgerson e Mastroiacovo, 2013). A identificação dos fatores de risco e a implementação de linhas orientadoras para a prevenção da infeção contribuíram possivelmente para esta diminuição (Dubey, 2010; Pappas et al., 2009).
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) a toxoplasmose é uma das principais parasitose de origem alimentar na Europa e na América do Sul e Central. Alguns hábitos alimentas, como comer carne crua, são comportamentos de risco (Pappas et al., 2009; Pomares et al., 2011). Em Portugal, a ingestão de enchidos de porco fumados ou curados foi identificada como fator de risco, assim como o consumo de vegetais, legumes e frutas crus não lavados (Lopes et al., 2012) pois estes alimentos podem conter oocistos de Toxoplasma gondii (Hohweyer et al., 2016).
O consumo de água não filtrada, contaminada com oocistos é considerado um fator de risco e está associado a surtos de toxoplasmose no Brasil (Dubey, 2004; Lindsay e Dubey, 2009; Vaudaux et al., 2010; Capobiango et al., 2015; Vieira et al., 2015) assim como a ingestão de leite cru de várias espécies (Chiari et al., 1984; Dehkordi et al., 2013; Dubey et al., 2014b).O contacto direto com gatos não foi identificado como um dos principais fatores de risco para a infeção em humanos (Pappas et al., 2009; Dubey, 2010).
42 Tabela 10: Seroprevalência de infeção por Toxoplasma gondii em seres humanos.
País Região Amostra (n) Prevalência (%) Referência Americas
Brasil Recife 503 (G) 77,5 Porto et al., 2008
Brasil Brasília 37961 (G) 7,3 Cabral et al., 2008
México Durango 343 (G) 6,1 Alvarado-Esquivel et al., 2006
EUA Nacional >6000 (IF) 11 Jones et al., 2007
Ásia e Oceânia
China Changchun 235 (G) 10,6 Liu et al., 2009
Coreia do Sul Daejon 351 (G) 3,7 Han et al., 2008
India Nova Deli 503 (G) 41,8 Akoijam et al., 2002
Indonésia Jakarta 399 (IF) >60 Terazawa et al., 2003
Irão Babol 241 (IF) 63,9 Youssefi et al., 2007
Tailândia Nacional 1200 (G) 13,2 Sukthana et al., 2000
Turquia Hatay 1651 (G) 52,6 Ocak et al., 2007
Vietnam Nha Trang 300 (G) 11,2 Buchy et al., 2003
Africa
Burquina Faso Ouagadougou 336 (G) 25,3 Simpore et al., 2006
Costa de Marfim Abidjan 1025 (IF) 60 Adou-Bryn et al., 2004
Marrocos Rabat 2456 (G) 50,6 El Mansouri et al., 2007
São Tomé e Principe Nacional 499 (G) 75,2 Hung et al., 2007
Sudão Khartoum e Omdurman 487 (G) 34,1 Elnahas et al., 2003
43 Tabela 10: (Continuação) Seroprevalência de infeção por Toxoplasma gondii em seres humanos.
País Região Amostra (n) Prevalência (%) Referência Europa
Alemanha Pomerânia Ocidental NR (G) 63,2 Fiedler et al., 1999
Bélgica Bruxelas 16541 (G) 48,7 Breugelmans et al., 2005
Eslovénia Nacional 21270 (G) 34 Logar et al., 2002
Espanha Barcelona 16362 (G) 28,6 Muñoz Batet et al., 2004
Espanha Salamanca 2929 (G) 18,8 Gutiérrez-Zufiaurre et al., 2004
Grécia Atenas 3016 (IF) 25,4 Glynou et al., 2005
Irlanda Nacional 20252 (G) 24,6 Ferguson et al., 2008
Itália Roma 8061 (G) 34,4 Ricci et al., 2003
Portugal Lisboa 686 (G) 64,3 Antunes et al., 1981
Portugal Nacional 1675 (P) 47 Ângelo, 1983
Portugal Norte 401 (IF) 24,4 Lopes et al., 2012
Reino Unido Este de Kent 1897 (G) 9,1 Nash et al., 2005
Roménia Timisoara 328 (IF) 57,6 Olariu et al., 2008
Suécia Estocolmo e Escânia 40978 (G) 18 Evengård et al., 2001
Suíça Lausana e Genebra 1000 (IF) 8,2 Zufferey et al., 2007
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13.1 Sintomas e lesões
Seres humanos imunocompetentes com infeção pós-natal são geralmente assintomáticos. No entanto podem apresentar sintomas sistémicos variados como febre, mal-estar, cansaço, dor muscular, garganta inflamada, dores de cabeça e pode ocorrer linfadenite cervical (Dubey, 2004, 2010).
Quando uma mulher adquire a primoinfeção durante a gestação pode transmitir o parasita ao feto. No entanto, a infeção materna com uma estirpe atípica, mesmo que cronicamente infetada com uma estirpe clonal pode levar ao desenvolvimento da patologia fetal (Elbez-Rubinstein et al., 2009). As lesões fetais incluem coriorretinite, calcificações intracerebrais, estrabismo, e hidrocefalia (Dubey, 2004). Várias alterações podem estar presentes no mesmo indivíduo ou os indivíduos podem nascer aparentemente normais e desenvolver sintomas à medida que crescem como deficiências mentais ou motoras, convulsões e problemas oculares. Estima-se que a prevalência de toxoplasmose congénita seja de 1,5 por cada 1000 nascimentos (Torgerson e Mastroiacovo, 2013). Em Portugal, entre o ano de 2007 e 2008 a estimativa foi de 2.9 casos em cada 100 000 nados vivos, mas estes resultados são inconclusivos pelo baixo número de casos reportados (Neto e Ângelo, 2011).
A toxoplasmose ocular pode ser adquirida congenitamente ou no período pós natal (Holland, 2003). Manifesta-se sob a forma de uveíte com coriorretinite afetando geralmente apenas um olho. Os indivíduos apresentam dificuldades visuais que podem progredir para cegueira (Commodaro et al., 2009). Nos Estados Unidos da América 30 a 50% dos casos de uveíte posterior são causados por toxoplasmose (Grigg et al., 2001). Na Europa, apesar de haver relatos de toxoplasmose ocular em países como a França (Fekkar et al., 2011) e a Alemanha (Shobab et al., 2013), não foram encontrados dados relativos à prevalência na Europa ou Portugal.
Pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) ou pacientes sujeitos a transplantes, pertencem ao grupo de risco devido a imunossupressão. Estes estão sujeitos a manifestações mais graves devido à elevada multiplicação e disseminação de taquizoítos no organismo. A encefalite é a principal manifestação em pacientes com SIDA e a toxoplasmose é uma das principais causas de morte nestes doentes (Luft e Remington, 1992; Porter e Sande, 1992; Denkers e Gazzinelli, 1998; Bernardo e Chahin, 2015; Cabral et al., 2016). Em Portugal, em 1992 o Hospital de São João do Porto identificou T. gondii como a infeção oportunista mais frequente do SNC manifestando-se em pacientes transplantados (da Cunha et al., 1993) e em pacientes com SIDA (Miguel et al., 1996).
A infeção por T. gondii tem sido associada a alterações comportamentais e põe-se a hipótese de haver uma relação positiva entre a infeção com T. gondii e a presença de
45 patologias mentais como esquizofrenia e bipolaridade (Vyas et al., 2007; Lamberton et al., 2008; Flegr e Markoš, 2014; Poirotte et al., 2016; Tan e Vyas, 2016).