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A origem do conhecimento, e não somente a do conhecimento intersubjetivo, mas também do objetivo reside no corpo. Não se pode conhecer qualquer pessoa ou coisa antes que o corpo adquira a forma, a aparência, o movimento, o “habitus”, antes que ele com sua fisionomia entre em ação.

Neste capítulo, discutiremos o esporte como potencializador de uma educação sensível, a qual se manifesta nos processos corporais, do corpo em movimento. Para isso, considera-se o jogo com sentido educativo, a intencionalidade do movimento, o corpo como obra de arte e o papel social do esporte como dados importantes para se reaprender a ver o mundo e a prática esportiva, sobretudo na Educação Física.

Em nosso entendimento, nenhuma prática corporal, inclusive a esportiva, ocorre diante de uma lógica determinada, baseada em caminhos previsíveis e estabelecida pelos ditames do pensamento formal e imutável. Para fundamentarmos essa argumentação, nos apoiamos em Schiller, o qual discute a experiência do jogo como um conhecimento estético, investido de beleza, liberdade e sensibilidade. Maurice Merleau-Ponty também se fez igualmente importante por trazer o movimento humano ampliado pela afetação e intenção do corpo que é móvel no mundo, dotado de sentidos sociais, históricos e existenciais, habitado por um conhecimento sensível sempre inacabado. Ademais, recorremos também ao sociólogo Elias, no sentido de compreender o esporte como um campo de considerável significado social que possui códigos de condutas, estruturação e mobilização intensa com as emoções e sentimentos de satisfação, que o faz transcender à racionalidade mecanicista e instrumental para trilhar pelos caminhos da racionalidade estética e educativa, seja na ontologia, seja na epistemologia, ou em ambas, podendo influir na Educação Física e no conhecimento do esporte.

Sabe-se que a experiência no esporte não se limita a estatutos definidos e moldes estabelecidos, porque ela é vivida no corpo, como abertura e como interrogação. Seus sentidos transpassam o corpo, tornam-lhe sensível a este mundo, harmonizando-se com ele, compreendendo-o, e sendo sensibilizado em cada experiência vivida.

Ao vivenciar a prática esportiva, o atleta metamorfoseia-se pelas possibilidades plásticas dos movimentos ali realizados, imprimindo ao vivido um determinado sentido que implica a presença não material em sua essência.

Tal pensamento nos faz pensar o esporte como elemento da cultura e como manifestação do próprio contexto do jogo, no sentido que transcende as necessidades imediatas da vida, conferindo-lhe sentido e significação que não estão na ordem imediata do dado, mas do evocado, da experiência vivida.

Todo esporte existe dentro de um mundo previamente delimitado, dedicado à vivência de uma atividade pré-configurada por regras e procedimentos técnicos e táticos, entretanto, ele necessita de particularidades para que possa acontecer. No campo do vivido, suspenso da realidade corrente, ele se legitima, abre o homem ao mundo, revestindo de significado a vida daqueles que o praticam. Por isso, ele passa a ter função a serviço dos valores e do sentido do humano, características propensas à compreensão do esporte como uma expressão da razão do excesso, da transcendência e da excentricidade, isto é, da razão da liberdade.

É na vivência do corpo com os elementos do esporte, entre a tensão, a emoção e divertimento que o atleta encontra a possibilidade de vínculo sensível com o mundo. Essa experiência comporta sempre uma abertura, amplia o horizonte vivencial e encontra novos sentidos na fruição da experiência estética por ele despertada.

Como afirma Gumbrecht (2007), não há dúvida de que os esportes parecem se qualificar como experiências estéticas, desencadeadas pelo desempenho e performance dos esportistas. Para esse autor, no que se refere ao corpo do atleta, a aparição inesperada dele no espaço assume uma bela forma que se dissolve de maneira rápida e irreversível, podendo ser compreendida como uma espécie de epifania.

O esporte transporta para um estado de múltiplas sensações imprevisíveis. Ele provoca a existência, mobiliza os sentidos e eleva o corpo a experiências inéditas. As sensações do corpo atravessam as fronteiras do poder e dos aspectos tecnicista, instrumentalista e mercantilista. A amplitude do movimento ou a técnica perfeita estão imbuídas de um sentido mais amplo, de modo que a experiência estética do atleta não coaduna com essas características.

O jogo é indefinido e infinito, ele não tem forma, embora tenha regras. Não se conforma em determinações ou em estatísticas prontas. Infinitos são os seus caminhos e abertas são as suas passagens. Tudo ocorre de repente, transportando o corpo por trilhas sensíveis as quais impulsionam o viver para um mundo construído por diversas possibilidades de novas existências.

O mundo sensível vivido pelo corpo no âmbito esportivo dimensiona o atleta para uma abertura do que está em si e no seu entorno, fazendo da vida uma nova forma de conceber o mundo, o que configura a sua existência como algo móvel,

mutante, repleta de significados ainda não vividos. E é por isso que ele sempre deseja jogar novamente, viver o esporte como um contexto infinito.

Não se faz esporte, qualquer que seja, sem regras ou sem adversários. Para vivenciá-lo é preciso organização, delimitação, e também, criação. Pois o que move o esporte não são as determinações impostas ou as vitórias incessantes, mas o prazer que ele sustenta, o fascínio que produz no atleta e o devaneio que ele manifesta. Isto é, uma experiência ordenada, com critérios rígidos a serem seguidos, imbuída de uma experiência lúdica, presente no mover do corpo, vinculada aos sentimentos e às sensibilidades como forma fecunda e motivadora de viver e de jogar.

Acreditamos que no esporte, mesmo diante do rigor e das duras exigências, a experiência sensível do atleta não se deixa anular pela disciplinarização e funcionalidade do esporte, de ascese49, por exemplo.

É no corpo o lugar onde o devaneio e a experiência estética acontecem, em sua função sensível de fazer e de sentir para si mesmo formas de jogar. Nada o separa daquilo que ele pode, que ele cria. E a prática esportiva se estabelece nessa relação. Na intenção e significação, que atua entre sujeito e objeto, entre corpo e mundo, neste estudo, entre atleta e esporte.

Tomando o sentido estético acima descrito, podemos discutir o esporte pautado numa educação como jogo, em que o atleta e o mundo esportivo imbricam- se para realização da expressão criativa. Uma relação que se funda no poder de sentir e de se movimentar, capaz de possibilitar a experiência de um fazer livre e fecundo, assim como afirma Caminha (2012, p. 24) ao tecer sobre as ações do corpo:

Os movimentos previsíveis ou esperados transformam-se em movimentos inesperados ou livres. Os movimentos do corpo não somente acontecem no mundo, como também se dirigem intencionalmente para ele. [...] O corpo- sujeito não apenas realiza atos, como também operacionaliza ações, guiando-se por intenções e desejos. Pelo transbordamento de si, originado pelo sentir, podemos dizer que o corpo se constitui um “eu” como instância mediadora de relacionamentos.

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O esporte em sua relação com o atleta visto pelo viés ascético diz respeito à produção de modos de ser e de relacionar-se consigo e com os outros, por meio de uma prática que exige esforço, repetição e renúncia.

Desse modo, afirmamos que o esporte pode revelar-se como experiência estética e educativa, tendo em vista a possibilidade de viver o corpo para além dos muitos preconceitos e limites impostos pelos códigos sociais. Nele há um arrebatamento tamanho, uma imbricação tão forte, e uma entrega total àquele momento, que somente quem foi ou é atleta reconhece, a partir da experiência vivida, a forma como o jogo é sentido no corpo.

A paixão que envolve o atleta na prática esportiva, a exaustão dos treinos e das competições, e ainda, o fascínio em cada experiência ali vivenciada, habita o corpo e é expressa por meio dos sentidos que entrelaçam um ao outro. Funde-os de tal maneira que não há uma hierarquização do esporte em relação ao atleta. Ao contrário, esse mundo sensível é talismã que se mistura a ele, sendo essa relação a forma vibrante de ele realizar a sua existência.

Nesse pensamento, a experiência esportiva reabilita o sensível, transcende a própria materialidade do esporte e transfigura a vida, pelo viver estético do atleta na ação do jogo.

Nessa direção, pedimos licença a Schiller (1995), pois, nas próximas linhas que se seguirão, refletiremos o esporte não como jogo, visto que não se pode traçar uma semelhança entre eles, mas sim uma interface, que permite ao esporte, por meio do da dimensão sensível ser vinculado, a cultura estética, isto é, o estado de jogo proposto pelo autor.

O estado de jogo permitido pelo esporte, ou seja, a disposição estética do atleta diante daquela experiência possibilita à razão se iniciar no campo da sensibilidade e a rigidez de sua estruturação passar a ser despedaçado dentro da dimensão sensível ali encontrada. Isto porque, o atleta é envolvido de tal maneira que o esporte é uma oportunidade para instalar no corpo a razão, a animalidade, a ética e a estética de sua condição humana.

Na teoria estética de Schiller (1995) o jogo tem um sentido educativo, ele aparece como elemento da cultura humana, ligando dois aspectos fundamentais do homem, a razão e a sensibilidade.

Como afirma o autor em suas cartas, a educação estética do homem traz uma formação política, social, moral, epistemológica e pedagógica. Para ele, diante da liberdade humana, o que se deve e ou se quer ser, o caminho proposto é a educação estética, em que, entrelaçada ao lúdico, inclina-se à sensibilidade, à

pulsão e aos ânimos, de tal maneira que transcendem as determinações da razão. Em suas palavras:

Quando as duas qualidades se unificam, o homem conjuga a máxima plenitude de existência à máxima independência e liberdade, abarcando o mundo em lugar de nele perder-se e submetendo a infinita multiplicidade dos fenômenos a unidade de sua razão (SCHILLER, 1995, p. 73).

Essa conciliação antagônica compõe a ideia de humanidade, que somente é conquistada no decurso existencial e estético. Uma realidade humana que não é somente guiada pela inteligência, nem pela natureza, mas também pelas sensações, pelos sentimentos, pela experiência estética.

Dimensão educativa que faz confluir sentimentos e emoções. Sensações que o homem utiliza para aprender sobre as coisas que o rodeiam e para viver uma dupla função: realizar-se como pessoa e mover-se esteticamente pelo mundo.

Para o autor supracitado, o lúdico transcende a relação imediata que tem com o prazer, inserindo-se no contexto de construção do homem e da sociedade. Seu pensamento visa integrar todas as capacidades e potencialidades humanas, fazendo do prazer estético uma nova possibilidade de educação.

É através do jogo, na satisfação do impulso lúdico que Schiller (1995) reconhece a integralidade do homem. Tal impulso, o lúdico, não é um instinto particular ou espontâneo, mas uma imanência entre o biológico e o sensível, entre a razão e a emoção. É o equilíbrio que possibilita encontrar as limitações da sensibilidade e da razão a atuar juntas, sem que uma sobreponha à outra.

Nessa condição necessária para um ideal de educação, o corpo em movimento, o homem que joga pode evidenciar os fundamentos para a grandeza e excelência da humanidade, de tal maneira que “o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra, e somente é homem pleno quando joga” (SCHILLER, 1995, p. 84).

Assim, o jogo revela-se como princípio de beleza da humanidade, de interação entre os sentidos e a razão, e também de liberdade do sentir, sendo capaz de superar essas oposições.

Com isso, surge o prazer estético, o jogar como experiência significativa que torna o jogo uma possibilidade de educação, tendo no estado lúdico a possibilidade

do homem tornar-se integralmente homem, não por meio didático, mas como experiência que faz o sujeito conhecedor do mundo.

Para Schiller (1995) o jogo é elemento significante para o homem, ou seja, tem função social. No sentido de que, nele há significações como o prazer, a beleza, o lúdico e o estético que engendra no homem não somente uma razão desprovida de sensibilidade, mas um princípio de unidade e também de legalidade e de liberdade.

Certamente, o esporte como uma manifestação cultural dada a sua penetração mundial, possui características que o tornam um fenômeno popular, um meio de entretenimento, de prazer e evação que influencia as culturas lúdicas localizadas.

Desta forma, enquanto expressão social ele está presente de uma forma descomunal em nossa sociedade, permeando o imaginário (paixão, mitologia, ideologia da superação, etc.), causando comoções, e tendo, sobretudo, significação própria pelos diversos grupos que o compõem.

A partir disso, aproximamos a noção de jogo do autor citado ao discurso sobre o esporte realizado nos capítulos anteriores, por entender que nele existem as relações do lúdico com a natureza da estética e do jogo.

Conforme visto, tanto nas experimentações com os elementos do jogo quanto nas ricas possibilidades que se abrem no contexto fílmico, o atleta aprende e compreende sobre sua existência a partir das experiências dos movimentos e das relações com o mundo esportivo. São graus de conflito, de harmonia, de prazer, de criação e de devaneios que vão despertando o sentido da vida.

Em sua capacidade de jogo, o esporte permite improvisar, criar e refazer as realidades mais complexas, evocando a necessidade de se trabalhar não somente diante de valores competitivos, mas junto a isso, ante a solidariedade, a cooperação, a liberdade, a participação, o encontro, a alegria e o prazer como entonação da melodia do jogo e da vida.

Reconhecemos que as relações entre o lúdico, o estético e o educativo não se referem a qualquer prática esportiva, mas a um esporte que envolve o atleta pela dimensão estética do existir, em suas ambivalências e imponderações. Nas indeterminações, nos diálogos e nas criações do viver estético que rompem as

barreiras do determinismo das coisas prontas, ecoando nos recônditos do corpo, uma variedade de sentidos e significados.

Em várias situações no esporte, como já mencionamos anteriormente, podemos vislumbrar um aprender que transgride a reprodução, a previsibilidade e a funcionalidade como realidade onipotentes. É possível pensar o esporte a partir da perspectiva daquele que joga, do corpo que se entrega às sensações do jogo e vive de forma sensível a experiência do corpo em movimento, afinal,

No corpo desportivo, melhor dizendo, nos diferentes usos e versões desportivos do corpo – tal como nos outros modelos de corpo –, esculpe-se, em carne, sangue e osso, toda uma filosofia de vida, iluminada pela claridade espiritual e cultural, ética e moral. Assim, haja olhos, sensibilidade, lucidez e humildade para ver, entender e reconhecer (BENTO, 2006, p.172).

Nesse contexto, multiplicam-se os sinais e indicadores de que o corpo do atleta não é somente submisso no contexto esportivo. Essa mesma submissão é capaz de produzir possibilidades de imprevisão ocasionada pela técnica que se funda na criação subjetiva.

O mesmo leque que faz do esporte uma prática disciplinar e rígida, dimensiona o atleta para uma experiência ontológica e saber estético imbricados com as coisas do sensível e do fazer humano.

O esporte educa pela sua dinâmica de coexistir com o atleta, na experiência do jogar, no devaneio do jogo e nos paradoxos que ele solicita. Um mover que se faz pelo aprender, pelo refazer e pelo existir, abertos às experiências do corpo em sua condição sensível.

Ao afirmamos que o esporte é uma experiência estética e educativa, acreditamos que esse educar se manifesta nos movimentos corporais, nos diálogos e resignificações ali experienciados. Lugar onde o corpo atinge sua (im)potência, (in)finitude, (in)suficiência e (d)eficiência que o limitam e lhe distendem (BENTO, 2006).

Ademais, o jogo e os movimentos dos atletas, por serem considerados mutáveis, mostram que a intencionalidade dos gestos expressa a maneira única de existir no momento vivido, uma vez que o corpo humano, por estar atado ao mundo por meio de uma relação dinâmica, atribui sentidos que se renovam conforme a

situação, pois é certo que “não há uma palavra, um gesto humano, mesmo distraídos ou habituais, que não tenham uma significação” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 17).

Nessa direção, a intencionalidade torna-se importante nessa discussão, pois, para Merleau-Ponty (2011), é ela que permite ao homem mover-se no mundo, criar horizontes e alargar a experiência vivida. Nesta, os movimentos do corpo não são somente ações mecânicas, desprovidas de intencionalidade. O sujeito que percebe o mundo através de sua motricidade opera não no “eu penso”, mas no “eu posso”. E quem pode é o corpo, em sua capacidade móvel de assumir o mundo em que está inscrito.

Aprender o sentido da experiência em estado nascente é o esforço que Merleau-Ponty efetua em suas reflexões, através de diálogos e críticas à tradição científica e filosófica, ao tomar por fundamento da experiência humana não mais uma consciência constituinte do mundo, mas como existência encarnada, feita pelo corpo no contato espontâneo com o mundo sensível e inteligível.

Essa intencionalidade operante de que trata o filósofo não é um juízo lógico e racional, mas uma conquista do homem em situação no mundo, permitindo-lhe a compreensão de algo de modo consciente, ou seja, uma cinestesia possível por sua condição corpórea.

Reforçamos que a atitude do autor supracitado em relação a nossa capacidade motriz não é de um movimento como um deslocamento fundando por ordens mecânicas, mas uma mobilização em que o homem executa para assumir o mundo em que está inserido, sendo a intencionalidade a função que integra pensamento e movimento como uma dimensão corporal em que são fundadas as significações existenciais.

Nessa perspectiva, não sendo o corpo um mero objeto orgânico, que se move por uma função de uma representação, mas uma rede de intencionalidade, um lócus de comunicação onde nascem as significações dadas ao mundo, ele forma a atividade expressiva que sobrepuja a diferenciação entre o subjetivo e o objetivo, ao integrá-los em razão dos projetos aos quais se polariza, em outras palavras: “Só posso compreender a função do corpo vivo realizando-a eu mesmo e na medida em que sou um corpo que se levanta em direção ao mundo” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 114).

Sendo, então, o corpo horizonte latente de toda experiência, pode-se compreender que a consciência, o corpo e o mundo não são três estruturas dissociadas, mas unidades existenciais que só atuam quando relacionadas entre si, operando por meio do experimentável, da motricidade e da dialética corpo-outro, corpo-objeto, corpo-mundo.

Desse modo, a intencionalidade deixa de ser a propriedade da consciência isolada e constituinte para ser característica de um sujeito voltado ao mundo, dispostos às coisas e aos outros, vivida de forma dinâmica pelos movimentos do corpo, colocando-o em contato com tudo que o cerca.

Sobre isso, Caminha (2010), ao refletir acerca da experiência perceptiva em Merleau-Ponty, como uma ação efetiva daquilo que se dispõe em volta do homem, realizada no mundo e também nele, declara que cada movimento de nosso corpo dá o poder de nos orientar e desabrochar nosso ser no mundo. Logo, na medida em que nós podemos nos situar de uma maneira dinâmica com o corpo no mundo, torna impossível pensar o aspecto motor como uma exterioridade absolutamente objetiva para além do modo de ser corpo vivido, assim sendo: “[...] o corpo do sujeito que percebe deve ser concebido como ato motor, por meio do qual a dimensão sensitiva não é dissociada da função motriz” (CAMINHA, 2010, p. 177).

Tanto na experiência do corpo em jogo quanto no corpo do cinema, os movimentos no esporte não são um conjunto de ações vitais, determinadas exclusivamente por ações biológicas, sem intervenção de atitudes intencionais. Conforme visto, para poder compreender o jogo, o corpo que executa movimentos é ao mesmo tempo sujeito pensante e sujeito corporal, constituindo o paradoxo do ser no mundo esportivo.

E o esporte é este lugar onde o homem pode experimentar suas intenções, seus limites e suas potencialidades. Uma relação eu-outrem-mundo que permite ao corpo se explicitar, celebrar suas peripécias, sublimar a dor, enfrentar a derrota e entender o choro como sentimentos presentes na vida, retirando-o da zona de coisificação, para instituir-lhes como sede de significações para além do protótipo biológico e natural. Ou seja, nós somos o nosso corpo, ele é a medida e a expressão do nosso ser; no mínimo, as duas qualidades estão inter-relacionadas (MERLEAU- PONTY, 2011).

Na perspectiva filosófica de Merleau-Ponty, o corpo não é uma coisa nem uma ideia abstrata, mas presença sensível e intencional, que faz do homem perceptivo uma consciência encarnada no mundo, capaz de reaprendê-lo constantemente, o qual, não sendo espontâneo, se manifesta no corpo próprio, por meio da motricidade e das relações estabelecidas com os outros e com o mundo.

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