• Nenhum resultado encontrado

Estabelecimento de previsões sobre o texto

3.1. Estratégias de leitura

3.1.1. As estratégias anteriores à leitura

3.1.1.4. Estabelecimento de previsões sobre o texto

Kleiman (1996) afirma que quanto mais se pode prever o conteúdo do texto, maior será a compreensão. Na superestrutura78, títulos, subtítulos, ilustrações, palavras sublinhadas, mudanças de letra, cabeçalhos etc. e no seu próprio conhecimento sobre o assunto tratado o leitor encontra pistas que auxiliam na tarefa de estabelecer previsões (Solé, 1998). A observação destes aspectos permite a formulação de uma série de hipóteses pertinentes - mesmo que todas não estejam contempladas na mensagem do texto.

Solé também afirma que o professor exerce um papel positivo quando suscita nos estudantes a vontade de estabelecer previsões sobre um determinado texto e indica a leitura como meio para verificar se estas previsões se confirmam.

Nesta sequência, as crianças se tornam protagonistas da atividade de leitura, não só porque leem, mas porque transformam a leitura em algo seu – o que é que eu penso, até que ponto minha opinião é correta. Aprendem como suas contribuições são necessárias para a leitura e veem nesta um meio de conhecer a história e de verificar suas próprias previsões (p.109).

Edwards e Mercer (1988) Constatam que na escola, via de regra, os professores dedicam a maior parte do tempo a formular perguntas sobre o

78 Para Van Dijk, 1983, p. 142 apud Solé, 1998, p. 83, a superestrutura são as estruturas globais que caracterizam o tipo de um texto. Portanto, uma estrutura narrativa é uma superestrutura, independentemente do conteúdo (isto é, da macroestrutura) da narração, ainda que vejamos que as superestruturas impõem certas limitações ao conteúdo de um texto.

130 texto e os alunos a tentar ou, de fato, respondê-las. No entanto, alguém que assume a responsabilidade em seu processo de aprendizagem não se limita a responder perguntas já feitas e sim a fazer perguntas e a autointerrogação. Ao fazer perguntas sobre os textos o leitor utiliza seus conhecimentos prévios e adquire simultaneamente a consciência do que sabe ou não sabe sobre o tema. Neste sentido, o ato de ler passa a ter um objetivo - a confirmação das hipóteses e/ou a busca de respostas – e um significado para o estudante. Algumas perguntas podem ser induzidas pelo professor ou mesmo negociadas com os estudantes. O importante é que eles possam participar da formulação.

Contudo, as perguntas devem estar em sintonia com o objetivo geral da leitura proposta. Se o objetivo é uma compreensão global do texto, as perguntas, quando pertinentes, não deverão estar vinculadas a aspectos e informações muito específicos. Neste caso a pergunta pertinente é aquela que leva o leitor em direção ao tema do texto, suas idéias principais ou seu núcleo argumentativo (Solé, 1998). Assim as perguntas produzidas pelos estudantes podem ser variadas, mas serão pertinentes se fizerem referência aos componentes essenciais do texto.

Cabe ressaltar que as atividades escolares que levam o aluno a buscar a compreensão global dos textos são geralmente mais propícias à formação de leitores autônomos. Kleiman (1996) observa que frente a uma tarefa que promove a leitura global do texto, os estudantes conseguem integrar as informações e parafraseá-las através de um texto coeso e coerente, ao passo que os estudantes que executam tarefas que promovem a depreensão sequencial dos significados, não reconstróem as informações de um todo integrado nem conseguem parafraseá-las de maneira coesa e coerente, revelando inconsistências, equívocos e incompreensão.

No campo da História, o estabelecimento de previsões deve estar orientado numa perspectiva também própria da disciplina. Vejamos, por exemplo, o caso dos documentos utilizados como recurso didático. Para Febvre (1949, ed. 1953, p. 428 apud Le Goff, 1994, p. 536), que apresenta uma definição ampla, documento é

131 tudo aquilo que pertence ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. Além dos documentos escritos uma infinidade de outros tantos como signos, paisagens, telhas, ervas daninhas, eclipes da lua, atrelagem dos cavalos de tiro, exames de pedras feitos pelos geólogos, as análises de metais feitas pelos químicos... servem como fontes históricas para o trabalho do historiador.

Neste sentido, com fins pedagógicos, o uso de documentos em sala de aula pode possibilitar ao leitor/estudante a leitura de diferentes linguagens e em suportes diversificados. Entretanto, a imensa variedade disponível para o uso pedagógico exige também que as análises implementadas sejam compatíveis com a linguagem e as especificidades em que a comunicação foi produzida originalmente por cada documento. Bittencourt (2004) classifica toda essa gama documental em três tipos: os escritos, os materiais (objetos de arte ou do cotidiano, construções...) e os visuais ou audiovisuais (imagens fixas ou em movimento, gráficas, musicais).

March Bloch (1941-42,apud Le Goff,1944,p.540) chama a atenção para o fato de que os documentos escritos não são necessariamente mais importantes ou portadores de mais informações que os demais.

Seria uma grande ilusão imaginar (...) que o historiador das religiões se contentaria em consultar os tratados de teologia ou das recolhas de hinos. Ele sabe bem que sobre as crenças e as sensibilidades mortas, as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santuários, a disposição e o mobiliário das tumbas, têm pelo menos tanto para lhe dizer quanto muitos escritos (Apologie pour I’histoire ou métier d’historien).

Entretanto, os documentos escritos têm sido os mais comuns e tradicionalmente utilizados nas aulas de História e nos livros didáticos. Um tipo de documento escrito muito presente nas aulas de História são os jornais. Em um levantamento com cerca de cinquenta professores da rede pública de ensino de São Paulo sobre o ensino da história mais recente do Brasil (com destaque para o período da última ditadura militar) conclui-se que as notícias de jornais eram um dos tipos de materiais de apoio pedagógico aos quais os professores recorriam com maior frequência, alcançando 83,8 por cento do universo de docentes pesquisados, seguidos de filmes e músicas que eram adotados por 80,6 e 77,4 por cento, respectivamente (Bittencourt, 2004).

132 No entanto, constatou-se que o uso de jornais como material pedagógico não vem acompanhado de projetos que levem a uma análise crítica desta fonte de informação (Bittencourt, 2004). Muitas vezes este tipo de documento é tido, inocentemente, como uma fonte de informações incontestável e produzido sob a égide da imparcialidade. Como Le Goff (1994) nos chama atenção, o documento nada mais é do que o resultado de uma montagem, deliberada ou inconsciente, da época e da sociedade que o produziu e das épocas posteriores durante as quais sobreviveu esquecido ou mesmo manipulado. Para o autor, o documento sempre é um monumento, ou seja, é o resultado do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. Nesse sentido, não existe documento-verdade. Todo o documento é mentira e diante dele o historiador não pode exercer um papel ingênuo.

Deste modo, fica evidente que no plano pedagógico, o uso de textos jornalísticos não pode considerar a notícia como um discurso imparcial ou neutro.

A veiculação das notícias e informações, com ou sem análise por parte dos jornalistas, precisa ser apreendida em sua ausência de imparcialidade, para que se possa realizar uma crítica referente aos limites do texto e aos interesses de poder implícitos nele (Bittencourt, 2004, p. 337).

Como monumentos que são, os textos oriundos de jornais foram produzidos por pessoas, grupos, instituições que possuem interesses diversos, posições políticas, concepções, enfim, uma série de posicionamentos – inconscientes ou deliberados – que através desta linguagem expressam uma determinada visão da realidade. Ao dar um tratamento científico ao processo de construção da memória, os historiadores selecionam e avaliam os monumentos não apenas pelos aspectos para os quais explicitamente chamam a atenção, mas também por aquilo que deixam de dizer, na intenção velada, inconsciente de seus produtores, bem como nas condições e no contexto de sua produção.

Nesse sentido, o texto jornalístico utilizado como documento nas aulas de História pode suscitar nos estudantes questionamentos prévios à leitura tais como: De qual assunto trata a notícia/matéria? O que já sei sobre o tema? a notícia/matéria analisada foi escrita em qual jornal? A que grupo/empresa

133 pertencia este veículo? Em que momento histórico foi produzida? Qual foi a posição adotada de forma explícita ou implícita? Outras posições poderiam ser adotadas neste caso? Algum fato ou informação importante foram omitidos? Existem posições diferenciadas na época daquelas que foram adotadas na notícia/matéria em questão?

Na medida em que o leitor aprende a formular suas próprias perguntas com pertinência para os textos que lhe são dados à interpretação - conscientes de que diferentes estruturas textuais possuem tipos diversificados de informação e exigem também perguntas diferenciadas - aprenderão a autodirecionar sua leitura de maneira eficaz. Se a formulação de perguntas pertinentes sobre o que vai ser lido possibilita uma melhor compreensão do texto, esta estratégia torna-se fundamental quando se pretende aprender a partir da leitura de textos (Solé, 1998).