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Projeto Araribá e Protocolos de Leitura

Neste capítulo, abordaremos e reapresentaremos sucintamente as categorias Mise en texte e Mise en livre produzidas por Roger Chartier (2003) que forneceram as bases para análise dos protocolos de leitura da coleção Araribá. Discutiremos o contexto político e econômico com o qual interagiram os editores durante a publicação e comercialização da Coleção Araribá por entendermos que este certamente influenciou o processo de produção da obra. Descreveremos os resultados de nossa análise do Guia e Recursos Didáticos que nos permitiu conhecer os pressupostos teórico-metodológicos que orientaram a confecção do livro destinado do estudante.

Em seguida, apresentaremos os resultados da avaliação do livro do aluno. E, por fim, demonstraremos os resultados da comparação analítica entre as proposições anunciadas no Guia e Recursos Didáticos e as didatizadas no livro do estudante, bem como as relações entre estas com a produção acadêmica sobre leitura e letramento. Por fim, demonstraremos que existe a incorporação de alguns aspectos da produção acadêmica, por um lado; e, por outro, é perceptível a contradição ou um silenciamento em relação a aspectos das pesquisas produzidas no campo.

Como já demonstrado no capítulo 1, os estudos de Roger Chartier abriram novas possibilidades de investigação sobre livros ao chamar a atenção dos pesquisadores, até então centrados na intencionalidade dos autores, para a materialidade sobre a qual foi produzida uma obra e as intervenções efetivadas pelos editores. Nesta perspectiva, o livro passou a ser visto como o resultado do tangenciamento das perspectivas e intenções de autores e editores construído a respeito do leitor e materializado num impresso. Para designar as marcas produzidas por cada um desses agentes numa obra, Chartier criou duas categorias conceituais: Mise en texte e Mise en Livre.

Aos comandos linguísticos e estéticos produzidos por um autor em seu

texto com o objetivo de provocar certo tipo de leitura ou comunicação com seus leitores denominou-se Mise en texte. Mise en Livre foi um conceito utilizado

151 para designar as intervenções que os editores produzem em um livro – orientados pela visão que possuem dos níveis de compreensão leitora daqueles a quem destinam prioritariamente uma obra - como, por exemplo, no tipo de capa, introdução de paratextos, tamanho e diagramação do texto, tipo de letra, tamanho da mancha tipográfica, introdução de figuras, notas explicativas, confecção de orelhas, bem como uma série de interferências no próprio texto produzido pelos autores, inserindo modificações de várias ordens – de alterações sintáticas à distribuição dos capítulos. (Chartier, 2003) 84.

Guiados por uma representação clara dos níveis de conhecimento e do universo cultural de seus leitores - bem como dos pensamentos e da conduta que desejam persuadir neles - autores e editores produzem a escrita e a edição de um livro. Nesse sentido, a obra traz em si um Protocolo de Leitura, ou seja, certa leitura e interpretação imaginadas por seus produtores. Esse protocolo de leitura é encontrado por meio da interpretação correta e o uso adequado do texto na forma como concebida por autores e editores. Apresentados de formas explícitas ou veladas, estes protocolos podem ser decifrados e explicitados por meio de uma análise mais detalhada de uma obra. Como afirma Chartier (2001), é

possível, portanto, interrogando de novo os textos e os livros, revelar as leituras que (autores e editores) pretendiam produzir, ou aquelas tidas como aptas para decifrar o material que davam a ler ( p. 20).

No caso específico do objeto desta pesquisa, a busca do protocolo de leitura estabelecido de forma explícita e/ou através dos grafismos, da redação e organização textuais, do tipo de paginação, da variedade e forma de utilização das cores, da disposição e tipo de imagens disponibilizadas, dos modelos de exercícios e atividades propostos, enfim, analisado através das categorias Mise en texte e o Mise en livre nos possibilitarão definir para qual leitor modelo a Coleção Projeto Araribá – História foi construída, qual o conceito de compreensão leitora e de letramento está embutido em suas

84 Entretanto, a junção de posições diferenciadas nem sempre permitem que as fronteiras entre as intervenções de autores e editores num livro sejam tão nítidas para análise do pesquisador. De forma dialógica, as posições de autores e editores acabam por se fundirem na confecção de uma obra.

152 páginas e quais as proposições são apontadas para alcançá-la ao longo da obra.

Contudo, a análise de uma pesquisa não pode ficar restrita àquilo que está exposto na obra. É importante atentar-se ao que está implícito ou mesmo omitido em suas páginas. Como aponta Choppin (2004) a análise do pesquisador não pode deter-se apenas nas questões escritas num material. Durante a pesquisa é preciso estar atento àquilo que foi silenciado, pois se o livro didático é um espelho, pode ser também uma tela (p. 557). Le Goff (1994) ao tratar dos documentos históricos afirma que o historiador deve adotar procedimentos que levem à elucidação e análise que ultrapassem o significado aparente dos documentos.

O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram (...) O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmitificando-lhe o seu significado aparente (p.547-8).

De modo semelhante, o pesquisador de livros didáticos deve estar atento ao não dito, aos silenciamentos, ao que ficou camuflado ou que foi - aparentemente ou de fato - esquecido. Nesse sentido, um passo importante para a análise da Coleção Projeto Araribá, bem como de qualquer outra, é a investigação de quem são seus editores, os contextos político e econômico com o qual interagiram durante a publicação e comercialização da obra que certamente influenciaram nas decisões editoriais tomadas e podem trazer à luz outras dimensões até então “invisíveis”.