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CAPÍTULO II Revisão de literatura

2.2. Enquadramento teórico

2.2.4. Estabilidade do corpo docente e a continuidade do desempenho do cargo de

No Despacho n.º 8774/2008, de 26 de março, é explícita a valorização da estabilidade dos docentes. Neste, manifesta-se a intenção de “reforçar o princípio da estabilidade do sistema de colocações do corpo docente, da continuidade pedagógica, da estabilização da ligação funcional e do interesse público, o que se traduzirá, necessariamente, na melhoria dos resultados escolares dos alunos, …”. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro, diploma que procede à alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (abreviadamente designado por Estatuto da Carreira Docente, ou ECD), sublinha este interesse no seu preâmbulo, ao definir “as grandes linhas de orientação do novo regime de avaliação do desempenho docente.” e legitimar a necessidade desta reforma com a “criação de condições para a estabilidade e dignificação da profissão docente”.

Já na alínea i) do n.º 2 do art.º 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2012/M, de 29 de agosto, ECD da RAM, é indicado o “Direito à estabilidade profissional”, como sendo um dos direitos profissionais específicos do pessoal docente, o qual “é salvaguardado pelo acesso aos quadros mediante concurso.” (art.º 12.º).

Face ao exposto nos diplomas mencionados, seríamos levados a crer que a estabilidade dos docentes seria mais do que um cuidado, um pressuposto da educação em Portugal. Todavia, tal não corresponde à realidade, daí que este problema ainda hoje persista.

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A docência caracteriza-se pela interacção pessoal prolongada. Contudo, esta dimensão é subvalorizada pelo Estado quando mantém um sistema de concurso para recrutamento e colocação de professores nas escolas portuguesas que provoca um processo de mobilidade docente compulsiva, que, por sua vez, conduz à descontinuidade da relação pedagógica. (p. 16)

Ainda para os mesmos autores, esta “mobilidade docente é um problema pedagógico na medida em que afecta as relações interpessoais, as relações pedagógicas, as relações profissionais; é um problema pedagógico porque a descontinuidade tem claras implicações no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças.” (p. 17). Ou seja, a “continuidade é um indicador da racionalidade e, simultaneamente, um potenciador do máximo desenvolvimento individual no processo de aprendizagem [dos alunos].” (Zabalza, 1994, p. 39).

Lamentavelmente, esta situação atravessa fronteiras, o que, poderá ser, em simultâneo, benéfico, pois haverá mais interessados na sua resolução.

Num estudo da autoria de Kumar e Waymack (2014), “Unequal access, unequal results: Equitable teacher distribution in Miami-Dade County Public Schools”, são emanadas recomendações para minimizar as diferenças verificadas na distribuição de docentes por diferentes zonas e, consequentemente, escolas, sendo algumas destas:

Experiência do docente

- desenvolver incentivos (incluindo pecuniários) para equipas de docentes de elevado desempenho irem para escolas mais necessitadas;

- definir requisitos específicos para lecionar em escolas de baixo desempenho, devendo estes docentes ter salário superior e maior apoio;

- dar aos diretores [e/ou presidentes do conselho executivo, em Portugal] flexibilidade para atribuir turmas a docentes que eles acreditem estar melhor equipados para corresponder às necessidades dos alunos e para treiná-los para tomar boas decisões;

Manutenção do docente

- treinar os diretores em estratégias que incentivem a manutenção de docentes com elevado desempenho e a dispensa daqueles que têm baixo desempenho;

- analisar o clima organizacional de escolas com problemas em manter o seu corpo docente;

- associar o desenvolvimento profissional aos resultados da avaliação;

- procurar medidas mais eficazes para recompensar docentes com melhor desempenho; Desempenho do docente

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- Redefinir as políticas de colocação/afetação de docentes às escolas.

Na conjuntura atual, as medidas associadas a verbas parecem-nos de difícil implementação. Em relação às restantes, assim como a outras já apontadas ou que possam surgir em novos estudos, interessa dissecar a sua viabilidade nas escolas portuguesas, bem como os efeitos que delas possam advir, visando a melhoria do ensino.

Quanto aos DT especificamente, por um lado, a mobilidade dos professores constitui umas das dificuldades institucionais a enfrentar, a par de outras, como: horários de atendimento pouco adequados, falta de coordenação da equipa pedagógica, falta de meios e escasso reconhecimento social da função (Marques, 2002, p. 24). Por outro, ele próprio, como docente, bem como as organizações, deparam-se com a questão da continuidade do desempenho do cargo.

Adicionalmente, na designação dos DT, apesar de haver direções de turma que são atribuídas aos professores que as solicitaram aquando do preenchimento do documento de preferências do horário, no final de cada ano letivo, e de já haver alguma preocupação nas escolas, para a manutenção de um dado DT ao longo de um ciclo, ainda continua a verificar-se a atribuição de direções de turma de forma aleatória, sendo os horários atribuídos aos professores já com essa indicação. “Acresce ainda que, por vezes, a atribuição do cargo é objecto de negociação e alguns professores movem influências no sentido de este não lhes ser incluído no horário.” (Sá, 1997, p. 7).

Acerca desta “atribuição de professores às diferentes categorias de alunos”, Antunes e Sá (2008) referem que “os efeitos agregados de processos envolvidos com a atribuição de professores e turmas podem saldar-se por um apreciável desequilíbrio de interesses, beneficiando e desfavorecendo determinadas categorias de alunos.” (p. 70).

Um outro aspeto a considerar é a permanência do professor na mesma turma. Analogamente à designação do DT, apresenta vantagens e desvantagens, sendo desejável que ocorra apenas quando comprovadamente benéfica, caso contrário não. Porém, parecem prevalecer as compensações da sua estabilidade, de uma forma genérica, até porque “Quanto maior for a mobilidade dos professores, mais difícil será o relacionamento com a comunidade e com as famílias” (Marques, 2001, p. 37). L. M. P. R. Sousa (2010) corrobora a ideia, referindo: “Consideramos fundamental, sempre que possível, o cargo de DT ter continuidade dentro do mesmo ciclo para que haja um melhor acompanhamento dos alunos.” (p. 48).

Se o “director de turma, e o conselho de turma, enquanto estruturas pedagógicas de gestão intermédia, surgem em boa parte legitimados como esforços de recomposição e

31 como tentativas de estabelecimento de uma certa coordenação e conexão no interior de processos relativamente desarticulados.” (Sá, 1997, p. 6), seria espectável em termos organizacionais, que se assegurasse, de forma prioritária, a manutenção dos professores detentores do cargo de DT que desejassem sê-lo e, paralelamente, fossem detentores das competências exigíveis para o efeito. Desta forma, até seria maior a capacidade de garantir que a maioria das informações e relações relevantes no processo de ensino-aprendizagem fossem transportadas para anos subsequentes, à partida. Contudo, tal não sucede de forma uniforme. Logo, a questão que se coloca é se esta estabilidade poderá estar a ser mais geradora de desigualdades do que de benefícios quando se verifica.

Prosseguindo com o sobredito, outro fator a tratar é a assiduidade dos docentes ao longo do ano letivo, uma vez que a ausência dos mesmos pode determinar, inclusivamente, a sua substituição num determinado período de tempo.

De acordo com Joseph, Nancy e Zielaski (2014), “No matter how engaging or talented teachers may be, they can only have an impact on student learning if they are in the classroom.” (p. 1), motivo pelo qual consideram prioritário, para os líderes escolares e aqueles que fazem as políticas educativas, direcionar esforços e adotar medidas que garantam que os docentes pertencentes aos quadros das escolas estão nas salas, e, simultaneamente, atender às especificidades da profissão, nomeadamente o tempo dedicado ao trabalho fora da escola. É que a par do sucesso dos discentes, há a questão económica, pelas verbas gastas com os profissionais que asseguram a substituição, e pelo tempo e recursos despendidos para que estejam aptos para as suas funções.

E numa análise mais restrita, qual a influência da ausência do DT no exercício do cargo que desempenha? Num espaço temporal curto, esta regista-se, sobretudo, na acumulação de questões a resolver, e que no regresso ao serviço exigirão uma atuação ainda mais célere deste profissional, com vista a adotar os procedimentos e respeitar os prazos indicados na lei, em especial o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2013/M, de 25 de junho, e no regulamento interno da escola. Exemplos destas [questões] são: falta de assiduidade dos alunos, resolução de situações de conflito e/ou de violação dos deveres dos discentes. Já num período de tempo dilatado, mormente se houver uma substituição, esta alarga-se às relações e dinâmicas de trabalho estabelecidas, ainda que apenas numa fase de adaptação. Logicamente, falar em continuidade do cargo poderá deixar de fazer sentido, dependendo do tempo em que o docente esteve ausente.

Atendendo às implicações da falta de assiduidade dos professores, procura-se determinar a sua origem e os agentes que a afetam.

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No seu estudo, Joseph et al. (2014), inferiram que as faltas se deviam comummente a doença, motivos pessoais e motivos profissionais, por ordem decrescente de ocorrência, e que:

- a diferença entre a média de dias de ausência dos docentes em escolas com maior e menor índice de pobreza não tinha significado estatístico;

- distritos com políticas formais para desencorajar as faltas pareceram não ter melhores níveis de assiduidade do que aqueles que não as tinham, pese embora a ligeira melhoria (cerca de 2 dias) verificada nos faltosos crónicos (18 ou mais dias).

Como se pode apurar na sequência do atrás referido, tanto a estabilidade do corpo docente, como a consequente continuidade do desempenho do cargo de DT, são problemáticas complexas. A garantia da sua efetivação pressupõe a resolução de aspetos identicamente intrincados, que a par da vontade, demandam iniciativas revolucionárias.