O Estado da arte

Quanto a revisão integrativa é importante ressaltar que esta inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica,dando possibilidade a realização de uma síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que devem ser preenchidas com a realização de novos estudos (BENEFIELD apud MENDES, 2008; POLI & HUNGLER, 2011). Este método de pesquisa permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular área de estudo. A síntese do conhecimento, dos estudos incluídos na revisão, reduz incertezas sobre recomendações práticas, permite generalizações precisas sobre o fenômeno a partir das informações disponíveis limitadas e torna mais fácil a tomada de decisões com relação às intervenções que poderiam resultar no cuidado mais efetivo e de melhor custo/benefício (STETLER, 1998).

Para isso, foram feitos levantamentos em dois momentos – Maio/2011 e Setembro/2012 – onde se utilizou como ferramenta de busca o site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) nas bases Lilacs, Medline e Scielo; e as bibliotecas virtuais das universidades federais da região Sul do país – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) ; e as bibliotecas virtuais das universidades federais do estado de São Paulo – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Federal de Campinas (UNICAMP) e Universidade Federal de São Carlos (USFCAR). Configurando-se, portanto nove universidades federais, das quais quatro paulistas e cinco sulistas.

A adição das universidades objetivou ampliar o âmbito da pesquisa, minimizando possíveis vieses nessa etapa do processo de elaboração da revisão integrativa.

Em relação aos critérios de inclusão do material encontrado, estes foram: textos que possuíssem no título ou resumo aderência a temática voltada para doação de órgão(s) e tecidos que contivessem aspectos relacionados às subjetividades dos profissionais; textos completos; textos produzidos no recorte temporal de dois mil a dois mil e doze; idiomas inglês, espanhol e português; limites humanos. O critério de inclusão específico foi utilizado para as nove universidades federais pesquisadas, tendo sido investigado a temática somente em teses e dissertações defendidas/armazenadas nas bibliotecas virtuais das respectivas instituições de ensino e pesquisa. Não houve restrições quanto ao tipo de documento investigado na Biblioteca Virtual em Saúde - BVS.

Destaca-se ainda que para os dois momentos optou-se pela busca por descritores em associação com operadores booleanos, com o propósito de ser alcançado o universo possível de resultados mais aderentes ao tema estudado. Os termos em associação foram utilizados com dois operadores booleanos em momentos distintos para fins de comparação de resultados. Num primeiro momento utilizou-se OR e num segundo momento utilizou-se AND sempre com os mesmos termos, na mesma ordem. Portanto, as associações foram: “emoção” OR/AND “doação de órgãos”; “doação de órgão” OR/AND “pessoal de saúde”; e, “doação de órgão” OR/AND “entrevista”.

Neste contexto, os objetivos da revisão foram: analisar a produção científica sobre elementos subjetivos produzidos pelos profissionais de saúde no processo da entrevista familiar para doação de órgãos e descrever estes elementos.

Foram encontrados um total de quatro mil quinhentos e quarenta e quatro textos na BVS nas bases de dados pesquisadas (LILACS, MEDLINE E SCIELO), sendo que destes, mil trezentos e quatro possuíam textos completos e somente treze textos possuíam aderência ao objetivo desta revisão. Em relação às universidades foram encontrados com as buscas quatro mil e oitenta e dois textos, sendo três mil setecentos e oitenta textos completos e possuindo aproximação com o objetivo da busca foram somente onze textos. Totalizando-se vinte e quatro textos a serem analisados.

Dos textos aderentes ao tema, nove foram artigos originais, dois foram artigos de revisão, oito foram dissertações de mestrado, quatro foram teses de doutorado e um foi carta ao editor.

Em relação ao ano de publicação sobre o tema em questão, os anos de dois mil e um, dois mil e dois, dois mil e quatro, dois mil e sete, dois mil e doze apresentaram uma das produções cada um. Em seguida vem o crescente de produções com dois mil e seis e dois mil e onze com duas cada, e dois mil e oito, dois mil e nove e dois mil e dez com cinco cada. Na base de dados LILACS foram identificados pouco mais de oito dos textos aderentes a temática, logo em seguida a base MEDLINE apareceu com quatro . Nas universidades destacou-se a USP com quatro textos, seguida da UNICAMP e UFRGS com três produções cada uma.

Portanto, textos - sejam artigos, dissertações e teses sobre elementos subjetivos na doação, mais particularmente no processo da entrevista familiar - se destacaram nos últimos quatro anos, a se iniciar em dois mil e oito, ano em que se completou dez anos de vigor da Lei nº 9434 que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, que rege a política de transplantes no país (BRASIL, 1997).

Já no que diz respeito aos idiomas, identificou-se vinte textos em português, três em espanhol e um em inglês. Diversos textos foram analisados, sendo a produção em inglês bastante significativa, no entanto, foi escassa a produção de textos que abarcassem o tema aqui investigado. Os textos em espanhol foram produzidos no Chile e Espanha, sendo este último, país de destaque mundial no cenário dos transplantes há quase vinte anos, apresentando taxas de doadores maiores que União Europeia, Estados Unidos e outras regiões do mundo (BRASIL, 2009).

As fontes de dados nacionais se destacaram em relação às internacionais abarcando vinte dos textos aderentes ao estudo versus quatro da produção publicada pela Revista Médica do Chile (um), Revista Med Heath Care and Philos (um), La

Biblioteca Cochrare Plus (um) e Revista Enfermería Global (um) . No país, São Paulo saiu na frente com (dois) artigos, somado a (três) dissertações de mestrado e (quatro) teses de doutorado totalizando nove dos textos investigados. Logo em seguida aparece a região sul representada por Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Porto Alegre e Curitiba com três artigos e quatro dissertações de mestrado totalizando cerca de sete dos textos. Apresentaram produções discretas Rio de Janeiro dois sendo uma dissertação de mestrado da UERJ e um artigo de reflexão da revista Ciência e Saúde Coletiva, Recife e Brasília com um artigo cada.

Ainda no período de dois mil e oito a dois mil e dez, houve um aumento de dezesseis por cento no número total de transplantes realizado no país, número que

traduz a realização de pouco mais de mil implantes de enxertos advindos de indivíduos vivos e falecidos. Embora tenha havido crescimento, este se deu de forma discreta, onde foram destacados os estados de São Paulo e Santa Catarina, que possuem as estruturas bem definidas e organizadas para o funcionamento do processo de gerência e coordenação de transplantes: a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), Organização de Procura de Órgãos (OPO), e Coordenações Intra Hospitalares de Distribuição de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) (NETO, 2012). Ao trabalharem em ambientes organizados e estruturados com recursos materiais e humanos, os profissionais encontram qualidade de vida integrada ao ambiente de trabalho, esta que abrange aspectos como bem-estar, segurança física, mental e social, e capacitação para realizar tarefas com segurança e bom uso da energia pessoal (LIMONGI-FRANÇA, 2002).

Em relação à formação, a área de Enfermagem apresentou maior número de autores (quatorze). A Medicina aparece logo em seguida com (treze) autores. A área de Educação vem em seguida com (três) autores. Psicologia e Ética representam áreas com menor destaque neste cenário, com (dois) profissionais que publicaram sobre o assunto aqui tratado, respectivamente.

Podemos apontar que a produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado foi mais incidente nas universidades públicas paulistas, e representaram sete dos estudos analisados.

Dentre os textos analisados os objetivos introduziram os assuntos que também compõem o processo da entrevista, e alguns já indicavam o caráter subjetivo envolvido neste momento. Foram eles: familiares e doação de órgãos (cinco) ; equipes multiprofissionais: representações e percepções sobre morte, organização do trabalho, influência do trabalho no desgaste físico e emocional, comunicação com familiares de pacientes, sentimentos dos enfermeiros que trabalham com captação de órgãos e entrevista familiar (oito); emoções/aprendizagem emocional (três); educação e profissionais de saúde (dois); educação e doação de órgãos; cuidado aos cuidadores; profissionais de saúde e doação de órgãos; adolescentes e perspectivas sobre doação de órgãos; familiares, profissionais e transplantes; e, enfermeiros, ética e doação de órgãos apareceram com um cada.

Assim, percebemos que a maioria dos textos evidenciou logo em seus objetivos a necessidade de entenderem mais sobre representações e percepções sejam dos familiares ou dos profissionais sobre temas embutidos neste processo. Diante disso,

estudo revela que “Muitas atividades têm hoje em dia um componente cognitivo intenso e complexo. Assim, deve ser realizada uma análise precisa das atividades mentais no trabalho (percepção, identificação, decisão, memória de curta duração, programa de ação). Esta análise deve ser vinculada, não ao que os trabalhadores supostamente fazem, e sim ao que eles realmente fazem para responderem às exigências do sistema.” (WISNER apud BOUYER, 2009).

Em relação aos principais achados, dados subjetivos aparecem de forma mais explícita, principalmente no que diz respeito à qualidade da abordagem familiar. De acordo com sete das produções esta deve ser segura, clara, objetiva, realizada de forma humana, atenciosa, com profissionais prestativos, que compreendem o sofrimento da família, carismáticos, cautelosos, capacitados, dedicados e preparados; com isso as taxas de consentimento familiar se elevam. Ainda inseridos na dimensão subjetiva, mas focando outro tema; dois dos estudos verificaram que a representação da morte para os profissionais é traduzida como: passagem, verdade, sono, natural, tristeza, retorno, mistério, perda, abstrata, fim, experiência macabra, finitude, renascimento e contradição.

Outro ponto de destaque foi que embora carreguem praticamente a mesma palavra, os termos “atitude positiva”, “positivo” e “decisão positiva” são traduzidos de diferentes maneiras, representando um conjunto de boas ações que se traduzem como: altruísmo e generosidade; trabalhar ao lado de pessoas conhecidas, com as quais se tem empatia e se conhece as manias, criando um tipo de confiança e vínculo como se fosse o familiar; e, maior probabilidade da família ser doadora.

Relacionados à dimensão cognitivo-emocional, sete dos estudos encontraram que: grande responsabilidade, exigência cognitiva e exigências emocionais no ambiente de trabalho afetam a saúde física e mental do profissional de saúde. Voltado para a subjetividade dos profissionais três dos textos identificaram suas percepções da doação traduzidas como: cura, salvar vidas, gratidão, solidariedade, continuidade, altruísmo, fragmentação do corpo, momento muito difícil, sentimento de dano ao corpo, desamparo, desprendimento, oportunidade de vida e contradição. Ainda no campo subjetivo três apontaram sobre o (des)conhecimento das emoções, o desenvolvimento emocional e as emoções envolvidas na aprendizagem emocional. Evidenciou-se também que em dois dos textos, a educação funciona como forma de produzir resultados interprofissionais positivos.

Diante disso, podemos inferir que foram identificadas qualidades interpessoais e transpessoais como a congruência (compartilhamento da mesma visão sobre o mesmo assunto – familiares e profissionais), empatia (profissionais que compreendem o sofrimento da família, abordagem de forma humana) e emoção (segurança, clareza, atenção, carisma, cautela) (WATSON, 1985 apud FAVERO, 2009). Diante disso, ressaltamos que o cuidado transpessoal é componente essencial do cuidado, manifestando-se no encontro daqueles que estão envolvidos no ato de cuidar (WATSON, 1988 apud CARRARO, [s.d]).

Dentre os resultados dos estudos analisados foi apontado sobre a dimensão subjetiva: a necessidade de melhorias na abordagem possibilitando assistência mais humanizada e holística (três); que as emoções são transformadas pela significação na história sócio-individual (dois); que a entrevista é complexa por envolver dentre comunicações como a da morte, o emocional do entrevistador e dos entrevistados (um); que representações e percepções da morte, e doação de órgãos reforçam a importância da dimensão subjetiva no processo de doação (quatro); e que a aprendizagem emocional pode funcionar como arma potente para emancipação do indivíduo e da sociedade (um); que os conflitos éticos presentes no processo de doação de órgãos geram dificuldade e resistência para lidar com a morte encefálica e suspensão de suporte terapêutico (um).

Com isso, destacou-se a importância das representações e percepções dos profissionais para com as temáticas que emergiram (morte, doação, ambiente de trabalho e aprendizagem envolvendo a emoção), pois “ser humano é sentir- e a maior parte das vezes as pessoas permitem-se pensar os seus sentimentos, mas não sentir os seus sentimentos e quem não é sensível aos seus próprios sentimentos dificilmente será sensível aos sentimentos dos outros” (CASASSUS, 2009).

Evidenciou-se ainda resultados que tratavam de outros aspectos inseridos no processo da doação, foram eles: o ambiente de trabalho dos profissionais de saúde que lidam com o óbito, agrega os principais fatores de adoecimento (cinco); que a educação não imposta pode modificar a opinião de familiares quanto a doação, e também pode promover efeitos positivos sobre a prática profissional (quatro); e que profissionais que trabalham com captação e doação de órgãos precisam de cuidados por vivenciarem conflitos existenciais e dilemas morais freqüentemente (três).

Dessa maneira, nos resultados, foram postos in voga: o ambiente de trabalho e os fatores de adoecimentos dele precedentes, a educação voltada tanto para familiares quanto para os próprios profissionais de saúde, e a necessidade de cuidado mental e

suporte emocional por parte dos profissionais que lidam diariamente com conflitos morais/éticos. Tais fatores estão contemplados no conjunto dos fatores estruturais que devem ser compreendidos no cuidado de acordo com Watson, como a provisão de um meio ambiente físico, mental, sócio-cultural e espiritual adequado, de suporte e proteção; a promoção de ensino-aprendizado interpessoal; e a formação de um sistema de valores humanístico-altruístico, com o cultivo da sensibilidade de nosso próprio eu e dos outras (WATSON apud BEAVIS, 1989).

Ainda sobre a educação e a aprendizagem emocional, estudo evidencia que um currículo direcionado para o cuidar/cuidado, o qual é fundado nos princípios de uma educação emancipatória ou libertadora, é um compromisso político, filosófico, ético e moral, reforçando portanto, a necessidade de ambos elementos na realidade de profissionais e familiares (CASASSUS, 2009).

Frente aos resultados que emergiram, confirmamos a ausência de estudos que tratem do objeto aqui pretendido e ainda a necessidade que deles emergiu de estudos que colaborassem com investimentos na formação dos profissionais que atuam neste processo, melhorando e /ou possibilitando seu suporte emocional (ALMEIDA, 2011).