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A família e sua influência no campo emocional dos profissionais de saúde

CAPÍTULO 4 – As Emoções e seus caminhos de afluência

4.4 A família e sua influência no campo emocional dos profissionais de saúde

No momento da entrevista, a família acaba sendo o principal sujeito com o qual lidamos. Com isso, esta não poderia deixar de ter destaque neste estudo, no que concerne as influências emocionais que pode causar quando em contato com os profissionais de saúde.

Mas para que iniciemos este momento, é relevante saber no que de fato consiste a família. De acordo com Elsen (2002) o conceito de família voltado para saúde pode ser entendido como:

[...] um sistema no qual se conjugam valores, crenças,conhecimentos e práticas, formando um modelo explicativo de saúde doença, através do qual a família desenvolve sua dinâmica de funcionamento, promovendo a saúde, prevenindo e tratando a doença de seus membros. (ELSEN, 2002, p. 20)

Trazendo esta família para o momento da entrevista onde, idealmente, já tenha sido esclarecido o quadro de morte do potencial doador, encontramo-la em situação de luto, em que tristeza, rancor, raiva, negação quanto ao quadro são emoções que podem ser observadas. E, nesta circunstância, estudos indicam que este núcleo sempre resiste a mudanças. Por exemplo, os pais durante o luto, têm necessidades espirituais intensas, precisando de palavras e ações para promover confiança e conforto (ROSENBLATT, 2000; SHARMAN, 2005).

E, para que os familiares recebam o feedback esperado da equipe de saúde, esta precisa lançar mão de ações humanizadas e também de suas reservas emocionais. Mas o

indivíduo que lida com situações difíceis e está na linha de frente do atendimento à população nem sempre está preparado para este tipo de doação/ação/contribuição.

A respeito disso, Pitta (1994) explana que os sentimentos "negativos" trazem uma carga emocional grande ao trabalhador e esses deveriam ser discutidos no grupo, para ser trabalhado o sofrimento psíquico. Isto porque, um fator psicossocial estressor tem efeito patogênico igual a agentes químicos, físicos ou biológicos e daí a importância dele ser superado.

Neste contexto, podemos entender que uma vez inserida no processo de doação, a família vivencia grandes momentos de estresse além do luto, requerendo do profissional de saúde também grandes demandas emocionais.

Estudo desenvolvido por Cinque (2008) mostra claramente tais fatores de estresse vivenciados pelos familiares no processo de doação de órgãos e tecidos desde a internação até a liberação do corpo de seu parente, de 16 familiares, realizado na Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Hospital das Clínicas em São Paulo, no ano de 2007. Neste, foram identificados os seguintes estressores:

1. insatisfação com atendimento prestado à família e ao doador, durante a internação (cinco);

2. receber a notícia da morte encefálica (ME) de forma intranqüila (dez); 3. dificuldades para a tomada de decisão quanto à doação (cinco);

4. medo e desconfiança de forjar o quadro clínico da ME e a sensação de “assinar a morte” do familiar (três);

5. não conhecer os receptores dos órgãos (dois);

6. e a demora para a liberação do corpo (dez). Constatou-se que a liberação do corpo foi o momento mais desgastante vivenciado pelos familiares (cinco).

Note-se que os itens grifados acima representam momentos que acontecem diretamente com os profissionais de saúde, tanto na internação que antecede o momento da entrevista como mostra o item 1 e 2, quanto na entrevista em si, quando da assinatura do termo de autorização para a doação como traz o item 4.

Daí, podemos perceber o quanto há a exposição destes trabalhadores a momentos que requerem de sua sensibilidade, altruísmo, humanidade, empatia.

Trazendo para o campo da enfermagem questões relacionadas com a família, pesquisa realizada com vinte e uma enfermeiras que atuam em UTI - ambiente onde normalmente são identificados os possíveis doadores - mostrou que onze delas

declararam que sentem alguma dificuldade com a permanência dos familiares junto aos pacientes, sendo que nove afirmaram possuir problemas relacionados a incompreensão dos familiares quanto aos horários de procedimentos, visitas e passagens de plantões (CARLOS, 2004).

Em outro estudo, realizado por Domingues, Santini e Silva (1999) que trata sobre a orientação aos familiares na UTI, perguntou-se para as enfermeiras deste setor: "Você encontra dificuldades em orientar os familiares? Quais?". Cinco entrevistadas afirmaram encontrar dificuldades neste momento; sendo que uma referiu ter dificuldades às vezes e outra não percebeu este problema.

As dificuldades declaradas foram: estado emocional alterado do familiar, comunicação, falta de informação a respeito do paciente, tempo escasso, desencontro com familiares e incerteza de poder ou não transmitir questões clínicas do paciente (DOMINGUES, 1999).

Sobre isso Daley apud Domingues (1999) expõe que freqüentemente as necessidades dos familiares são ignoradas ou esquecidas devido: ao fator tempo, a falta de conhecimento em como lidar com os membros da família e a falta de compreensão de suas reais necessidades. Ainda afirma que, geralmente, o contato da equipe com as famílias é breve e quando isto ocorre os assuntos discutidos são muitas vezes os problemas vistos pela enfermeira e não pelo familiar.

Por outro lado, em relação à postura do enfermeiro com os familiares, estudo revela que a enfermeira sente-se preparada para lidar com os pacientes na presença dos familiares, porém acredita que os mesmos dão trabalho devido a suas expectativas, e por quererem que alguém lhes dê alguma certeza (SILVA, 2000).

Neste contexto, Pitta (1994) menciona que o lidar cotidiano com doenças e morte provoca e transforma impulsos primitivos dos trabalhadores de hospitais. E o ambiente de trabalho é um grande gerador de emoções fortes e contraditórias na enfermeira. Os pacientes e parentes nutrem sentimentos complicados em relação ao hospital, que são expressos particularmente e mais diretamente às enfermeiras, o que lhes promove confusão e angústia. Como forma de enfrentamento, tal autora relata que, elas se utilizam do distanciamento e da negação de sentimentos onde estes têm de ser controlados, sendo o envolvimento refreado e as identificações perturbadoras evitadas.

Mas até que ponto podemos entender que não estamos nos envolvendo? Será que temos o discernimento de saber nos afastar, de modo que não sejamos profissionais frios e distantes, sem deixar de sermos humanos e altruístas? Será que, refrear nossas

emoções ou evitá-las - se é que isso é possível – traz benefícios ou mesmo não afeta em nada nossa saúde mental? Sim, muitos questionamentos que nos levam a pensar, o quanto saber lidar com nossas emoções é importante para a nossa saúde mental, e consequentemente para nossa vida.

Diante disso, para que a família não se torne um bicho-de-sete-cabeças, é preciso, segundo estudo, enfrentá-la no sentido de questioná-la sobre suas dúvidas, observar-lhe as reações e os comportamentos, tentando entender suas emoções. Com isso, o contato com a família deve ser para além do presencial, sendo preciso “trabalhá- la” para que se potencialize o trabalho do enfermeiro (GOMES, 1988).