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ESTADO ATUAL DAS GRUPOTERAPIAS

A s múltiplas aplicações práticas resultantes do conhecimento e do manejo dos fenômenos que ocorrem em qualquer grupo humano têm sofrido profundas modificações nas últimas décadas.

Seguindo o esquema simplificado de classificação que adotamos em relação à prática com grupos, pode-se dizer que:

1. As atividades grupais concernentes à utilização dos grupos de reflexão na área do ensino têm apresentado algum crescimento, sendo que. a nosso juízo, muito aquém do que poderia e deveria ser.

2. Os grupos terapêuticos, não os de funcionamento estritamente analíti­ co. têm revelado um significativo desenvolvimento e uma progressiva demanda. São exemplos: o emprego de técnicas psicodramáticas, a te­ rapia de casal, a de família, grupos com psicóticos egressos, diversos tipos de grupos homogêneos, sobretudo os de auto-ajuda. Especialmen­ te estes últimos vêm revelando, nesta última década, expansão e apro­ veitamento notáveis, sobretudo em infindáveis aplicações na área da Medicina.

3. Em relação à psicoterapia analítica de grupo propriamente dita, não se observa o mesmo crescimento que o descrito nos grupos anteriores. Pelo contrário, após o inicio de sua aplicação na década de 50 e o vigoroso florescimento na de 60, as décadas 70 e 80 foram marcadas por um progressivo declínio.

A década 90 se inicia com uma mesma pergunta que há bastante tempo todos se fazem: por que, num pais como o nosso, em que há uma escassez de técnicas e em que há uma imensa fatia da população, de prevalência jovem, que

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podería se beneficiar com tratamento de base analítica, mas que a ele nào tem acesso econômico, não prospera a grupoterapia analítica, apesar de ela ter-se mostrado comprovadamente eficiente? (Deve ficar bem claro que tomamos o vetor do recurso econômico apenas para reforçar uma situação extrema, embora longe de significar que a indicação para um tratamento em grupoterapia analítica siga basicamente tal critério).

Em todos os congressos que reúnem grupoterapeutas, há sempre um espa­ ço no qual se tenta responder a esta inquietante questão, e se procura levantar soluções, mas a situação continua inalterada.

Tentaremos sintetizar algumas das principais causas, tanto as explícitas como as implícitas, que têm sido apontadas como as responsáveis pelo declínio das grupoterapias analíticas.

1. O pronunciamento da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) contra o reconhecimento de status de uma “verdadeira análise” quando o tratamento é realizado em moldes grupais. Isso determinou entre os psicanalistas, até então os únicos técnicos autorizados à prática da grupoterapia analítica, a formação de sentimentos de transgressão, com as consequentes culpas e uma retração dessa atividade. De modo geral, esse aspecto se evidenciou em todos os centros do mundo.

2. Essa situação agravou-se em nosso meio, como de resto em toda a Amé­ rica Latina, pelo fato de que ocorreu uma renúncia à grupoanálise (parece que pela razão política contida no item anterior) por parte dos psicanalistas argentinos Grimberg, Rodrigué e M. Langer, importantes modelos de identificação e autores do livro Psicoterapia analítica de grupo, verdadeira bíblia para mais de uma gera­ ção de grupoterapeutas, os quais, por isso, se sentiram à deriva e relegados a uma orfandade.

3. Começou a ocorrer uma grande abertura para a prática da psicoterapia analítica individual, por parte de psiquiatras e psicólogos, não psicanalistas, com a conseqúente diminuição na demanda pela busca de tratamento grupai. A isso se soma um aspecto cultural típico da classe média: a de que um tratamento individualizado confere um status de valorização social, enquanto o coletivo ins­ pira o contrário.

4. A maior oposição ao método grupoterápico partiu justamente das insti­ tuições psicanalíticas oficiais e de muitos de seus membros, psicanalistas, que, mesmo sem nunca terem passado por uma experiência de tratamento grupai, nem nunca a terem praticado, e sequer conhecerem os seus fundamentos, pas­ saram a desprezar manifestamente o novo método da terapia analítica, rotulan­ do-a de forma depreciativa e pejorativa. Uma das razões para esse tipo de atitude deve ser a tendência inconsciente que o ser humano tem em destruir aquilo que,

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por ser desconhecido e estar fora de seu controle, é sentido como sendo uma ameaça à sua auto-estima e identidade profissional.

5. Além dessas causas de procedência exterior, é preciso considerar as inte­ riores, aquelas que se originam no próprio seio dos grupoterapeutas e que, a nosso juízo, são as maiores responsáveis pelo declínio da demanda e da prática da grupoterapia analítica. Seguem algumas dessas causas:

— A falta de uma emancipação dos grupoterapeutas, muito mais de natu­ reza interna do que externa, em relação à mater psicanálise clássica. Dessa forma, é preciso reconhecer que a grupoterapia ainda não se constituiu como um sólido edifício teórico-técnico, específico e coerente e, como decorrência, ainda nào adquiriu uma identidade própria. — Apesar dos comprovados resultados de natureza analítica propriamente

dita. ou seja, de significativas mudanças caracterológicas nos indiví­ duos que se tratam ou se trataram em grupos, disseminou-se publica­ mente uma imagem de grupoterapia analítica como sendo o de uma análise de segunda ou terceira categoria, ou ainda, como sendo uma “análise para pobres”.

Os próprios grupoterapeutas, mercê de uma possivel atitude in­ terna sua, calcada nessa equivocada concepção e, principalmente, em sua forma e critérios de proceder à indicação e ao encaminhamento para um tratamento em grupo, podem ser os maiores responsáveis por este estado de coisas. O maior preço que eles pagam é o de trabalhar com uma sensação de vergonha e de culpa, enquanto que os pacientes encontram nessa desvalorização do conceito qualitativo da grupoterapia um reforço para o seu sentimento de carência e desvalia. A aspiração máxima passa a ser a de um dia poder vir a fazer a tão valorizada e decantada análise individual.

— Erros de seleção e composição do grupo. Não é raro que a admissão de pacientes para um tratamento grupai se processe de uma forma indis­ criminada e inadequada, mais em obediência às necessidades pessoais do grupoterapeuta, as quais, mais vezes do que se pensa, não passam de uma mera ganância econômica.

Uma séria conseqüência decorrente de uma má seleção de pacien­ tes para grupoterapia é a possibilidade de que muitos destes sejam propensos à prática de múltiplos actings.

— É inegável a ocorrência de actings públicos, às vezes de natureza grave, sendo que o mais comum deles é o da quebra de sigilo. Tais atuações, além de minarem a estrutura do próprio grupo, alcançam uma péssima repercussão junto ao grande público, desmoralizando e abalando, de forma irreversível, o crédito e a confiança que a grupoterapia analítica, quando seriamente aplicada, deve merecer.

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—- Um manejo técnico inadequado. Além das falhas de seleção, acima apon­ tadas, também uma falta de compreensão, por parte do grupoterapeuta, do fluxo e refluxo das ansiedades emergentes, dificulta uma integração das partes dissociadas do grupo e isso representa um convite ao acting. Outro ponto a considerar é se a técnica interpretativa centrada sistemá­ tica e exclusivamente na transferência do "todo grupai”, e muitas vezes de forma intelectualizada, não despersonaliza os indivíduos, com o de­ corrente prejuízo na formação da identidade individual de cada um, propiciando dessa forma o risco da promiscuidade do grupo e se confi­ gurado, ai sim, como uma falsa análise.

— Por outro lado, uma falta de uniformidade de um corpo teórico próprio, e as excessivas variações de manejos técnicos, podem provocar um clima de certa confusão, tanto entre o público usuário, como entre os próprios terapeutas de grupos analíticos.

De qualquer forma, não bastam os esforços dos dirigentes e a promoção de Jornadas e Congressos científicos, onde este assunto cos­ tuma ser acaloradamente discutido. É necessário que, de forma conti­ nuada, os grupoterapeutas reflitam profundamente, de preferência em grupos de reflexão, sobre o motivo pelo qual tudo isso está acontecendo, quais os problemas que estão ligados às instituições de ensino de gru- poterapia e se há uma verdadeira disposição em fazer mudanças, para só então partir para caminhos que apontem para soluções concretas de recuperar o prestigio e ampliar o raio de alcance deste importante mé­ todo de tratamento.

Orientação Bibliográfica

1. MARE, P. B. Perspectivas em Psicoterapia de Grupo. 1974.

2. SPITZ, H. “Contemporay Trends in Group Psychotherapy: A Literature Survey". Em: Hospital and Community Psychiatry.Vol. 35, n9 2. pp. 132-142. 1984.

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