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O Estado de Exceção como paradigma de governo na contemporaneidade e o tensionamento dos Direitos Fundamentais

Carl Schmitt, em sua obra Politische Theologie120 de 1922, começa a desenvolver a

teorização da relação do Estado de Exceção com a soberania121, definindo o soberano122 como sendo aquele que tem o poder de decidir sobre o estado de exceção123. De acordo com a definição de Carl Schmitt: “Soberano é quem decide sobre o estado de exceção124”. O estado de exceção é um dispositivo com o qual o poder soberano acaba por capturar a vida humana125,

118 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.84-85.

119 NASCIMENTO, Daniel Arruda. op cit, 2015, p. 163.

120 SÁ, Alexandre Franco de. Do Decisionismo à Teologia Política. Carl Schmitt e o Conceito de Soberania.

Universidade da Beira Interior. Covilhã: LusoSofia, PRESS. 2009. p.7.

121 GAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução de Iraci D. Poleti, 2ª. ed., São Paulo: Boitempo, 2007. p.15. 122 FRANCO DE SÁ, Alexandre. op cit, 2009, p.5.

123 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007. p.15. 124 FRANCO DE SÁ, Alexandre. op cit, 2009, p.4.

125 CASTRO, Edgardo. Introdução a Giorgio Agamben. Uma arqueologia da potência. Tradução de Beatriz de

estando calcado no estado de necessidade retomando a máxima da teoria da126 “necessitas

legem non habet”, ou seja, a necessidade não necessita de lei 127. Nessa acepção o Estado de Exceção constitui um ponto de desequilíbrio entre o direito público e o fato político128.

O Estado de Exceção, na Alemanha, ganhou o nome de Ausnahmezustand ou Notstand; na Itália e na França os termos empregados foram decretos de urgência e estado de sítio político ou fictício “état de siège fictif”. Nas terras norteadas pelo direito anglo-saxônico, o nome empregado foi “martial law e emergency powers”129. Agamben entende que a denominação mais correta a ser empregada ao Estado de Exceção é aquele nome batizado pela Alemanha, devido ao seu alcance ao ponto fulcral do presente tema, definindo um conceito limite o qual delineia um limite e dois conceitos130, o que seria à mercê do direito em relação ao sujeito na qual este não encontra abrigo nas leis, dando muito mais ênfase a uma ideia voltada ao âmbito militar bélico131.

Com relação ao Estado de Exceção, este não diz respeito a um determinado ramo específico do direito, mas está além deste, é algo intangível de difícil contenção, o que é inapreensível e, segundo Agamben, com relação ao Estado de Exceção ainda não se tem uma teoria definida na esfera do direito público132. Neste sentido, o Estado de Exceção se encontra em uma situação paradoxal entre o fático e o jurídico, não se encontrando em nenhum desses por completo, apenas em uma pequena parcela, nascendo assim a dificuldade em situar com precisão a qual ramo do direito o Estado de Exceção pertence. Contudo, observa-se que o Estado de Exceção possui uma importantíssima relevância ao funcionamento do estado de direito considerando-o a base propulsora133, sendo a resposta imediata no caso de guerras, revoltas e insurreições134.

O Século XX foi marcado por uma guerra civil considerada legal sob o ponto de vista jurídico. Com a criação do Estado nazista Adolf Hitler, assim que tomou posse do poder, em 28 de fevereiro, promulgou o Decreto com a justificativa da proteção do povo alemão e do Estado suspendendo os artigos da Constituição de Weimar, os quais previam as liberdades

126 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. O estado de exceção a partir da obra de Giorgio Agamben. São Paulo:

LiberArts, 2015. p.108.

127 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.108.

128 AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução de Iraci D. Poleti, 2ª. ed., São Paulo: Boitempo, 2007.

p.11.

129 AGAMBEN, Giorgio. op cit., 2007, p.15.

130 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. 2. ed.

Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. p. 18.

131 CASTRO, Edgardo. op, cit, 2012. p. 76. 132 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p. 11.

133 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015. p.91. 134 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p. 12.

individuais135. Do ponto de vista jurídico, o estado nazista, ou seja, o Terceiro Reich, é considerado o típico exemplo de um Estado de Exceção, o qual perdurou pelo período de doze anos136, em que o totalitarismo moderno foi implementado através do dito Estado de Exceção, legitimando todas as ações de uma guerra civil, a qual permite o aniquilamento por completo da forma física dos adversários políticos, qualquer pessoa que se opunha ao regime nazista vigente na época ou a quem de alguma forma era indesejável ao sistema político137. Os motivos do aniquilamento eram os mais diversos. “Por exemplo, prisão de opositores comunistas e instalação de tribunais de exceção, aptos a condenar indivíduos à pena de morte”138.

Desse momento em diante, com o surgimento do Estado de Exceção, ainda que de forma esporádica, mas voluntariamente139 vem interpondo-se embora não sendo declarado no sentido técnico, é adotado e praticado pelos Estados contemporâneos, até mesmo por aqueles os quais se declaram democráticos140.

A fim de ilustrar melhor o conceito de Estado de Exceção na contemporaneidade, a história apresenta vários exemplos de “ditadura constitucional”, eventos ocorridos entre 1934 e 1948, em detrimento da crise que se implementou na Europa resultando na ruína da democracia europeia, na qual o poder executivo usurpou os poderes no âmbito do legislativo através de emanação de leis e decretos utilizando-se da urgência para justificar tais práticas. Desse momento em diante, as democracias ocidentais e o poder legislativo passam a ser percebidos como apenas ratificadores dos decretos com força-de-lei141 oriundos do poder executivo142.

Nesse ínterim, o Estado de Exceção encaminha-se cada vez mais forte a se estabelecer como paradigma de governo dominante na política contemporânea143. Ocorre que o Estado de Exceção deveria ser uma medida provisória e excepcional, entretanto transformou-se em uma técnica de governo que contribuiu com mudanças drásticas em relação à distinção tradicional das diversas formas de constituição. Nesse sentido, o Estado de Exceção revela-se como um lugar de irresolução do que seria democrático e absolutismo144. O Estado de Exceção revela-se, também, sob o prisma da ótica militar, extravasando limites e expandindo suas fronteiras, o que

135 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.12.

136 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op. cit, 2015, p.98. 137 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p. 13.

138 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p. 98. 139 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.13.

140 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.13.

141 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p. 94. 142 CASTRO, Edgardo. op, cit, 2013. p.77.

143 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p. 13. 144 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p. 13.

outrora tratava-se de exceção, contemporaneamente passa a ser considerado normal145.

Nesse estado de sítio político ou fictício, nota-se que o estado de exceção se direciona progressivamente à “emancipação do âmbito de guerra”, a qual constitui a gênese da sua existência146. “Para Agamben, de fato, no curso do século XX, assistimos a um fato paradoxal, ao que se denominou uma guerra civil legal”147. Sob essa perspectiva, o estado de exceção instaura-se contemporaneamente como uma guerra civil legal148.

Segundo Agamben, a exceção é um modelo de exclusão e se trata de um caso singular no qual quem for excluído não está fora do alcance da norma, mas sim a norma se mantém relacionada ao indivíduo em forma de suspensão149. Um exemplo de um Estado de Exceção contemporâneo biopolítico é o caso dos EUA, onde o direito inclui em si o indivíduo através da própria suspensão, o que fica evidenciado peremptoriamente com a “military order”150, promulgada pelo presidente dos Estados Unidos em 13 de Novembro de 2001 e que autoriza a chamada “indefinite detention” aplicando-se àqueles cidadãos os quais são suspeitos de envolvimento em atividades terroristas, o que não se confunde com os tribunais militares de guerra151. Nesse sentido, o Senado dos EUA, em 26 de Outubro de 2001, através do “Patriot Act”, consente através do procurador geral a mantença da prisão, por um período de sete dias, a todos aqueles que forem considerados suspeitos de atividades que geram perigo à segurança nacional dos Estados Unidos. Após esse prazo, o estrangeiro deverá ser extraditado ou acusado de violar a lei de imigração ou alguma lei penal. O escopo da ordem é anular drasticamente todo estatuto jurídico que proteja o indivíduo, o que consequentemente produzirá um ser juridicamente inominável e inclassificável152. As consequências para todos aqueles que forem capturados é ficar à mercê da lei, tendo em vista não encontrarem respaldos em nenhuma lei, uma vez que não estão amparados pela Convenção de Genebra, devido a não haver qualquer previsão legal no estatuto dos prisioneiros de guerra ”POW”153, tampouco, encontram respaldo na legislação Norte-Americana. Esses indivíduos que por hora não são considerados prisioneiros, nem tampouco acusados, mas apenas denominados “detainees”, ou seja, apenas detidos, acabam se tornando objeto de pura dominação de fato e se tornando vítimas de uma

145 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.92. 146 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.92. 147 CASTRO, Edgardo. op cit, 2013. p.76.

148 CASTRO, Edgardo. op cit., 2013, p.76. 149 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.25. 150 CASTRO, Edgardo. op cit, 2013, p.77. 151 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.14. 152 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.14.

153 Esta sigla em inglês, de acordo com a Convenção de Genebra significa [prisioneiros de Guerra] In AGAMBEN,

detenção que não possui um tempo determinado, estando totalmente fora do alcance de qualquer lei ou de um controle por parte do judiciário154.

A única possível comparação a essa situação jurídica e de fato é o caso ocorrido no holocausto “Lager” nazista, momento em que os judeus acabaram por perder sua cidadania e sua identidade jurídica, apenas eram identificados por judeus. “Como Judith Butler mostrou claramente, no detainee de Guantánamo, a vida nua atinge sua máxima indeterminação”155. Hitler, através de decreto, passa a suspender direitos e garantias pessoais da Constituição de Weimar. Como justificativa Hitler aduz o escopo de “proteção do povo e do estado”156.

Ao se fazer uma análise da terminologia jurídica em um direito contemporâneo voltado ao direito público, a expressão plenos poderes “pleins pouxoirs”, nos traz um sentido de Estado de Exceção, referindo-se à expansão dos poderes do soberano, atribuindo a este o poder de promulgar decretos com força-de-lei157. O próprio Schmitt reconhece a mitologema158, kenomático, no qual surge um vazio de direito, análoga de estado de natureza159.

Nesse diapasão, percebe-se que o estado de exceção passa a se tornar a regra, posicionando-se mais como uma técnica de governo do que como uma medida excepcional para combater situações de perigos para o estado160. Nesse sentido, Agamben afirma:

O estado de exceção [...] tornou-se a regra” (Benjamin, 1942, p.697), ele não só sempre se apresenta muito mais como uma técnica de governo do que como uma medida excepcional, mas também deixa aparecer sua natureza de paradigma constitutivo da ordem jurídica161.

O filósofo passa a compreender que o Estado de Exceção ao invés de fazer frente a perigos de uma forma excepcional, passa a se instalar como um paradigma constitutivo da ordem jurídica162. Descrevendo ainda que a inversão ocorrida por conta da edição de normas plenipotenciárias possibilita o executivo a se utilizar dos decretos com força-de-lei com poder de sobrepor à lei em stricto sensu, inclusive com poder de revogá-la, por sua vez acaba por inverter a lógica democrática, na qual o legislativo tem a incumbência de representar o povo163.

154 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.14. 155 AGAMBEN, Giorgio. op ci, 2007, p.14 – 15. 156 CASTRO, Edgardo. op cit, 2013, p.76.

157 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.93.

158 Termo utilizado pelos juristas alemães, em especial Schmitt, o qual indica os poderes excepcionais do Reich de

acordo com a Constituição de Weimar em seu artigo 48. Conforme AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007. p. 18.

159 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.17.

160 TACCETTA, Natalia. op. cit., p. 142; RUIZ, Castor M.M. Bartolomé. DVMJA, p. 105. apud TEIXEIRA,

Eduardo Tergolina. O estado de exceção a partir da obra de Giorgio Agamben- São Paulo: LiberArs, 2015. p. 94.

161 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.18. 162 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.18. 163 CASTRO, Edgardo. op. cit, 2013, p.94.

O executivo ao usurpar a função do legislativo, acaba desvirtuando e enfraquecendo o regime democrático fazendo com que se implemente o Estado de Exceção como dispositivo capaz de capturar a vida humana, o que era para ser provisório se torna uma técnica de governo164.

Agamben observa a relativa necessidade de estabelecer na constituição ou na lei a regulamentação expressa no que diz respeito ao Estado de Exceção. É o exemplo de países como França e Alemanha, os quais divergem da Itália, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos, que, por sua vez, optam pela não regulamentação do Estado de Exceção de uma forma explícita165.

O Brasil, por sua vez, segue o mesmo sistema da França e da Alemanha, passando a regulamentar de forma expressa em seu texto constitucional a possibilidade de o chefe do executivo, ouvindo o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar o estado de defesa, a fim de preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social as quais estão ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou, ainda, quando se encontrarem em situações de calamidades decorrentes de fenômenos da natureza, ficando restrito a determinados locais166.

José Afonso da Silva aponta que o estado de defesa pode ser entendido como a defesa empregada no território nacional, a fim de proteger contra possíveis invasões estrangeiras, disciplinadas no artigo 34, inciso II da Constituição Federal, podendo também se imiscuir nos demais caso que tratam os outros incisos. Cabendo ao Presidente da República decretar o estado de sítio, previsto no artigo 137 da Constituição Federal. Neste mesmo sentido, cabe ao chefe do executivo a defesa da soberania nacional disciplinada no artigo 91 da Constituição Federal e a defesa da Pátria, conforme artigo 142 da Constituição Federal, na qual o exército está sob o comando do Presidente da República167.

José Afonso da Silva ainda complementa dizendo que o sistema constitucional das crises estabelece diretrizes as quais tem por escopo a estabilização e a defesa da Constituição quando se encontra em situações de riscos, processos violentos ou algo que perturbe a ordem constitucional. De igual forma atua quando se trata de situações que causam risco ao Estado passando, então, a se defender quando houver ameaça de guerra externa em que a legalidade normal é suspensa passando a protagonizar a legalidade extraordinária a qual define e delineia o chamado Estado de Exceção168.

164 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.94. 165 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2007, p.22.

166 BRASIL Dados disponíveis

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htmArtigo>. Acesso em 20 out 2015.

167 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.617. 168 SILVA, José Afonso da. op cit, 2007, p.617 – 618.

Na contemporaneidade, o Brasil é marcado por dois episódios onde vigorou o estado de exceção, ficando o poder concentrado de uma forma plena na figura do Presidente. O primeiro episódio diz respeito à Revolução de 1930. Momento em que a Junta Militar obteve sua ascensão após sua vitória. O governo foi transferido, em Novembro daquele ano a Getúlio Vargas, que se tornou chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil. O Presidente Vargas revestiu-se de plenos poderes passando então a governar através dos decretos com força-de-lei. Dentre os decretos editados pelo Presidente Vargas, o Decreto de número 19.398 adquire uma grande relevância devido ao seu conteúdo, onde dispunha a dissolução do Congresso Nacional; a suspensão das garantias positivadas na Constituição de 1891, abrindo-se uma exceção apenas no caso do habeas corpus; afastamento da competência da justiça Brasileira em julgar ou questionar os atos praticados pela Junta Militar, O Decreto também previa que o Chefe do Governo teria o poder para nomear interventores os quais poderiam agir em qualquer lugar do país169.

Após o conturbado período de Novembro de 1937, através de um golpe de Estado, o Presidente Vargas, por motivos relacionados à ordem econômica, passa a implementar o Estado Novo. O que tendencialmente aponta para uma intervenção estatal em atividades privadas. Tais características denotam a implementação de um Estado de Exceção que encontra respaldo nas fontes do direito através do princípio da necessidade, e quanto maior for a necessidade maior será a intervenção estatal em atividades privadas170.

Esse período do Estado Novo foi marcado pela dissolução do Parlamento, promulgação da Constituição de 1937, em que previa ao chefe do executivo a amplitude e excepcionais poderes, passando a extinguir os partidos políticos e a centralizar os poderes em si mesmo aqueles relacionados aos Estados Federativos. Esse período também foi marcado pela inobservância aos Direitos Humanos os quais foram feridos devido à intensa repressão contra aqueles denominados como comunistas e rebeldes, passando à pratica constante da tortura, declarando-se por guarida a Lei de Segurança Nacional171.

O segundo episódio está relacionado ao Regime Militar, ocorrido em 1º de Abril de 1964, o qual foi marcado também pelos Decretos com força-de-lei. Um dos seus principais decretos é o Ato Institucional de número 1 e o Ato Institucional de número 5. O primeiro ato foi editado logo após a tomada do poder pelos militares. Esse decreto previa em seu artigo 10 que no caso do “interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na

169 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.105. 170 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.105. 171 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.105.

Constituição” os Comandantes-em-chefe tinham o poder de suspender os direitos políticos pelo período de dez anos e, até mesmo, cassar mandatos legislativos, retirado também a possibilidade do judiciário apreciar suas deliberações172.

Sob a vigência do ato Institucional de número I, ocorreu um número bem expressivo de cassações. Em um balanço, chega-se a um resultado de 378 atingidos:

Três ex-presidentes da República (Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart); seis governadores de Estado; dois senadores; 63 deputados federais e mais de três centenas de deputados estaduais e vereadores. Foram reformados compulsoriamente 77 oficiais do Exército. 14 da Marinha e 31 da Aeronáutica. Aproximadamente dez mil funcionários públicos foram demitidos e abriram-se cinco mil investigações, atingindo mais de 40 mil pessoas. Castello Branco criou a Comissão Geral de Investigações (CGI) – para coordenar as atividades dos inquéritos policiais militares, que começaram a ser instaurados em todo o país. Foi implantado, em junho, o Serviço Nacional de Informações, cujo poder misterioso cresceria sem interrupção nos anos seguintes173.

Com relação ao Ato Institucional de número 5, este repugnante surgimento da repressão dispôs em seu texto o recesso do Congresso Nacional e de todos os demais parlamentos, onde o seu retorno só seria possível no caso de uma autorização a ser dada pelo Presidente da República. Esse decreto também previa que, durante a recessão parlamentar, o Executivo poderia legislar em todas as matérias das esferas federativas; o Presidente da República adquire o poder de decretar a intervenção nos Estados e Municípios caso houvesse interesse nacional; prevê a nomeação de interventores. Também poderiam ser suspensos os direitos políticos de qualquer cidadão pelo período de dez anos, podendo de igual forma cassar mandatos legislativos em todas as esferas, prevendo que não haveria substituição aos que fossem destituídos de seus mandatos. Alterando assim o quórum do poder legislativo ficando apenas com os que efetivamente estavam preenchidos; previsão da suspensão de direitos políticos (como votar e ser votado), proibição de exercer atividades ou manifestações sobre assuntos relacionados à política, previsão legal da aplicação da liberdade vigiada, restrição a frequentar determinados locais, podendo até mesmo impor a determinação de seu domicílio, o Judiciário não tinha qualquer poder de se imiscuir nestes Atos Institucionais. No decreto, estava previsto que o Presidente da República poderia decretar estado de sítio174 prorrogando esse por prazo determinado, podendo confiscar bens os quais eram entendidos como sendo adquiridos através

172 TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. op cit, 2015, p.105.

173 ARNS, D. Paulo Evaristo. Brasil nunca mais. 16ª ed., Petrópolis/RJ: Editora Vozes. 1986. p.61.

174 Dados disponíveis em:

<http://legis.senado.gov.br/legislação/ListaNormas.action?numero=5&tipo_norma=AIT&data=19681213&link> . Acesso em: 22 out 2015.

de ilícitos, após a realização de investigações. No caso de crimes relacionados a crimes políticos, segurança nacional, ordem econômica e social e economia popular, poderia ser suspenso a garantia do habeas corpus175.

Esse paradigma de Estado de Exceção, criado no Brasil em 1964, foi marcado drasticamente pela afronta direta aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, pois a prática da tortura foi implementada como instrumento rotineiro de interrogatórios aplicados a opositores políticos que iam de encontro aos interesses dos militares os quais detinham o poder