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Biopolítica, estado de exceção e segurança pública: o papel dos direitos humanos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

ADALBERTO WOLNEY DA COSTA BELOTTO

BIOPOLÍTICA, ESTADO DE EXCEÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA: O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação final do Curso de Mestrado

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2016

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

ADALBERTO WOLNEY DA COSTA BELOTTO

BIOPOLÍTICA, ESTADO DE EXCEÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA: O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação final do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a aprovação. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2016

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Catalogação na Publicação

Zeneida Mello Britto CRB10/1374 B452b Belotto, Adalberto Wolney da Costa.

Biopolítica, Estado de Exceção e Segurança Pública: o papel dos direitos humanos / Adalberto Wolney da Costa. – Ijuí, 2016. – 112 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Maiquel Angelo Dezordi Wermuth”.

1. Estado de exceção. 2. Biopolítica. 3. Vida nua. 4. Segurança pública. 5. Direitos humanos. I. Wermuth, Maiquel Angelo Dezordi. II. Título. III. Título: O papel dos direitos humanos.

CDU: 342.7:351.74

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

BIOPOLÍTICA, ESTADO DE EXCEÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA: O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS

elaborada por

ADALBERTO WOLNEY DA COSTA BELOTTO

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Maiquel Angelo Dezordi Wermuth (UNIJUÍ): ______________________________

Profª. Drª. Gisela Maria Bester (UNOESC): _______________________________________

Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler (UNIJUÍ): ____________________________________

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AGRADECIMENTOS

A todos que de uma ou outra forma, direta ou indiretamente, contribuíram no percurso deste estudo;

Agradeço, de forma especial:

Ao prof. Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, pela cuidadosa e dedicada orientação na realização deste estudo;

Ao prof. Dr. Gilmar Antônio Bedin, pelo apoio, diálogos, sugestões ao longo da pesquisa e pelo acolhimento;

Ao prof. Dr. André Leonardo Copetti Santos, pelas sugestões e instigamentos; A todos os professores e secretaria do PPG em Direitos Humanos da Unijuí;

Aos colegas e amigos, pelo constante incentivo, convivência e diálogos no decurso desta tarefa;

A minha esposa Tatiane Belotto, pelo apoio, incentivo, compreensão, parceria nas pesquisas e na busca constante da nossa evolução como seres humanos.

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RESUMO

O presente estudo investiga as teses dos filósofos Michel Foucault e Giorgio Agamben visando a compreender a biopolítica e a produção da vida nua na contemporaneidade, relacionando-as ao paradigma denominado por Agamben de Estado de Exceção. Nesse sentido, analisa quem são os indivíduos rotulados como Homo Sacer e em que medida a expansão do Direito Penal interfere nas políticas de Segurança Pública, o que se revela, no caso dos presídios brasileiros, na determinação do perfil da massa carcerária no país. Com isso busca-se compreender a crise do atual paradigma de governo que vem se implementando na contemporaneidade, o qual está utilizando estes métodos como técnica de governo. Agamben denomina este novo modo governar a vida em sociedade de Estado de Exceção. Na percepção do filósofo, tal configuração de governo adquire uma conotação biopolítica, estruturada em um Direito que inclui o indivíduo mas cria uma situação de suspensão. Nesse Estado de Exceção, o poder soberano acaba por capturar a vida humana por meio do Direito, ou seja, através dos dispositivos de poder, transformando estas vidas capturadas em vidas nuas, constituindo um vazio jurídico. Observa-se que na contemporaneidade este modelo vem Observa-se implementando Observa-sem precedentes, formando campos de concentração nos quais a vida nua atinge sua máxima da lógica biopolítica, com a aniquilação do ser humano. Nesse Estado de Exceção a vida está entregue ao poder do soberano, o qual dispõe do poder de fazer morrer ou deixar viver, definindo as vidas que são dignas de serem vividas e as que podem ser aniquiladas, o que representa uma total afronta aos Direitos Humanos e à Dignidade da Pessoa Humana.

Palavras-chave: Estado de exceção. Biopolítica. Vida nua. Segurança Pública. Direitos Humanos.

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RESUMEN

El presente estudio investiga las teorías de los filósofos Michel Foucault y Giorgio Agamben que buscan entender la biopolítica y la producción de la vida desnuda en el mundo contemporáneo, relacionándolos con el paradigma llamado por el Estado de Excepción de Agamben. En este sentido, parece que son los individuos etiquetados como Homo Sacer y en qué medida la expansión del derecho penal interfiere con las políticas de seguridad pública, que se revela en el caso de las prisiones brasileñas, en la determinación del perfil de la masa de la prisión en el país. Con que busca comprender el paradigma actual de crisis de gobierno que se ha implementado en el mundo contemporáneo, que está utilizando estos métodos como una técnica de gobierno. Agamben llama a esta nueva forma de gobernar la vida en sociedad de Estado de Excepción. En opinión del filósofo, una configuración de tal gobierno adquiere una connotación biopolítica, estructurado en una ley que incluye al individuo, pero crea una situación de suspensión. En este estado de excepción, el poder soberano resulta para capturar la vida humana a través de la ley, es decir, a través de los dispositivos de poder, por lo que estas vidas capturados en las vidas desnudas, lo que constituye un vacío jurídico. Se observa que en la actualidad este modelo ha estado implementando la formación de los campos de concentración sin precedentes en la que la vida desnuda alcanza su máximo de la lógica biopolítica, con la aniquilación del ser humano. En este estado de vida excepción es entregado al poder del soberano, que tiene el poder de morir o dejar vivir, la definición de vidas que se vale la pena vivir y los que pueden ser eliminados, lo cual es una ofensa completa a los derechos humanos y la dignidad humana.

Palabras clave: Estado de excepción. Biopolítica. vida desnuda. Seguridad Pública. Derechos Humanos.

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SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 8 2 O ESTADO DE EXCEÇÃO E A PRODUÇÃO DA VIDA NUA (HOMO SACER): DA DISCIPLINA AO BIOPODER ... 11

2.1 A sociedade disciplinar ... 11 2.2 A biopolítica e a produção da vida nua (Homo Sacer) ... 21 2.3 O Estado de Exceção como paradigma de governo na contemporaneidade e o tensionamento dos Direitos Fundamentais ... 30

3 A BIOPOLÍTICA E A SEGURANÇA PÚBLICA ... 43

3.1 Noções críticas sobre o Direito Penal e a Segurança Pública ... 43 3.2 Relações entre a Biopolítica e o Biopoder com os Direitos Humanos no campo das políticas de Segurança Pública ... 59

4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA NO BRASIL ... 73

4.1 As principais políticas de Segurança Pública brasileira e a violação da dignidade da pessoa humana ... 73 4.2 As políticas de segurança vinculadas aos presídios brasileiros e a produção da vida nua ... 85

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 103 REFERÊNCIAS ... 109

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os eventos terroristas ocorridos nos Estados Unidos no dia 11 de setembro de 2001, com a destruição das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, contribuíram com uma mudança na política criminal mundial de segurança. A partir desse marco, a América assinala um novo paradigma político nas democracias ocidentais, marcada, na seara da Segurança Pública, pelo recrudescimento do Direito Penal e Processual Penal e pela relativização dos direitos e garantias constitucionais. Nesse novo paradigma mundial inverte-se a lógica da prisão: o que era para inverte-ser a ultima ratio passa a inverte-ser a regra. Nunca inverte-se aspirou tanto por políticas preventivas ou de segurança. Devido a um momento de alarde em torno dos riscos vivenciados pela sociedade, o Estado, com o escopo de dar uma resposta satisfatória aos cidadãos, os quais estão com medo da violência, passa a se utilizar o Direito Penal como se fosse o único meio satisfatório capaz de solucionar os problemas da Segurança Pública.

Ainda que já decorridas quase duas décadas desse trágico ato terrorista nos EUA, seus reflexos ainda são sentidos no mundo todo. Percebe-se que o Estado, a fim de satisfazer seus interesses escusos, mas com o discurso político de que suas ações são de interesse público, se utiliza de práticas biopolíticas como a vigilância e políticas de coerções, as quais privilegiam apenas uma pequena parcela da sociedade, beneficiando tão somente as pessoas adaptadas ao sistema capitalista em uma sociedade de consumo. Nesse ínterim, a forma como o Estado age frente à sociedade tem sido objeto de estudo por especialistas no assunto, haja vista que esse novo modelo de Estado de Exceção tende cada vez mais a se arraigar como um novo paradigma de governo na contemporaneidade, gerando um cenário marcado pela insegurança, vulnerabilidade, medo, afronta aos Direitos Humanos e à Dignidade da Pessoa Humana. Nesse Estado de Exceção, o filósofo italiano Giorgio Agamben destaca práticas totalitárias praticadas pelo soberano. Esta forma de agir do soberano deveria ficar restrita a acontecimentos excepcionais, possuindo suas limitações a um determinado espaço de tempo e lugar. Entretanto, o que era para ser exceção torna-se a regra devido ao uso permanente das medidas exercidas no Estado de Exceção. Depreende-se que a excepcionalidade tornou-se o paradigma adotado pelo governo na contemporaneidade como uma técnica de governo. Nesse Estado de Exceção o poder soberano acaba por capturar a vida humana, estando alicerçado no estado de necessidade, retornando à máxima da teoria da “necessitas legem non habet”, ou seja, a necessidade não necessita de lei. Nessa acepção, o Estado de Exceção constitui um ponto de desequilíbrio entre o direito público e o fato político.

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e a política, as relações do ente Estatal com seus cidadãos, e o direito à Segurança Pública sem que se firam os Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana. O problema que orientou a pesquisa foi assim formulado: em que medida o paradigma que orienta as políticas de Segurança Pública brasileiras contemporâneas pode ser associado ao biopoder e à biopolítica característicos de um Estado de exceção, com a consequente promoção de cesuras entre as vidas que merecem ser respeitadas e aquelas que não merecem consideração (vida nua) porque transformadas em “vidas supérfluas” (homo sacer) na gestão calculista da vida?

O objetivo geral do presente trabalho foi compreender como se dá, no campo da Segurança Pública, o exercício do biopoder e da biopolítica pelo Estado sobre os sujeitos, analisando as formas de exercício do poder que se encontram efetivamente em jogo em cada uma das estratégias de segurança (policiamento público, aprisionamento, monitoração eletrônica, etc).

Como objetivos específicos, o presente trabalho tem a pretensão de:

a) Demonstrar o controle social exercido pelo Estado através do biopoder e da biopolítica, como formas de controle que coexistem com os dispositivos disciplinares (como a vigilância, punição e a segregação);

b) Observar se o estado de exceção fere os Direitos Humanos e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como o gerenciamento da sociedade através da biopolítica, separação de castas, cidadãos de bem (bens), com delinquentes (ou inimigos) através do cárcere;

c) Descrever as possíveis afrontas aos Direitos Humanos e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e danos ou lesões causadas nos sujeitos do Estado;

d) Analisar os aspectos jurídicos, bem como a legitimidade da conduta do Estado, em criar um estado de exceção como paradigma de governo em nome da Segurança Pública.

Desse modo, o presente trabalho se divide em três capítulos. No primeiro capítulo, abordar-se-á o tema Estado de Exceção e a produção da vida nua (homo sacer). Inicialmente trabalhar-se-á com o pensamento de Michel Foucault acerca do câmbio/superposição da sociedade disciplinar para a biopolítica e a consequente produção da vida nua (homo sacer) que esse movimento representa, em um diálogo com a ideia de Estado de Exceção extraída das reflexões de Giorgio Agamben.

O segundo capítulo tem por objetivo analisar o tema da Segurança Pública à luz da biopolítica e do biopoder, fazendo-se críticas ao Direito Penal sob o prisma dos Direitos Humanos. Por fim, o terceiro e último capítulo visa a explicar as principais políticas de Segurança Pública brasileiras e as violações da dignidade da pessoa humana, bem como as

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políticas de Segurança Pública vinculadas aos presídios e a produção da vida nua, evidenciando que são esses denominados de vida nua os legítimos homo sacer brasileiros analisando seu perfil e a quem se destinam as prisões brasileiras.

O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, partindo-se do geral para o particular, ou seja, da análise de bibliografias pertinentes à utilização do estado de exceção pelo poder Estatal, bem como o gerenciamento da sociedade, através do biopoder e biopolítica.

O procedimento metodológico compreendeu-se através da coleta e análise de documentos, de leis e de jurisprudência; através do levantamento bibliográfico e documental (com listagem, formação e cruzamento de dados e elaboração de análises críticas) definição de conceitos e teorias que foram usadas como categorias na investigação, para formulação da análise do conteúdo, observando as fases propostas por Lakatos e Marconi (2009 p. 44 ): “escolha do tema; elaboração do plano de trabalho; identificação; localização; compilação; fichamento; análise e interpretação e redação.

Diante dos resultados evidenciou-se o surgimento de um Estado de Exceção para aqueles classificados como indivíduos perigosos, em geral negros, jovens, pobres e com baixo grau de instrução, ligados ao cometimento de crimes patrimoniais, tráfico de drogas e contra a pessoa, os quais através de Políticas Públicas de Segurança passam a ser excluídos da convivência da classe social possuidora de bens, haja vista que a parcela da sociedade não detentora de capital não tem espaço no novo paradigma de um estado neoliberal capitalista. Percebe-se uma seletividade com relação ao sistema carcerário, e a utilização de discursos políticos em prol da expansão do direito penal em detrimento a classe pobre. Nesse sentido, o Estado passa a exercer uma técnica de governo, criando um espaço vazio de direito, o que consiste na suspenção dos direitos Constitucionais daqueles marginalizados pelo poder hegemônico, o que peremptoriamente constitui uma afronta aos Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana. O cárcere passa a ser o meio empregado para selecionar e controlar a vida das pessoas, destinando-se em caráter geral para daqueles que estão fora da lógica do sistema de consumo. Dessa forma se assegura a plena manutenção do sistema de consumo, proporcionando assim a falsa sensação de segurança aos ricos.

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2 O ESTADO DE EXCEÇÃO E A PRODUÇÃO DA VIDA NUA (HOMO SACER): DA DISCIPLINA AO BIOPODER

No presente capítulo, far-se-á uma abordagem das teses foucaultiana e agambeniana sobre a questão da sociedade disciplinar, biopolítica a produção da vida nua e Estado de Exceção. Evidenciar-se-ão as características de técnicas disciplinares de esquadrinhamento sistemático do tempo, do espaço e do movimento dos corpos que compõem a sociedade de normatização. Analisar-se-ão os reflexos nos indivíduos produzidos por práticas como vigilância e políticas de coerções, bem como seu escopo ao sistema capitalista e as possíveis afrontas aos Direitos Humanos e à Dignidade da Pessoa Humana.

Mostrar-se-á a nova forma de governar os corpos dos indivíduos através das técnicas disciplinares impostas pelo poder hegemônico e a descoberta do corpo como centro de poder, bem como a forma de governar a vida de todo o conjunto de pessoas que compõe a população através de biopoderes locais, os quais manipulam a gestão da saúde, higiene, alimentação, sexualidade, natalidade dentre outros, estando estas gestões sob investimentos políticos. Abordar-se-á o novo paradigma de governo denominado por Agamben de Estado de Exceção, o que constitui uma exclusão do indivíduo do direito, mas o deixando ao alcance do direito.

2.1 A sociedade disciplinar

A sociedade disciplinar surge entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, tendo como características um conjunto de técnicas de coerção exercidas através de um esquadrinhamento sistemático do tempo, do espaço e do movimento dos indivíduos. Esse modelo resulta em uma manipulação das atitudes e dos gestos dos corpos. É a verdadeira técnica do poder exercido de forma individual sobre cada corpo. Um exemplo disso é o controle que se dá no indivíduo através da vigilância, por meio da qual se torna possível o controle de suas condutas, seus comportamentos e suas aptidões, tendo por escopo o desenvolvimento de suas capacidades laborativas, tornando-o mais útil a um sistema capitalista então em fase de formação/consolidação1.

Nos caminhos percorridos por Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, evidencia-se a maneira como evidencia-se dá a descoberta do corpo como objeto e alvo de poder2. Desde o

1 REVEL, Judith. Dicionário Foucault. Tradução de Anderson Alexandre da Silva; revisão técnica Michel Jean

Maurice Vincent. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. p . 36.

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Renascimento, “introduz-se uma nova forma de relação, que não é poder sobre objetos, riqueza, mas sobre o corpo e seus atos, o poder sobre o trabalho”3. Facilmente se percebem os sinais que apontam o corpo como sendo o novo centro das atenções, por meio da manipulação, da modelagem e do treino, o que o torna útil ao trabalho4.

Foucault faz uma analogia do homem como sendo uma máquina, composta simultaneamente de duas partes: a primeira, a anátomo-metafísica é apontada por médicos e filósofos; a outra parte é denominada de técnico-política, constituída por um determinado conjunto de regulamentos que podem ser militares, escolares, hospitalares e através de processos empíricos e refletidos os quais têm por escopo controlar e corrigir as operações do corpo5. O Homem-máquina, segundo Foucault, trata-se de uma redução materialista da alma e uma teoria do ser adestrado. Em sua interioridade reina a docilidade, unindo assim o corpo analisável ao corpo manipulável. Considera-se corpo dócil, aquele corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, podendo ser transformado e aperfeiçoado6.

O Século XVIII é marcado por um interesse na docilidade do corpo, que passa a ser considerado como um objeto, que por si só justifica os investimentos realizados de forma imperiosa e urgente, impondo-se limitações, proibições ou algum tipo de obrigação. O objetivo não é cuidar do corpo de uma forma coletiva, mas de trabalhá-lo minuciosamente no plano individual, tendo por escopo um exercício de coerção sobre ele. A ideia é manter o corpo no mesmo patamar da mecânica, manipulando seus movimentos, gestos, atitudes e destreza com que realiza suas tarefas, tornando-o, assim, um corpo ativo e controlado, voltado a uma economia que busca a eficácia dos seus movimentos, uma forma de organização interna, o que só é possível devido à coação existente sobre o corpo7.

Através dos métodos de controle minucioso das operações do corpo, o qual se sujeita no modo de agir, pensar, produzir, gerir seu tempo, atribuir-lhe rotinas e hábitos, estas forças lhe impõem uma relação de docilidade-utilidade, o que se pode denominar de “disciplinas”8. O processo disciplinar existe há muito tempo, facilmente observado nos conventos, no exército e nas oficinas. Entretanto, as disciplinas tornaram-se, nos Séculos XVII e XVIII, formas de dominação do corpo por excelência. O que não se confunde com a escravidão, pois essa se

Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p.132.

3 FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e

o direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 9.

4 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.132. 5 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.132. 6 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.132. 7 FOUCAULT, Michel. op cit,.2013, p.133. 8 FOUCAULT, Michel. op cit,.2013, p.133.

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baseia numa relação custosa e violenta, Já, na sociedade disciplinar, é a apropriação do corpo a qual se dá através de processos disciplinares que resultam em um corpo obediente, dócil e mais útil, formando assim uma espécie de política das coerções, as quais são peremptoriamente um trabalho sobre o corpo, a verdadeira manipulação calculista de seus gestos e de seus comportamentos. É como se o corpo humano fosse colocado em uma máquina que tem o poder de esquadrinhar, desarticular e o recompor em um ser dócil9.

Esse processo disciplinar verdadeiramente é compreendido como uma anatomia política, a qual é igualmente interpretada como a mecânica do poder. Definindo o jeito de dominar o corpo humano dos outros, a fim de que operem da forma que se requer, com as técnicas, de acordo com a agilidade e a eficácia que se espera. Através das técnicas disciplinares, as forças do corpo referindo-se em termos relacionados à economia e à utilidade, peremptoriamente produzem corpos submissos, exercitados e dóceis. Por meio da ampliação do poder do corpo faz com que ele aumente também sua aptidão, ampliando significativamente sua capacidade, energia e potência o que resulta numa sujeição estrita, na qual a coerção estabelece no corpo o elo coercitivo entre o aumento da aptidão e uma dominação exacerbada10.

Após o Renascimento, com a nova forma de relacionamento com o corpo humano, que passa a ser disciplinado, ocorre uma transformação política, devido a uma mudança nas tecnologias do poder. Passa-se de um poder de dedução para um poder de produção qualificada devido a dois fenômenos: o primeiro deles é a emergência de técnicas disciplinares do poder orientadas pelas necessidades de monopolizar as forças do corpo humano, conhecida como técnicas e táticas de dominação11. O segundo fenômeno12 está relacionado à Biopolítica13, a qual serve para administrar e regulamentar o modo de vida desse sujeito político14, de uma forma geral destinada à manipulação da população, o que será tratado no próximo subtítulo.

Nesse diapasão, o referido poder disciplinar dos corpos é tido como uma nova maneira de poder, não podendo mais ser transcrito em termos de soberania decorrendo através da invenção da sociedade burguesa. O que se pode afirmar serviu como um importante e fundamental instrumento para a implementação do capitalismo industrial e do tipo de sociedade

9 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.133. 10 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.133 - 134.

11 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.

186.

12 REVEL, Judith. Dicionário Foucault. op. cit, 2011. p. 24.

13 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa

Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 1º ed. São Paulo. Paz e Terra, 2014. p.150 – 151.

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que corresponde a esse poder, um poder não soberano sujeito à maneira da soberania, peremptoriamente é o poder disciplinar 15.

O poder disciplinar marca novos paradigmas de regulamentação social, abandonando a violência que era imposta de uma forma hierárquica, com isso acabava por regulamentar uma normatização e uma administração das vidas e dos corpos dos sujeitos16. Com relação a esta hierarquia de poder entre dominadores e dominados Foucault salienta:

O poder vem de baixo; isto é, não há, no princípio das relações de poder, e como matriz geral, uma oposição binária e global entre os dominadores e os dominados, dualidade que repercutia de alto a baixo e sobre grupos cada vez mais restritos até as profundezas do corpo social17.

Foucault, analisa de forma ecumênica os delineamentos do poder disciplinar 18. Critica a noção de exclusão e intolerância social, relacionado à prisão contemporânea19, destinada aos desviantes e indesejáveis do corpo social, aplicando a essas punições através de técnicas de poder. Nessa conjuntura, a prisão serve para exclusão e eliminação da fração da sociedade com comportamento irregular. O escopo aqui não é exclusivamente aos que transgridam a lei, mas destina-se a eliminar os que não seguem as normativas sociais20, atribuindo-lhes o que Garland denomina de “justiça reparadora”, que consiste no discurso político do combate ao crime, justificado no senso comum de justiça, entretanto tais políticas atingem apenas os menos afortunados. “Estes sentimentos residiam, indubitavelmente, mais nos valores aspirados pelas elites políticas do que na sensibilidade do público em geral21”. Nesse ínterim, Foucault aduz: “não há exílio nem reclusão que não comporte, além do que se caracteriza de maneira geral como expulsão, uma transferência, uma reativação desse poder que impõe, constrange e expulsa”22.

Quando Foucault usa o termo disciplina, está se referindo a um conjunto de técnicas e procedimentos que têm por escopo a produção de corpos politicamente dóceis23, os quais são

15 FOUCAULT, Michel. op cit, p. 188.

16 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa

Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 19. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988, p. 104.

17 FOUCAULT, Michel. op cit,, 1988, p. 104.

18 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Tradução Maria Ermantina Galvão. 2 ed. São Paulo: Editora

WMF Martins Fontes, 2010. p.234 – 235.

19 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013. p.103 -104.

20 WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Medo e direito penal: reflexos da expansão punitiva na realidade

brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2011. p. 73 -74.

21 GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução,

apresentação André Nascimento. Rio de Janeiro: Revan. 2008. p.53 – 54.

22 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013. p. 4 - 5. 23 REVEL, Judith. op cit, 2011. p . 36.

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economicamente rentáveis24. O que, a partir do Renascimento, segundo Ferraz, insere-se um novo paradigma em relação ao corpo. Nesse sentido, os interesses não estão mais voltados aos objetos ou às riquezas, mas ao exercício de poder sobre o corpo, passando a manipular seus atos e exercendo poder sobre seu trabalho25.

A gênese dos dispositivos disciplinares tem por base dois paradigmas punitivos. O primeiro, o autor nomeia de suplício, a exemplo do caso relatado em que Damiens, no dia 2 de março do ano de 1757, publicamente é esquartejado, deixado nu e torturado de diversas maneiras, tais como: aplicação de chumbo derretido, de óleo fervente, de piche em fogo, de cera e de enxofre pelo seu corpo. Em seguida, tem seu corpo puxado por cavalos desmembrando-se em quatro pedaços; após esta atrocidade, seu corpo é queimado até se reduzir a cinzas e posteriormente, lançado ao vento26.

O outro modelo de dispositivo disciplinar, analisado por Foucault, foi elaborado por Léon Faucher. Por volta do ano de 1838, cria-se um regulamento para jovens detentos de Paris, no qual se busca o controle do corpo através da manipulação do tempo. Determina-se o horário em que os jovens detentos devem realizar suas tarefas criando, assim, uma rotina metódica. Descrevendo nove horas para trabalhar, desde as cinco, no verão e, as seis no inverno, regulando a mesma forma o descanso, a comida, os estudos e até mesmo as práticas religiosas27.

De acordo com Foucault, a partir do século XIX, inicia-se um processo de transição do sofrimento do suplício para uma pena de castigo. Tal desaparecimento ocorreu devido a uma tendência a desconsiderar o suplício, tratando-o com uma maior superficialidade. Essas transformações institucionais acabaram por mudar códigos em sua forma explícita e de forma geral, buscando-se um caráter essencialmente corretivo da pena, modulando-se os castigos, com um sofrimento de forma mais sutil28.

Nesse lapso temporal, de aproximadamente setenta e cinco anos, houve essa separação entre as duas formas de castigo, com um duplo processo de mutação, com o desaparecimento do espetáculo punitivo, fazendo com que a pena se desloque da intensidade do sofrimento, o que era de forma visível, para uma consciência abstrata calcada na certeza de ser castigado, e uma mudança maior em seu escopo explícito do sistema judicial, em que no lugar de castigar busca-se a cura e a correção do delinquente29. Nesse diapasão, surgem novas figuras no sistema

24 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013. p. 28.

25 FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Estudos de filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e

o Direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 9.

26 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p. 9. 27 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p. 11 – 12. 28 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p. 13.

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judiciário carcerário, tais como: psiquiatras, psicólogos, peritos forenses, os quais contribuem com novos saberes30.

Foucault indica que o suplemento de poder não se manifesta mais no exagero da força física, ao qual o corpo era submetido através do suplício, mas se adquiriu uma forma não corporal, a partir da qual se tornou possível e mais dinâmico o manejo da criminalidade e sua periculosidade, de uma forma mais objetiva. O que se busca através desses novos dispositivos disciplinares, não é mais o corpo dos indivíduos, mas se busca capturar suas vidas, através de seu corpo aprisionando suas almas31. Em sua obra Vigiar e Punir o autor fundamenta a tese de que o nascimento da prisão adquire um alcance mais amplo do que simplesmente o suplício. Trata-se a prisão como um apoderamento da vida e da alma do indivíduo, baseado em uma correlativa alma moderna, sendo considerada uma nova forma de julgar. É a gênese da sociedade disciplinar moderna32. Essa nova definição da política do corpo calcada em saberes e tecnologias dissipada entre as instituições e a materialidade dos corpos, acaba formando a microfísica do poder33.

Com as reformas dos princípios e das técnicas referentes aos castigos, buscou-se adquirir uma maior regularidade e eficácia, resultando, assim, em um menor custo político e econômico, tendo em vista que os suplícios eram objetos de indagações há algumas décadas e suas consequências, em inúmeras vezes, faziam-se contrárias aos resultados pretendidos34. Uma vez que a população comemorava a coragem e a resistência dos suplicantes como um ato de valentia que se sobrepunha à brutalidade como eram tratados, sublevando contra o poder que se exercia sobre eles35.

Com o surgimento do Capitalismo, os delitos contra a propriedade e as fraudes ganham uma maior importância daqueles delitos de sangue, surgindo assim uma maior necessidade de castigar de forma mais efetiva. Com o escopo de evitar a reincidência e a fim de prevenir o delito, buscou-se castigar mais e melhor o delinquente. As grandes mudanças ocorridas no direito penal surgem através da sensibilidade da sociedade em defender seu patrimônio, e em nada tem a ver com uma sensibilidade concernente à crueldade das penas, é apenas um cálculo relacionado à economia da sociedade burguesa e a sua política, utilizando-se da função punitiva

Autêntica Editora. 2015.p. 87.

30 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.87. 31 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.87. 32 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.87. 33 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.88. 34 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.88. 35 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.87.

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a fim de garantir seu patrimônio36.

A prisão por excelência não se deu de forma direta e imediatamente com a reforma penal, uma vez que a dimensão pública do castigo remete à sociedade a lembrança da ruptura do pacto social, na qual o corpo era exposto a manifestar suas aflições de forma pública, obrigando-o a trabalhar em locais onde poderiam ser vistos por todos a fim de que o povo percebesse o destino daqueles que contrariassem ou violassem as leis. O corpo era o apogeu da aplicação da pena, sendo que o objetivo do sistema carcerário não é a ressocialização do indivíduo ao pacto, mas o de produzir corpos dóceis e obedientes, em que a instituição coercitiva toma lugar em uma sociedade punitiva37.

A instituição carcerária, desde seus primórdios, sempre foi objeto de várias críticas, tendo em vista a sua incapacidade de conseguir adaptar ou de ressocializar o condenado a voltar para a civilização urbana38. Foucault aponta esses processos como sendo a transformação de uma sociedade do suplício em uma sociedade disciplinar, remetendo ao trabalho de Jeremy Bentham, uma sociedade panóptica39.

Peremptoriamente o cárcere é mais uma engrenagem desta sociedade panóptica, em que o escopo está baseado em primeiro lugar a uma necessidade de ajuste entre si do acúmulo de capital e a aglomeração de corpos advindos da civilização urbana e das novas maneiras de produção. Esse modelo prisional benthamiano, do panótico, diz respeito a um local de encarceramento em que vige o princípio da constância de vigilância, local da exposição do corpo a uma visibilidade total, ocorrendo a decomposição das massas em unidades de reordenação complexas através de uma hierarquia rigorosa, a qual permite a submissão de cada corpo humano a uma verdadeira economia do poder. Instituições disciplinares como prisões, escolas, asilos, ainda nos dias de hoje, apresentam uma arquitetura panóptica, ou seja, uma arquitetura voltada à constância da vigilância do indivíduo, destinado ao encarceramento e à repressão dos corpos que ali se encontram. Trata-se do gerenciamento da alma do indivíduo40.

Nesse diapasão, o poder carcerário passa a normatizar a vida dos indivíduos utilizando-se da lei. Prevendo o aprisionamento daqueles que não agem de acordo com ela. Com a utilização do cárcere, como mecanismo de uma sociedade disciplinar, resultou a descoberta de novos conhecimentos. Ao serem implementados, resultaram em mecanismos disciplinares

36 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.88. 37 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.89. 38 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.90. 39 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.90. 40 REVEL, Judith. Op cit. 2011, p. 37.

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fortalecidos através deste sistema41. Segundo Foucault, os colégios, as escolas primárias, os espaços hospitalares e as organizações militares desempenham os mesmos mecanismos de coerção que o cárcere, produzindo corpos disciplinados. Isso estabelece um elo entre uma aptidão aumentada e uma dominação exacerbada. Essas técnicas encontram sua importância devido ao investimento político realizado no corpo, o qual ganha espaço e se estende e cobre o corpo social por completo42.

O processo de reclusão consiste na aplicação da lei penal, efetivando-se através do aprisionamento do corpo, privando-o de sua liberdade, passando a exercer sobre ele práticas disciplinares de normatização do indivíduo. A relevância consiste em demonstrar a superposição da lei sobre a norma, o que acaba definindo a sociedade contemporânea43. Em uma sociedade disciplinar, o criminoso é visto como um pecador, confundindo-se assim a pena com uma moral cristã, a qual é imposta pelo sistema judicial44. Relacionado a esta moralidade, Foucault descreve de forma analógica estabelecendo uma relação entre o convento e o cárcere, ou seja, o convento tem por escopo a proteção do indivíduo sacro do mundo exterior, a fim de que não haja contaminação com o que é considerado impuro. Já o cárcere é exatamente o efeito ao contrário, é a anulação do indivíduo considerado impuro, a fim de que este não contamine o mundo exterior45.

O termo disciplina é algo que vem de muito tempo, sendo encontrado tanto nos quartéis quanto nos conventos. Entretanto, a partir do século XVIII, tais dispositivos disciplinares sofrem várias mutações, passando não só a neutralizar ou a anular aqueles que eram considerados inúteis ao capitalismo, mas a partir de então passam a dar utilidade a esses corpos, tornando-os produtivos e cumprindo funções positivas, passando a ser objeto de apropriação por parte do Estado, o qual se apodera desses corpos dóceis por meio de um sistema policial centralizado46.

Com relação ao poder disciplinar, Foucault busca a compreensão do modo em que este poder torna-se a maneira geral de dominação dos corpos. Esse momento de dominação nasce com a arte de domínio do corpo humano, na qual o principal não é o aumento das habilidades corporais, nem o aumento da intensidade de sua sujeição, mas a formação de um mecanismo que torna o corpo muito mais obediente e mais útil47. Conforme sustenta Foucault

41 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.90. 42 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.134. 43 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.91. 44 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.92-93. 45 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.87. 46 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.92. 47 REVEL, Judith. Op cit, 2011, p.36.

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A disciplina não pode identificar-se nem com uma instituição nem com um aparato; é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos de níveis de aplicação, de objetivos; é uma física ou uma anatomia do poder, uma tecnologia48.

Peremptoriamente a sociedade disciplinar está relacionada a um dispositivo que se relaciona entre elementos heterogêneos, tais como: instituições panópticas, regulamentos, discursos, leis, disposições administrativas, em que se tem por escopo a produção de corpos humanos politicamente dóceis e economicamente rendáveis, na qual seu funcionamento e objetivos adaptam-se sempre às novas realidades49.

Com a implementação dessas técnicas, ocorre a definição das características próprias de uma sociedade disciplinar, fazendo com que haja a manipulação em sua forma celular, combinatória, genética, orgânica e organizacional em termos de sociedade50. Há de se observar que essas técnicas devem ser associadas com vigilância panóptica51 acompanhadas por sanções as quais têm por escopo a correção, a reeducação, cura e a expiação do mal, a verdadeira ortopedia da moral do indivíduo52.

Como dizia Rush:

Só posso esperar que não esteja longe o tempo em que as forças, o pelourinho, o patíbulo, o chicote, a roda, serão considerados, na história dos suplícios, como as marcas da barbárie dos séculos e dos países e como as provas da fraca influência da razão e da religião sobre o espírito humano53

Através das técnicas disciplinares, percebe-se a maneira distinta de ação e das formas entre a lei e a norma. A lei, por sua vez, cria um binômio de certo e de errado, permitido e proibido, remetendo os indivíduos a códigos, nos quais passam a regular seus comportamentos e suas ações54. Em consequência a não observância das leis acarreta penas nos indivíduos devido à quebra do contrato social, o qual estabelece obrigações entre partes55. No caso da não

48 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p. 92. 49 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p. 93. 50 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p. 93. 51 REVEL, Judith.. op cit., 2011, p. 37. 52 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.15.

53 RUSH, B., diante da Society for promoting political enquiries. In: TEETERS, N.K. The Cradle of the

Penitentiary, 1935, p. 30. apud FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história de violência nas prisões. Tradução de Raquel Ramalhete. 41. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p.15.

54 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Direito Penal I. Título. Trad. Alexis Augusto Couto de Brito –

Prefácio: René Ariel Dotti – São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.40 – 41.

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observância aos códigos ocorre a criminalização da conduta do indivíduo e a consequente separação destes dos demais, cerceando sua liberdade56.

Cesare Beccaria relaciona essa relação entre a norma e o comportamento como conditio

sine qua non, condição esta que só se estabelece o castigo no caso da não observância da lei57. Nesse sentido, Feuerbach estabelece a lei como base para que haja uma regulamentação nas ações e na criminalização quanto à conduta dos indivíduos, no conhecido brocado: Nulla poena

sine lege e nullum crimen sine poena legali58. “Somente as leis podem decretar as penas sobre os delitos, e esta autoridade não pode apoiar-se senão na obra do legislador que representa toda a sociedade unida por um contrato social”59.

Entretanto, a norma está baseada em um conceito de comparativo do que seria considerado como um ótimo padrão de conduta, dispensando-se os códigos e se buscando o padrão de referência social em sua excelência. Nesse caso, não há uma separação uns dos outros, o que ocorre é uma adequação de conduta na qual se iguala o corpo social60.

Nesse sentido, Foucault aponta o ambiente carcerário, hospitalar ou escolar, ainda que de forma temporária, como práticas de normalização inclusiva, em que se busca a homogeneização social através do processo disciplinar61. De acordo com Foucault, essas duas últimas instituições não são consideradas instituições de exclusão, mas se trata de instituições que sequestram o corpo e a alma do indivíduo. Num primeiro momento, trata-se a sujeição do tempo de vida a um tempo de produção, uma vez que, enquanto esses corpos dóceis tiverem vida, estarão sujeitos a atividades produtivas laborais, regulando inclusive o tempo destinado a sua diversão e até mesmo, regulando o tempo de seu descanso. Nesse ínterim, percebe-se que o hospital não tem só a incumbência da cura, e a escola a de ensinar, mas exercem uma função importantíssima na arte de controle e de produção de corpos dóceis e úteis62

Contudo, com relação à biopolítica e à disciplina, nota-se que esses mecanismos agem conjuntamente, complementado um ao outro. Constituindo elemento primordial de uma sociedade de normatização63. No próximo subitem, abordar-se-á a biopolítica, a qual se utiliza

56 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015, p.93. 57 BECCARIA, Cesare. op cit, 2005, p.10.

58 FEUERBACH, Paul Johann Anselm Ritter Von (1775-1833), filósofo e jurista Alemão, imortalizou as

expressões latinas do princípio da legalidade, no parágrafo 20 de seu tratado: nulla poena sine lege e nullum crimen sine poena legali. (N.T.) apud BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Bibliografia. Direito Penal I. Título. Trad. Alexis Augusto Couto de Brito – Prefácio: René Ariel Dotti – São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.26.

59 BECCARIA, Cesare. op cit, 2005, p.26. 60 CASTRO, Edgardo. op cit, 2015,p.93 – 94. 61 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p. 182 – 183. 62 FOUCAULT, Michel. op cit, 2013, p.216 – 220.

63 FONSECA, Ricardo Marcelo. Foucault o direito e a “sociedade de normatização”. In: Crítica da modernidade:

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das técnicas disciplinares a fim de governar não somente alguns indivíduos, mas todo o conjunto que compõe a população64. O que consequentemente resulta na produção de uma vida desqualificada e sem valor, produzindo o que Agamben denomina de vida nua de Homo Sacer65.

2.2 A biopolítica e a produção da vida nua (Homo Sacer)

A expressão biopolítica assinala a maneira de governar não somente alguns indivíduos utilizando-se de técnicas disciplinares, mas todo o conjunto de pessoas que compõe a população66. A biopolítica surge no final do século XVIII e no início do século XIX modificando a forma de governar a vida através de biopoderes locais, os quais manipulam a gestão da saúde, higiene, alimentação, sexualidade, natalidade dentre outros, estando estas gestões sob investimentos políticos67.

A biopolítica surge com o nascimento do liberalismo, desempenhando um exercício de governo, o qual tem por escopo a redução de custos relacionados à produção industrial. Nesses casos, há uma maior probabilidade de governar exacerbadamente em razão do Estado. Esse, por sua vez, ao desenvolver seu poder biopolítico, passa a ter um crescimento em suas dimensões. O governo, de forma egocêntrica, passa a existir para ele próprio, ficando a sociedade em uma situação de exterioridade e de inferioridade em relação ao Estado68.

Já em Fonseca, a biopolítica aplicada nos mecanismos disciplinares volta-se à norma, a qual é elemento de suma importância em uma sociedade de normatização. Dessa forma, a sociedade de normatização incide de maneira individual em cada componente do corpo social, tanto na disciplina quanto no biopoder, os quais consistem em verdadeiros mecanismos de normatização do corpo humano e da vida do indivíduo69.

De acordo com Fonseca, esse aduz que a disciplina:

64 REVEL, Judith. op cit. p. 24.

65 AGAMBEN, Giorgio. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer O Poder Soberano e a Vida Nua. 2ª. ed. Belo

Horizonte. UFMG. 2014. p.10.

66 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 24. 67 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 24. 68 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 24.

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É uma forma não necessariamente regulamentada (juridicamente) e não está calcada numa relação de legitimidade com o ato fundador e originário do aparecimento do poder. É um poder local, que se exerce de modo capilar, e não de modo maciço e homogêneo, e que não se pode apreender a partir dos seus níveis de intenção ou de decisão – já que as intenções (se intenções houver) estão ligadas às práticas efetivas, nas instâncias materiais de sujeição. O indivíduo, aqui não é um núcleo elementar ou um átomo primitivo no qual o poder se aplica e submete, mas é ele próprio (o indivíduo) um dos efeitos do poder, já que o poder transita pelo indivíduo e o constitui70.

Esse paradigma de governabilidade não se reduz sob a ótica jurídica nem sob a ótica econômica, mas se apresenta como uma nova tecnologia do poder, em que a população passa a ser compreendida como um novo objeto71.

A população é compreendida como um “conjunto de seres vivos e coexistentes que apresentam traços biológicos e patológicos particulares e dos quais a própria vida é suscetível de ser controlada”, em que se tem por escopo melhorar a gestão da sua força física em prol dos interesses do governante72.

A descoberta da população é, ao mesmo tempo que a descoberta do indivíduo e do corpo adestrável, o outro grande núcleo (nó) tecnológico em torno do qual os procedimentos políticos do Ocidente se transformam. Inventou-se nesse momento, o que eu chamarei, em oposição à anátomo – política que acabei de mencionar, a biopolítica73.

Da mesma forma que a disciplina se relaciona como uma anátomo-política dos corpos, a qual se utiliza nos indivíduos, a biopolítica está relacionada como uma “grande medicina social”, a qual é praticada em (des) favor da população com o escopo de governar suas vidas, passando a vida do indivíduo, deste marco em diante, a ser entendida como um objeto de concentração do campo de poder74.

Ao tratar de uma concepção de biopolítica, levantam-se dois impasses. O primeiro impasse diz respeito às obras de Foucault relacionadas em seus textos que abordam o presente tema. Foucault passa a relacionar a biopolítica ao que os alemães do século XVIII denominam de “Polizeiwissenxchaft”, que por sua vez significa uma preservação da ordem e da disciplina o que contribuirá para o desenvolvimento do Estado75.

70 FONSECA, Ricardo Marcelo. op cit, 2005, p. 116. 71 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 24.

72 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 24-25. 73 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 25. 74 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 25. 75 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 25.

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Em outro momento, Foucault estabelece uma relação da biopolítica como uma superação da “dicotomia Estado/sociedade”, em razão da economia política da vida dos indivíduos de uma forma mais generalizada. A partir desse dilema, surge a questão de como processar a biopolítica? Defini-la como um composto de biopoderes? Ou interpretá-la como a vida sendo o próprio poder? A biopolítica certamente está arraigada na vida, na linguagem, nos corpos, nos anseios e até mesmo na sexualidade, passando a produzir uma subjetividade em decorrência deste contra poder o que resultaria um desassujeitamento do indivíduo76. A biopolítica é fundamental para a reformulação ética com o político77. Segundo as análises de Foucault:

A biopolítica representaria exatamente o momento da passagem da política à ética(...) a análise, a elaboração, a retomada do questionamento das relações de poder e do ‘agonismo’ entre relações de poder e intransitividade da liberdade são uma tarefa política incessante é exatamente isso, a tarefa política inerente a toda existência social78.

Já, há algum tempo, vem se formando um paradigma político denominado de biopolítica. Foucault trabalha com a tese de que a vida biológica se transforma em objeto da política. Surgindo dessa maneira o biopoder e a biopolítica. De acordo com Foucault, essas duas palavras, em algumas situações, adquirem o mesmo significado, entretanto, em outras ocasiões, adquirem significados diversos79. Essas expressões adquirem uma forma de poder “de fazer viver ou deixar morrer”, o que em sua simetria é inverso ao poder do soberano, como um poder de fazer morrer e deixar viver80.

Nesse entendimento, Foucault afirma sobre o biopoder e a biopolítica: “O homem, durante milênios, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja política sua vida de ser vivo está em questão”81.

Dessa maneira, encontra-se um conceito de poder no qual o soberano tem sobre seu domínio um poder de “fazer viver ou deixar morrer”. Foucault denomina esse fenômeno de “o

76 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 25. 77 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 26. 78 REVEL, Judith. op cit, 2011, p. 26.

79 CASTRO, Edgardo. Los malestendidos de la biopolítica: Foucault, Agamben, Derrida. Quadranti – Rivista

Internazionale di Filosofia contemporânea Salerno – vol. II, nº 2, 2004.p. 110.

80 CASTRO, Edgardo. op cit, 2004, p.111.

81 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I A vontade de saber, 1º. ed. Rio de Janeiro/ São Paulo: Paz

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limiar da modernidade biológica”, ou seja, trata-se do momento em que se institui na contemporaneidade esse novo poder82.

Nesse ínterim, Foucault sustenta:

La hipótesis que, con el capitalismo, no se pasó de una medicina colectiva a una medicina privada, sino que se produjo precisamente lo contrario. El capitalismo que se desarrolla hacia finales del siglo XVIII y comienzos del XIX socializó, ante todo, un primer objeto en función de la fuerza productiva, de la fuerza de trabajo: el cuerpo. El control de la sociedad sobre los individuos no se lleva a cabo solo mediante la conciencia o la ideología, sino también en el cuerpo y con el cuerpo. Para la sociedad capitalista lo que importaba ante todo es lo bio-político, lo biológico, lo somático, lo corporal. El cuerpo es una realidad política; la medicina es una estrategia bio-política83.

Com relação a essa medicina coletiva voltada a maximizar o Estado utilizando-se da biopolítica como técnica empregada em prol do capitalismo, Agamben desenvolve sua tese de soberania e governo na obra Homo Sacer, na qual aponta um indivíduo com uma forma de vida desqualificada (zoé), adquirindo uma vida nua84. Essa simples vida natural não tinha lugar na “pólis”, sendo, portanto excluída do meio social, permanecendo apenas quem era considerado como vida qualificada85.

Agamben, ao fazer uma análise do exercício de poder, traz um conceito jurídico, institucional e de soberania: “Se pude decir, más bien, que la producción de un cuerpo

biopolítico es la prestación original del poder soberano. La biopolítica es, en este sentido, tan antigua como la excepción soberana”86.

Agamben salienta que:

Esta vida no es simplemente la vida natural reproductiva, la zoé de los griegos, ni el

bíos, una forma de vida calificada. Ella es, más bien, la vida desnuda del homo sacer

y del wargus, una zona de indiferencia y de tránsito continuo entre el hombre y la bestia, la naturaleza y la cultura87.

Com relação a bios e zoé, Castro aduz:

82 CASTRO, Edgardo. op. cit, 2004, p.111.

83 FOUCAULT, Michel. apud CASTRO, Edgardo. Los malestendidos de la biopolítica: Foucault, Agamben, Derrida. Quadranti – Rivista Internazionale di Filosofia contemporânea – vol. II, nº 2, 2004. p.112 – 113. 84 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2004, p. 9.

85 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2004, p.10.

86 AGAMBEN, Giorgio. apud CASTRO, Edgardo. op cit, 2004, p.115. 87 AGAMBEN, Giorgio. apud CASTRO, Edgardo. op cit, 2004, p.121.

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Por otro lado, respecto de la distinción entre bíos y zoé, como han observado los filólogos desde la época del Renacimiento, es necesario tener presente que ésta no se superpone con la separación en hombres y animales. Ella expresa, más bien, la distinción en una vida que perdura (la zoé) y las formas finitas de la vida (bíos)88.

Em uma concepção de vida, os gregos a descrevem sob duas formas, as quais em sua etimologia, semântica e morfologia são diferentes entre si. A primeira delas é o que eles chamam de zoé, na concepção grega tinha o significado “fato de viver comum a todos os seres vivos” sejam animais, homens ou deuses. O outro sentido de vida para os gregos é denominado de bíos, que representa a forma de viver de um indivíduo ou de um grupo89.

De acordo com Foucault, “o limiar de modernidade biológica de uma sociedade situa-se no ponto em que a espécie e o indivíduo, enquanto simples corpo vivente, tornam-situa-se a aposta que está em jogo nas suas estratégias políticas”90. Resultado disso é a animalização do homem, o que empiricamente se dá através das técnicas políticas empregadas pelo poder hegemônico, surgindo assim para as ciências humanas e sociais, o poder de proteger a vida ou de permitir o holocausto desta.

Nesse entendimento, Agamben sustenta:

Em particular, o desenvolvimento e o triunfo do capitalismo não teria sido possível, nesta perspectiva, sem o controle disciplinar efetuado pelo novo biopoder, que criou para si, por assim dizer, através de uma série de tecnologias apropriadas, os corpos dóceis de que necessitava91.

Foucault aponta a entrada da zoé na circunscrição da pólis, ocorrendo a politização da vida nua, o que marca bastante a contemporaneidade. Apresentando o nazismo como um exemplo mais contundente de biopolítica o que só seria possível graças à politização da vida nua92. Nesse diapasão, Agamben aduz que:

E somente uma reflexão que, acolhendo a sugestão de Foucault e Benjamin, interrogue tematicamente a relação entre vida nua e política que governa secretamente as ideologias da modernidade aparentemente mais distantes entre si poderá fazer sair o político de sua ocultação e, ao mesmo tempo, restituir o pensamento à sua vocação prática93.

88 CASTRO, Edgardo. op cit, 2004, p. 121. 89 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p. 9. 90 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014 p. 9. 91 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p. 11. 92 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p. 11. 93 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p. 11.

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O que se coloca em evidencia na contemporaneidade não é a bios, mas a zoé, uma vez que para as técnicas de governabilidade o controle da vida biológica e da população é o foco da biopolítica moderna94. Foucault defende essa tese apontando a evidência da vida biológica no espaço público, o que passa a proporcionar paulatinamente o protagonismo da política, de tal forma que, em última análise, evidenciou-se com a politização da zoé, uma profunda mudança nas concepções políticas da Antiguidade95.

Nesse sentido, Agamben desenvolve suas pesquisas fazendo uma análise do núcleo central do ponto de encontro entre o paradigma jurídico-institucional e o paradigma biopolítico do poder, ou seja, Agamben analisa a relação tênue entre a biopolítica, a soberania a e vida nua e a sua relação com o poder soberano, o qual passa a inserir esta vida biológica nos cálculos do Estado96.

Nessa acepção, Agamben refere:

A presente pesquisa concerne precisamente este oculto ponto de intersecção entre o modelo jurídico – institucional e o modelo biopolítico do poder. O que ela teve de registrar e entre os seus prováveis resultados é precisamente que as duas análises não podem ser separadas e que a implicação da vida nua na esfera política constitui o núcleo originário – ainda que encoberto – do poder soberano. Pode-se dizer, aliás, que a produção de um corpo biopolítico seja a contribuição original do poder soberano. A biopolítica é, nesse sentido, pelo menos tão antiga quanto a exceção soberana. Colocando a vida biológica no centro de seus cálculos, o Estado moderno não faz mais, portanto, do que reconduzir à luz o vínculo secreto que une o poder à vida nua, reatando assim (segundo uma tenaz correspondência entre moderno e arcaico que nos é dado verificar nos âmbitos mais diversos) com o mais imemorial dos arcana imperii97.

Percebe-se que a politização da zoé não é algo que ocorra apenas na contemporaneidade, mas surge simultaneamente com a soberania, existindo uma tênue ligação entre poder soberano e biopolítica, o que leva à implementação de uma vida nua a todos indivíduos. Nessa lógica, Agamben aponta como uma das características da política contemporânea a inclusão da zoé na pólis, a qual passa a ser objeto eminente dos cálculos Estatais e na qual a exceção se torna o paradigma de governo, em que a vida nua permanece às margens do ordenamento jurídico98.

Nesse sentido Agamben salienta:

94 AGAMBEN, Giorgio. op cit, p.11. 95 CASTRO, Edgardo. op cit, 2013, p. 50. 96 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.14. 97 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.14. 98 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.16.

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A tese foucaultiana deverá, então, ser corrigida ou, pelo menos, integrada, no sentido de que aquilo que caracteriza a política moderna não é tanto a inclusão da zoé na pólis, em si antiguíssima, nem simplesmente o fato de que a vida como tal venha a ser um objeto eminente dos cálculos e das previsões do poder estatal; decisivo é, sobretudo, o fato de que, lado a lado com o processo pelo qual a exceção se torna em todos os lugares a regra, o espaço da vida nua, situado originariamente à margem do ordenamento, vem progressivamente a coincidir com o espaço político, e exclusão e inclusão, externo e interno, bios e zoé, direito e fato entram em uma zona de irredutível indistinção99.

Percebe-se que a vida nua está em evidência na contemporaneidade, principalmente em uma visão biopolítica em que o Estado a introduz de forma calculista em uma política de governabilidade, mantendo uma relação tênue entre a vida nua e o poder soberano.

Nesse discernimento, Edgardo Castro sustenta:

Así, para el Agamben de Homo sacer, por ejemplo, la biopolítica hace referencia a los dispositivos mediante los cuales el ejercicio de la soberanía estatal transforma la vida humana, individual o colectivamente, en vida desnuda, es decir, expuesta a la muerte. Para Foucault, en cambio, la biopolítica remite al modo en que la vida biológica de la población en su conjunto se ha convertido en objeto de administración y gobierno mediante los mecanismos de normalización que, como se ocupó de mostrar, no funcionan del mismo modo que los dispositivos jurídicos de la ley100.

Agamben destaca a “figura do direito romano arcaico em que a sacralidade liga-se pela primeira vez a uma vida humana como tal”101. Após uma definição ao monte sacro, Festo, um procurador romano do século I, explana o conceito de homo sacro102:

Homem sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito

sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que ‘se alguém matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida’. Disso advém que um homem malvado ou impuro costuma ser chamado sacro103.

Nessa definição de Festo, ao sancionar a sacralidade de uma pessoa, permite que ela seja morta, sem que se cometa um “parricidium”, o que etimologicamente significa o assassinato de um homem livre104. Considera-se que aquele que matasse o homo sacro sairia impunemente, não sendo levado à morte segundo o que o rito sancionava aos parricidas105. Com

99 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.14 e 15.

100 CASTRO, Edgardo. Lecturas foucaulteanas: una historia conceptual de la biopolítica, 1º ed. La Plata

Argentina: Unipe editorial universitária. 2011. p.16.

101 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.74. 102 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.74. 103 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.186. 104 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.74. 105 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.74.

(29)

relação a este conceito-limite de homo sacro, Agamben sustenta:

Tudo faz pensar que nos encontramos aqui diante de um conceito-limite do ordenamento social romano, que, como tal, pode dificilmente ser explicado de modo satisfatório enquanto se permanece no interior do ius divinun e do ius humanun, mas que pode, talvez, permitir-nos lançar uma luz sobre seus limites recíprocos. Mais do que resolver a especificidade do homo sacer, como se tem feito muito frequentemente, em uma pretensa ambiguidade originária do sagrado, calcada sobre a noção etnológica de tabu, tentaremos em vez disso interpretar a sacratio como uma figura autônoma e nos perguntaremos se ela não nos permitiria por acaso lançar luz sobre uma estrutura politica originária, que tem seu lugar em uma zona que precede a distinção entre sacro e profano, entre religioso e jurídico. Mas, para avizinharmo-nos desta zona, será antes necessário desobstruir o campo de um equívoco106.

Com relação à matabilidade do homo sacer, entende-se uma dupla exclusão, a qual também diz respeito a uma dupla captura da vida, devido à possibilidade de ser sacrificada e à possibilidade de ocorrer sua exclusão do seio da sociedade. Entretanto, ao mesmo tempo em que se exclui esta vida do meio social, a própria sociedade volta a incluí-la por se tratar de uma vida matável, “vida sacra”107.

Nesse entendimento, Agamben refere:

Aquilo que define a condição do homo sacer, então, não é tanto a pretensa ambivalência originada da sacralidade que lhe é inerente, quanto, sobretudo, o caráter particular da dupla exclusão em que se encontra preso e da violência à qual se encontra exposto. Esta violência – a morte insancionável que qualquer um pode cometer em relação a ele – não é classificável nem como sacrifício e nem como homicídio, nem como execução de uma condenação e nem como sacrilégio108.

O que se percebe nesse homem sacro é a aplicação de um Estado de Exceção, na qual a decisão soberana suspende a lei do Estado aplicando-lhe uma vida nua109. Com relação a esta dupla exceção do profano no religioso e vice-versa, despontando uma “zona de indiferença entre sacrifício e homicídio”110. Nesse entendimento, Agamben aduz: “Soberana é a esfera na qual se pode matar sem cometer homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, matável e insacrificável, é a vida que foi capturada nesta esfera”111. Nessa acepção, percebe-se que a vida do homo sacro não encontra respaldo nos direitos humanos, muito menos no direito divino uma vez que é lícito tirar-lhe a vida, bastando apenas uma decisão do soberano112.

106 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.76. 107 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.84. 108 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.84. 109 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.84. 110 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.85. 111 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.85. 112 AGAMBEN, Giorgio. op cit, 2014, p.85.

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