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Realizamos uma breve incursão sobre a Seguridade Social brasileira no sentido de compreendermos sua atual conformação. A compreensão de que a área social está comprimida pela área econômica, assim como o entendimento de que as políticas de Seguridade Social não estão articuladas entre si são importantes para compreendermos qual a importância da perspectiva de gênero nestas políticas.

Para isso é necessário salientar que somente a focalização, ou ainda a priorização de mulheres não se configuram políticas com perspectiva de gênero.

Nessa dimensão propor políticas públicas de enfrentamento das desigualdades de gênero exige: atribuir um sentido emancipatório às mudanças que pretendemos; que as desigualdades de gênero sejam combatidas no contexto do conjunto das desigualdades sociais, pressupondo práticas de cidadania ativa; garantir que o Estado desenvolva políticas

sociais que contemplem as dimensões distributivas e de reconhecimento/status que incidam efetivamente sobre este conjunto de desigualdades de classe, gênero e raça/etnia

(CARLOTO, 2004, p. 153, grifo nosso).

No excerto acima a autora afirma a importância do Estado, em garantir políticas que enfrentem a desigualdade de gênero, inserida em um conjunto de desigualdades. Queremos aqui destacar a importância atribuída ao Estado como agente garantidor destas políticas. Behring (2006) evidencia o embate existente para a consolidação das propostas na elaboração e efetivação das políticas de Seguridade Social. A autora busca expor o confronto existente entre as alas progressistas e as alas conservadoras para a conformação da Seguridade Social brasileira.

45 Apesar dos avanços da Constituição Federal, apontamos acima que a instituição de um direcionamento neoliberal acabou por configurar uma seguridade muito aquém da prevista na Carta Magna.

Neste sentido, é essencial compreendermos o posicionamento do Estado frente a este confronto. Vimos anteriormente que há uma linha de continuidade da política econômica em todos os governos desde o reestabelecimento da democracia. Isso não significa dizer que não houve avanços. Identificamos dentre outros avanços a criação do MDS em 2004, a implantação do SUAS que inicia sua consolidação em 2005 e, principalmente, no que tange à questão de gênero, a criação da SPM em 2003.

Assim, é necessário pontuar que apesar da continuidade da política econômica, o direcionamento da área social apontou para alguma mudança a partir do primeiro governo Lula.

Essas mudanças são importantes porque demonstram que o Estado tem centralidade neste cenário, conforme Silva (2010):

O Estado passa por importantes mudanças, mas não se retira da cena da gestão da reprodução social. O seu papel é modificado, modernizado, reduzido, mas não abolido. Pelo contrário, pode até voltar a ampliar-se (SILVA, 2010, p. 155).

Considerar a importância da atuação do Estado é fundamental, na medida em que sua atuação reconhece ou negligencia as desigualdades presentes na sociedade. Neste sentido, concordamos com a reflexão de Soares (2004) sobre a ausência de neutralidade do Estado no que tange ao enfrentamento da desigualdade de gênero.

O papel do Estado é determinante na construção da igualdade, mas não só na regulação das leis que coíbem a discriminação, também como agente de mudanças culturais e das condições de vida das mulheres, na proposição de políticas que incorporem as dimensões de gênero e raça. O Estado nas suas ações não é neutro em relação às desigualdades presentes na sociedade (...) O Estado precisa reconhecer as demandas específicas das mulheres e admitir a existência dessas desigualdades e do seu papel determinante nas ações capazes

46 de combater as desigualdades. Aceitar é um primeiro passo, mas não o suficiente. É indispensável incorporar na sua agenda a construção da igualdade (SOARES, 2004, p. 114).

A proposta de transversalidade de gênero nas políticas de Seguridade Social representa este reconhecimento do papel do Estado. Não minimiza e nem desconsidera a participação da sociedade civil, principalmente no que diz respeito aos movimentos feministas. Muito pelo contrário, reconhece sua contribuição e reivindica o mesmo posicionamento: a equidade.

As políticas voltadas à equidade devem enfrentar os eixos centrais que constroem a desigualdade cotidianamente, ou seja, a falta de autonomia pessoal e econômica, a desigualdade na divisão sexual do trabalho, na família, a autonomia do corpo e a sexualidade, o racismo e os preconceitos e romper com o silêncio e a invisibilidade das vozes das mulheres (SOARES, 2004, p. 117).

Para isso, é fundamental entendermos o que significa a perspectiva de gênero. Diversos são os posicionamentos que definem o que caracteriza uma política que contemple a questão de gênero. Carloto (2004) defende que:

Não é o fato de as mulheres serem centrais nestes programas que faz com que haja uma perspectiva de gênero ou enfoque de gênero. Perspectiva de gênero implica em ações que modifiquem as desigualdades de gênero. Implica em indicadores que demonstrem a ocorrência de transformações na divisão do trabalho doméstico; se as meninas na família deixaram de ser responsáveis pelo trabalho doméstico e cuidado dos irmãos menores; se a violência doméstica diminuiu; se elas possibilitaram o acesso ao trabalho não- precarizado; propiciou-se a complementação da escolarização; se viabilizou um cuidado com a saúde sexual e reprodutiva; se contribuiu para sua autonomia e recuperação da auto-estima; se diminui o estresse e a depressão, entre outros indicadores. (CARLOTO, 2004, p. 152)

47 Trata-se de reconhecer a diversidade e a diferença – entre homens e mulheres – mas atribuindo a ambos “igual valor”, reconhecendo, portanto, que suas necessidades “específicas” e nem sempre “iguais” devem ser igualmente contempladas pela sociedade e pelo Estado.

Se não se pára para pensar nestas maneiras diferentes de estar na sociedade, corre-se o risco de propor e implementar ações que aparentemente atendem a todos, mas, que, na verdade, não reconhecem necessidades diferenciadas (FARAH, 2004, p. 127).

Nossa compreensão leva em conta ambos posicionamentos, pois considera questão de gênero como uma questão pública, considerando que todas as mulheres sofrem com a opressão de gênero instituída pelo sistema patriarcal.

Consideramos ainda que apesar do desmonte da Seguridade Social apontado acima, estas políticas constituem espaços importantes para a construção de uma sociedade mais justa sob a perspectiva de gênero. Na atual estrutura organizacional em âmbito federal, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) é a responsável por propor e efetivar a transversalidade de gênero, importante destacar que a SPM está ligada à presidência da República e tem status de Ministério. Tem a seguinte atribuição determinada pelo artigo 22 da Lei nº 10.683, de 2003, e alterada pela Lei nº 12.314, de 2010:

À Secretaria de Políticas para as Mulheres compete assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na

formulação, coordenação e articulação de políticas para as mulheres, bem como elaborar e implementar campanhas

educativas e antidiscriminatórias de caráter nacional, elaborar o

planejamento de gênero que contribua na ação do governo federal e demais esferas de governo, com vistas na promoção da igualdade, articular, promover e executar programas de

cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação de políticas para as mulheres, promover o acompanhamento da implementação de legislação de ação afirmativa e definição de ações públicas que visem ao cumprimento dos acordos, convenções e planos de ação assinados pelo Brasil, nos aspectos relativos à igualdade entre mulheres e homens e de combate à discriminação, tendo como estrutura básica o

48 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o Gabinete, a Secretaria-Executiva e até 3 (três) Secretarias. [Grifo nosso].

Importante destacar ainda a realização das Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais de Políticas para as Mulheres. Essas conferências deram origem ao II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que trazem relevantes propostas que visam a igualdade de gênero, inclusive nas áreas relativas às políticas de Seguridade Social.

Assim, consideramos que algumas bases foram lançadas para direcionar algumas mudanças no que tange à desigualdade de gênero. Muitas são as dificuldades, pois, como aludimos anteriormente, as políticas alvo desta pesquisa não estão articuladas entre si, o que configura em um dificultador da implementação da transversalidade de gênero.

Acreditamos que estas transformações só serão possíveis com a concorrência de movimentos que busquem essa perspectiva. Assim não basta que o Estado esteja “sensível” a esta necessidade, é fundamental que as mulheres – principais interessadas na alteração deste quadro – estejam atentas à sua participação neste processo.

Compreendemos assim que esta transformação não será possível sem o aporte dos movimentos feministas que historicamente vem contribuindo para o enfrentamento da desigualdade de gênero.

3.2. Serviços básicos de Seguridade Social no Município de São