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Políticas sociais: estratégias de enfrentamento à desigualdade

A diversidade de posicionamentos que torna rica a pesquisa, que possibilita o contraditório, a antítese, revela-se na discussão a respeito das possibilidades de enfrentamento à desigualdade de gênero.

Sob o aspecto das políticas públicas, um dos entrevistados refere que as políticas nascem de identificação de uma demanda social:

Uma política social como que ela surge, ela não surge porque o Senador, ou porque o Deputado ou porque o Presidente diz assim: “vou criar uma política social”, ela vai surgir à medida que as coisas vão se revelando (Entrevistado CRAS 3)

Reconhecer que o Estado elabora políticas públicas a partir de demandas realizadas pela sociedade, é apenas uma das questões, porque nem sempre a perspectiva de gênero é considerada algo primordial, afinal, com tantas demandas por políticas, e considerando que os recursos destinados para políticas sociais são sempre escassos, porque a igualdade de gênero seria uma prioridade? Não há outros assuntos prioritários?

Neste sentido alguns depoimentos relacionam as mudanças ocorridas no campo das desigualdades de gênero ao movimento de pressão realizado:

Acho que a política pública não vai sair sozinha. Vai ser necessário pressão, precisa de um movimento para que isso ocorra, vai ser necessário o grito, porque alias para as mulheres foram as poucas políticas públicas que saíram sem o

90 grito, se é que teve alguma, então acho que precisa mostrar pro mundo... mostrar o problema, então não é só isso que garante uma política pública ainda instalada pra garantir isso, a gente precisa embalar essa política, a gente precisa cuidar, né... Não basta ter a lei, não basta ter a política pra que isso ocorra definitivo, mas eu acho que... também eu não sou, não sou pessimista, eu acho que teve muitos avanços aí, acho que para nós mulheres, a gente avançou muito, e aí por força de pressão. (Entrevistada UBS 1)

É importante percebermos que a entrevistada aponta a necessidade de um movimento que lute pelo reconhecimento dos direitos das mulheres – em que nós identificamos o movimento feminista – adotando a visão de Estado como uma “uma arena de confronto de interesses contraditórios” (Silva, 2010, p. 39).

Neste sentido, quando indagamos uma das entrevistadas se ela acredita na eliminação da desigualdade de gênero por meio da política de Assistência Social, sua resposta traz argumentos de que a Assistência Social, como um dos meios de atuação do Estado, não se configura como uma resposta para a eliminação da desigualdade de gênero, argumentando que essa seria alcançada somente com a extinção do capitalismo:

Não. Não é possível. Não porque ao meu ver isso não é somente através da política, isso tem a ver com o capital isso só vai existir, eu tenho essa minha perspectiva, a assistência ela vem com um conta-gotas. A eliminação da desigualdade...É só com o fim do capital. (Entrevistada CRAS 3)

Importante destacar que nos fragmentos destacados acima adota-se uma dimensão coletiva para a desigualdade de gênero. Em posicionamento diverso, a existência das desigualdades de gênero é vista como algo inerente às relações sociais entre os gêneros:

Eu digo que essa desigualdade já melhorou muito, mas ela vai sempre existir, não é nenhuma política que vai mudar isso, porque isso é muito da pessoa, como nós costumamos dizer os homens machistas eles vão sempre ser machistas, uma política não vai mudar eles... Pode ser que daqui a alguns anos, a

91 gente consiga mudar essa história, porque hoje você vê um jovem, ele é muito diferente de uma pessoa mais idosa, em relação a essa desigualdade, né, hoje o homem jovem quer mais é que a mulher trabalhe, ele não quer que ela fique em casa, é diferente de antigamente com os nosso avós, e então eu não acredito que mude, não...Uma política não vai mudar o interior de ninguém, não... (Entrevistada UBS 2)

Interessante que a entrevistada identifica o machismo como uma determinação pessoal não modificável por meio da ação do Estado. Ao mesmo tempo em que reconhece a existência de transformações nas relações sociais de gênero, estabelecendo um comparativo das concepções sobre mulheres para diferentes gerações de homens.

Interessante também o movimento realizado por ela ao atribuir mudanças à luta realizada por mulheres, principalmente pelo reconhecimento do poder por meio da questão financeira:

Pela luta mesmo das mulheres, de mostrar que são capazes, ir a luta trabalhando, de ir conquistando, mostrando pros homens que o dinheiro delas faz falta dentro de casa. (Entrevistada UBS 2)

A identificação de que não há perspectiva de mudanças aparece no argumento de uma das entrevistadas ao refletir sobre o atendimento dos serviços públicos:

Que a mulher, por mais que ela brigue, que ela lute, que ela busque essa igualdade, ela nunca vai... é difícil ela chegar na igualdade (...). (Entrevistada CCM 2)

Interessante identificar que este posicionamento parte de uma gestora de serviço público de atendimento à mulher. Pois não reconhece potencial de transformação social realizada no bojo de seu trabalho. Compreendemos portanto, que no âmbito do trabalho realizado, a entrevistada reconhece que o atendimento individual das demandas das mulheres que utilizam o CCM, condensa-se somente em conquistas pessoais e individuais. Eliminando a

92 possibilidade de organização das mulheres para efetivar transformações sociais, na medida em que não visualiza a dimensão coletiva da opressão de gênero.

A contraposição a este posicionamento aparece no argumento da entrevisituaçstada da UBS 1 atribuindo um processo real de transformações sociais através de uma luta “por dentro” das políticas públicas:

Eu acho que a política social ela amplia o acesso, ela amplia acesso... Acesso, o que é que eu estou chamando de acesso? Eu to chamando de oportunidade, que eu acho que é isso a política social amplia acesso, amplia essa oportunidade lá na frente a gente vai ter condição de melhorar isso, então eu acho que é um pouco... Acho que é dialético esse negócio, não sei explicar direito, mas acho que é um pouco isso, se uma vez colocado, hoje a gente tem uma política de saúde que é universal, mas por si só não é universal, a gente tem que..., tem gente aqui brigando por isso, lutando pelos seus direitos, como é que é? E isso vai ampliando, vai galgando espaços, lugares. Acho que para a questão de gênero não é diferente, não é diferente, mas a gente pra buscar isso a gente tem que lutar. E acho que tem que ser por meio das políticas, não tenho dúvida nenhuma, não dá pra ser a margem disso, acho que tem que ser por dentro disso, e as políticas públicas. (Entrevistada UBS 1)

Sob a perspectiva de gênero, entendemos que se faz necessária uma profunda reflexão sobre as dimensões ideológicas e culturais, que perpassam as políticas de Seguridade Social, bem como são transversais ao Estado e naturalizam desigualdades, iniquidades e impedem de contextualizá-las como questão legítima, não atribuindo importância de questão coletiva vivenciada por todas as mulheres, mas tratada pelo Estado como problema individual de apenas algumas mulheres.

Necessário refletir sobre o argumento socialmente aceito de que o Estado não tem capacidade administrativa pela de tiausência de recursos financeiros, humanos e estrutura para dar conta desta situação. Identificamos aí uma incapacidade política na medida em que não traça estratégias que busquem a eliminação ou diminuição das desigualdades, levando em conta a

93 complexidade e a transversalidade da questão de gênero, focalizando sempre em apenas algumas consequências das desigualdades.

Ou seja, seria necessário implementar mudanças significativas no desenho das políticas para que elas incidissem diretamente sobre a desigualdade de gênero, porque a quase ausência deste problema no desenho das políticas, bem como na agenda dos governos, não significa que o problema não exista.

4.8. Estado, feminismo e transversalidade do gênero nas políticas