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CAPÍTULO 1 O ESTADO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE

1.3 O ESTADO REGULADOR

As reformas na estrutura do Estado brasileiro e as reformulações das políticas públicas econômicas geram efeitos diretos no processo de atuação estatal e os mecanismos de promoção do bem comum. Os modelos de ação estatal refletem na estrutura de implantação e criação de políticas públicas.

As execuções de políticas públicas podem ser realizadas através da intervenção direta do Estado ou de forma desconcentrada e/ou descentralizada conforme a estrutura administrativa adotada, como abordado anteriormente.

Após passar pelas fases de liberalismo do início do século, e da fase da modernidade ou Estado Social (Welfare State), propagou-se a fase da pós- modernidade quando se firmou o modelo de Estado Regulador. Este modelo caracterizou-se pela descentralização e transferências de atribuições a órgãos que passam a ser responsáveis pelo fornecimento de serviços públicos, pautando-se por um posicionamento compreendido como solução para a ineficiência, desperdício, morosidade, burocracia e corrupção.

Neste contexto, a regra a ser seguida para a execução das políticas públicas, em especial, quanto ao meio ambiente tem intensificado a projeção descentralizada de atuação, com transferência de funções e distribuição participativa à sociedade civil e concorrência de regulamentação para os Estados-membros.

O Estado Democrático de Direito consolidado com a Constituição Federal de 1988, permite falar na presença de um neoliberalismo de regulação, após as Emendas Constitucionais realizadas a partir de 1995, configurados especialmente pela criação das Agências Reguladoras, agentes públicos que acumulam funções

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Conforme dicionário jurídico dos termos latinos do site < http://www.centraljuridica.com/dicionario>, ad nutum significa “Por um aceno de cabeça, às ordens de alguém, ao menor sinal. Ex.: funcionário demissível ad nutum, ou seja, por livre vontade da administração”. Significa que pessoas contratadas ad nutum podem ser dispensadas livremente pela Administração. No caso dos dirigentes de agências, não há liberdade de a Administração Pública substituí-los ou apenas destituí-los após escolhido pelo Presidente da República e nomeado pelo Senado Federal.

técnico-setoriais de regulação nos três âmbitos da Federação (Federal, Estadual e Municipal).

O artigo 174 da Constituição Federal13 assinala que o Estado assume o

papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, com funções de fiscalização, incentivo e planejamento, ou seja, confere ao Estado o Poder de Polícia14 para limitar a atividade do particular, uma vez que à iniciativa privada é assegurada a preferência para exploração das atividades econômicas, tornando a atuação estatal excepcional.

A função reguladora do Estado relativiza o ideal liberal de Estado mínimo, conciliando um método que não implica em um denso intervencionismo estatal. Conforme Clarck et. al (2009) trata-se de um deslocamento de atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econômicas. É

aquilo que os autores denominaram neoliberalismo15 de regulação, pois a Reforma

do Estado extinguiu monopólios e privatizou, mas sem a retração do aparelho estatal a ponto de se falar que ressurgiu o Estado mínimo.

Para Anselmo (2002), a criação das agências reguladoras foi resultado da necessidade do Estado exercer influência na organização das relações econômicas.

O discurso da criação das agências é o cumprimento do poder estatal de proteger e proporcionar as garantias constitucionais, através de mecanismos de efetivação de políticas públicas exercidas por pessoas jurídicas de direito público que possuam maior contato com o conhecimento técnico dos serviços a serem fornecidos.

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Constituição Federal - Artigo 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

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Conforme Di Pietro (2001, p. 110) “pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público."

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De acordo com Moraes ( 2002) “O neoliberalismo econômico acentua a supremacia do mercado como mecanismo de alocação de recursos, distribuição de bens, serviços e rendas, remunerador dos empenhos e engenhos inclusive. Nesse imaginário, o mercado é matriz da riqueza, da eficiência e da justiça. A intervenção da autoridade pública sobre as iniciativas privadas é vista, primordialmente, como intrusão indevida, no máximo tolerada. Dela só podem resultar distorções naqueles três eixos mencionados (riqueza, eficiência, justiça). Quando o Estado intervém sobre os criativos empreendedores, para supostamente preservar o bem público (as regulações legais) ou sustentar suas atividades (a taxação), inibe aquilo que é mola propulsora do progresso e afeta a competitividade dos agentes”.

O modelo de agência reguladora aplicada no Brasil é baseado no modelo norte-americano, no qual segundo Cavalcanti (2000) é preservada a independência em relação ao Poder Executivo, como forma de tornar as agências reguladoras isentas de pressões políticas. São investidas de autonomia, inclusive financeira, pois são dotadas de verbas próprias. Destaque-se que a criação de agências é atributo permitido à União, Estados e Municípios.

O modelo adotado, embora confira poder de fiscalização pelo Estado, atribui às agências reguladoras autonomia técnica, gerencial, orçamentária das quais os procedimentos de utilização são objetos de regulação pelo próprio ente. Os ditames da Constituição Federal de 1988 não permitem que o Executivo assuma esta função. Coimbra (2000, p.1) alerta para o fato de que,

O Estado regulador brasileiro originalmente foi marcado pelo pensamento autoritário, centralizado no Estado, como modelo de organização da economia, na Era Vargas. Diferentemente dos casos norte-americano e europeu, em que, na passagem do Estado liberal para o Estado regulador, houve uma disputa ampla de grupos sociais que resultou numa forma particular de organização da burocracia estatal, no Brasil não houve propriamente conflito social. Aqui, luta de poder se restringiu aos grupos dominantes com acesso aos canais de circulação de poder político e controle da máquina estatal. De fato, a formação da burocracia estatal brasileira e a expansão do processo de criação de empresas estatais estiveram diretamente associadas a uma relação de subordinação, ou de aliança, dos tecnocratas com a burguesia representante do capitalismo local e multinacional.

Na esteira deste pensamento, o desenvolvimento do Estado Regulador resulta de um processo político-econômico, sem participação popular, primeiramente porque originado e regime autoritário cujo surgimento foi alheio às reivindicações públicas.

Coimbra (2000) ainda lembra que o governo Luiz Inácio da Silva – Lula procurou contestar e criticar o modelo de burocracia estatal criado no governo Fernando Henrique Cardoso quanto às agências reguladoras chegando a afirmar que o Brasil havia sido terceirizado e que as agências mandavam no país.

Os resultados mais concretos dessas manifestações foram dois anteprojetos de lei do Poder Executivo submetidos à consulta pública pela Casa Civil da Presidência da República e, posteriormente, transformados em projeto de lei enviado ao Congresso (Projeto de Lei n. 3.337/2004 do Poder Executivo). O projeto

visa alterar o modelo de agências reguladoras com um mecanismo de subordinação das decisões ao Presidente da República.

A Emenda Constitucional 19/1998, dispôs sobre a eficiência na organização e ação da administração pública e estabelece que mecanismos de participação pública devem ser previstos no processo e em procedimentos administrativos, elaborados e controlados pelas Agências Reguladoras. Ao Governo Federal cabe apontar os objetivos e metas por meio de contratos de gestão e a função das agências é a de promover o desenvolvimento tecnológico e econômico em setores da economia brasileira.

Percebe-se nestas determinações as características do Estado Regulador pautado em um modelo governamental que se situa entre intervencionista e liberal, adequando-se aos caminhos que o mundo começou a trilhar no fim dos anos 1980, e seguindo a tendência desestatizadora da década de 1990. Como já visto, nesta época houve a retirada ou redução do Estado de alguns setores, deixando para a iniciativa privada atuar, subsidiariamente, na exploração de alguns serviços e atividades.

Com estas modificações na estrutura do Estado, verifica-se no Brasil concessão à iniciativa privada, ainda que a titularidade do serviço continue a ser responsabilidade do setor público. Desta forma, o governo brasileiro está tentando promover uma existência harmônica entre setores público e privado, na execução de serviços que, antes, eram providos pelo monopólio do Estado.

Portanto, verifica-se que a descentralização é representada por duas vertentes: a criação das agências reguladoras e a institucionalização de políticas públicas praticadas por outros entes e não pelo Estado, fazendo surgir um novo espaço público que remanesce de uma política de democratização e redefinição de papel estatal.

Neste processo a participação da sociedade civil e dos particulares torna-se essencial para a execução das políticas públicas criando espaços públicos

deliberativos que visam atender os interesses transindividuais16, através dos

mecanismos que o Estado lhe estabelece.

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De acordo com a definição de Morais (1996) direitos transindividuais são direitos que atingem toda a coletividade. São direitos que se referem a categorias inteiras de indivíduos e exigem uma intervenção ativa, não somente uma negação, um impedimento de violação - exigem uma atividade. Exemplo saúde, educação, consumo, transportes, alimentação, poluição, publicidade, e muitas outras.