• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 O VALOR ECONÔMICO DA ÁGUA

2.6 COBRANÇA DO USO DA ÁGUA COMO POLÍTICA PÚBLICA

2.6.4 Externalidades econômicas

As atividades produtivas ou de consumo podem causar impactos econômicos indiretos sem que o preço capte este efeito, de modo que o valor de uma mercadoria não reflita necessariamente o seu valor social. São fatores externos não considerados no custo da produção, e podem ser consideradas positivas ou negativas, conforme o benefício ou não que causam no aspecto social.

A fim de compensar os efeitos da atividade econômica, as políticas públicas têm repensado a metodologia de inserção dos custos arcados pelo próprio agente degradador. Trata-se de uma necessidade essencial para o alcance do desenvolvimento sustentável. Leff (2000, p. 174), enfatiza a problemática diante da irracionalidade do aproveitamento dos recursos e a necessária mudança no paradigma de produtividade, pois,

...a dinâmica econômica gerou um progressivo processo de degradação ambiental acompanhado duma distribuição social desigual dos custos ecológicos. Se numa perspectiva social, o processo econômico suscita um conflito entre crescimento e distribuição, na perspectiva ambiental aparece como uma contradição entre conservação e desenvolvimento. Assim a crise ambiental questiona os paradigmas da economia para internalizar as externalidades socioambientais geradas pela racionalidade econômica dominante dentro de suas análises conceituais e nos seus instrumentos de cálculo e avaliação.

Assenta Coelho (2003, p. 32), “toda a atividade econômica insere-se necessariamente num contexto social e, assim, gera custos não apenas para o empresário que a explora, mas, em diferentes graus, também para a sociedade”. Gera-se um custo social que deve ser compensado ou revertido, para evitar resultados negativos.

Sucintamente, considera-se externalidade negativa quando o custo social é maior que o custo privado. Ou seja, o lucro que o agente econômico aufere não leva em consideração os efeitos negativos que causa à sociedade, como poluição sonora, atmosférica, contaminação, devastação de áreas naturais, desmatamento etc. É considerada positiva quando o benefício social é maior que o benefício privado, de modo que além de conferir lucros ao agente econômico, também traz benefícios a toda a coletividade, como a geração de empregos diretos e indiretos, atendimentos aos consumidores, contribuições estéticas ao local de suas instalações etc.

Quando no preço do bem colocado no mercado não estão incluídos os ganhos e as perdas sociais resultantes de sua produção ou consumo, respectivamente, as externalidades estarão sendo desprezadas, de modo que a sociedades ou o particular está deixando de ser compensado.

De acordo com Coelho (2003, p. 33), conclui-se que a “externalidade é conceituada como todo efeito produzido por um agente econômico que repercute

positiva ou negativamente sobre a atividade econômica, renda ou bem-estar de outro agente econômico, sem a correspondente compensação.”

No caso dos recursos hídricos, na qualidade de bens inalienáveis de uso comum do povo, que embora seja entendido como de domínio da União ou dos Estados, sua preservação é um direito transindividual, pois a captação ou seu simples uso causam impactos ao meio ambiente.

Um exemplo de externalidade negativa, relacionada ao uso de recursos hídricos, é o fato de uma indústria que produza cerveja, captar água de um rio, utilizá-la como matéria-prima, e não ter nenhum custo pelo recurso natural retirado do meio ambiente. Basta-lhe a outorga, e sem a cobrança implementada efetivamente, terá como bem de produção um bem público de uso comum. Há um custo social não alocado no custo da produção, sequer para fins reparatórios, de modo que apesar do lucro auferido a utilização do recurso hídrico não foi compensando com valores que poderiam contribuir para fundos de preservação e tratamento.

De acordo com a teoria econômica das externalidades, o efeito negativo ou positivo não pode ser agregado ao valor do produto por ser impossível de ser medido. No entanto, as políticas públicas devem tentar buscar meios de que este custo social seja suportado por quem utiliza os recursos naturais retirados do seu estado bruto, para se alcançar um valor justo computados nos gastos sociais.

Deixando de internalizar estes custos sociais, os produtores terão um produto colocado no mercado que não será consumido por todos, e mesmo assim, todos terão que suportar as perdas sociais, inclusive, quem não consumir o referido produto, promovendo um enriquecimento indevido do produtor às custas de um efeito negativo suportado pelo meio ambiente

Internalizar as externalidades implica na privatização de lucros e socialização das perdas. As internalizações são realizadas por instrumentos econômicos, como a cobrança pelo uso da água. Como expõe Coelho (2003, p. 34) “internalizar as externalidades para equalizar a relação custos-benefícios sociais, é, em termos jurídicos, impor deveres e garantir direitos para fazer justiça”.

Como ressalta Motta (2000, p. 1), expoente na defesa da utilização destes instrumentos econômicos como mecanismo de custear as externalidades sociais do empreendimento produtivo - “os instrumentos econômicos (IEs) atuam, justamente,

no sentido de alterar o preço (custo) de utilização de um recurso, internalizando as externalidades e, portanto, afetando seu nível de utilização (demanda).”

Importante que os instrumentos econômicos não substituam os objetivos das políticas. Destina-se a servir a uma política, e não o inverso, pois a razão não é incrementar os lucros ou criar receitas que proporcionem maior capital, mas de ajustar aos fundos públicos ou aos órgãos executores das políticas públicas subsídios voltados ao tratamento e preservação do recurso natural.

A internalização do custo social no de produção, conduz estrategicamente na modelação de um novo comportamento pelos usuários.

Argumenta Motta (2000, p. 2),

No caso da política ambiental, por exemplo, o usuário de um recurso, diante do novo preço do recurso ambiental, decide o seu novo nível individual de uso vis-à-vis os custos que ele vier a incorrer associados a este preço. Ou seja, se partindo de uma situação de equilíbrio, é realizada uma alteração no preço, o usuário se depara com uma nova situação, então ele decide quanto aumenta ou reduz sua utilização do recurso, condicionado a variação no seu custo, decorrente desta variação no preço.

Trata-se de uma adaptação que o usuário teria que passar a fim de atender o interesse público de conter o uso do recurso natural. Apesar da primeira lei específica que considerou a agressão da indústria e determinou o controle de poluição industrial como contenção de externalidade, ser do ano de 1967, como informa Coelho (2003), o direito ambiental não atingiu amplitude significativa neste campo.

O ponto de equilíbrio é o de buscar valores a serem internalizados que não repassem significativo aumento aos preços dos produtos finais, tampouco inibam demasiadamente a produção de bens causando outros efeitos sociais, de modo que os critérios técnicos os quais devem pautar a fixação de valores devam levar em conta uma pesquisa totalitária levando em conta uma série de fatores resultantes.

A política pública de cobrança pelo uso da água busca internalizar os custos, acatando o instrumento econômico de assimilação. Como esclarece Milaré (2001, p. 402) enquanto os custos ambientais não forem “internalizados”, os custos serão “externalizados”, ou seja, “pagos por toda a sociedade, inclusive por quem não se aproveita do recurso natural”, degradando a qualidade e a quantidade do recurso usado. A respeito, Fernandez; Garrido (2003, p. 149) argumentam,

A cobrança pelo uso da água é também justificada como forma de corrigir as externalidades negativas que os usuários dos recursos hídricos impõem aos demais usuários do sistema, a utilizarem a água no consumo, como produto final, ou, na produção, como insumo de produção ou diluente de poluentes. Assim, a cobrança pelo uso da água é também justificada como mecanismo de correção das distorções entre o custo social e o custo privado. Dessa forma, além de gerar os recursos necessários para financiar a atividade de gerenciamento dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso da água funciona como instrumento para a internalização dos efeitos externos que cada usuário de um sistema hídrico impõe aos demais na sua decisão particular de utilizar a água, quer seja para consumo ou para produção.

Implementada e realmente destinada aos fins que se propõem a cobrança pelo uso da água é uma política realmente eficiente para criar um fundo monetário arcado pelos usuários dos próprios recursos, o que faz reduzir os custos sociais com o meio ambiente, e viabiliza que haja maior concentração em outros setores sociais, tais como educação, saúde e segurança.

Neste contexto, Motta (2000), esclarece que as reduções nas exigências orçamentárias para os serviços públicos permitem que o Governo invista mais em outras necessidades urgentes como a saúde e educação, ao invés daquelas mais difusas, como a proteção ambiental. Não significa dizer que o meio ambiente deva ficar em segundo plano, mas a contribuição dos recursos por quem realmente utiliza os elementos da natureza no processo de produção permite que outros serviços públicos possam ser melhor atendidos.

Arthur Pigot, teórico central da economia do bem-estar, citado por Coelho (2003), na década de 1920 já havia formulado crítica às concepções de suficiências das forças livres do mercado, defendendo que as externalidades advinham de falhas de mercado que deviam ser corrigidas pelo Estado através do sistema tributário. Embora a cobrança do uso da água não seja considerado um tributo, conforme estudo de sua natureza tratado nesta pesquisa, a idéia de Pigout assemelha-se com a adoção de institutos semelhantes, impondo um débito público a ser revertido à sociedade.

Ressalta Coelho (2003) que na tese de Arthur Pigot, se houvesse externalidade negativa, o particular se tornaria devedor tributário. Se houvesse externalidade positiva, o Estado deveria conferir direitos a isenções ou incentivos.

Na continuidade de seu pensamento Motta (2000, p. 10) argumenta que, a cobrança pelos recursos naturais “tem sido defendida como sendo o modo mais eficiente de mudar a carga fiscal das ‘coisas boas’, como o capital e o trabalho, para

as ‘coisas más’, como a poluição e a exaustão dos recursos naturais, como já ocorre em alguns países.”

A ciência econômica vem contribuindo de maneira eficaz na busca de políticas que insiram os custos ambientais no processo de produção. Considerando que o planejamento de políticas ambientais exige a participação de enfoques e atores de diferentes setores, a interdisciplinariedade com que devem ser formuladas torna imprescindível a ação conjunta de segmentos da sociedade, agências governamentais, indústrias privadas, comunidades cientificas e ambientalistas.

Como ressaltam Thomas; Callan (2010, p. 32), “os conceitos fundamentais de preço e comportamento racional podem ser usados tanto para analisar a efetividade das políticas ambientais como para criar soluções alternativas”, da mesma forma Leff (2000, p. 187) afirma que “as políticas ambientais estão-se orientando de maneira predominante por um processo de capitalização da Natureza, baseado em uma ‘Economia da Conservação e da Descontaminação’. O mesmo autor ainda complementa,

Deste modo, o custo do esgotamento dos recursos e da degradação do ambiente é analisado em termos do gasto necessário para proteger os ecossistemas, assim como para reciclar os subprodutos e resíduos dos processos produtivos e de consumo. Por esta razão, concebe-se como uma função de dano ambiental o custo alternativo do investimento na reabilitação do meio ambiente, com o propósito de se conseguir estabelecer um possível cálculo do ponto ótimo de investimento ambiental (LEFF, 2000,

p. 187).

A busca do desenvolvimento sustentável tem como pressuposto o equilíbrio entre o crescimento econômico e a preservação dos recursos naturais. Leff (2000, p. 180), acrescenta,

A questão ambiental , numa perspectiva da Economia da Descontaminação, mantém o conflito entre custos ecológicos e benefícios econômicos. As reservas naturais e a conservação dos equilíbrios ecológicos restringem o âmbito de intervenção dos investimentos de Capital, pois as normas de intervenção estabelecem os níveis aceitáveis de contaminação e exploração dos recursos, em relação a certas taxas de crescimento econômico. Contudo, numa visão alternativa de desenvolvimento, na qual a produtividade ecológica e a tecnologia se integram no processo produtivo global – que articula os processos naturais, culturais e tecnológicos -, ambiente e desenvolvimento se conjugam e se realimentam de forma positiva.

A inserção dos custos sociais nos de produção é uma política eficaz para alcançar, o ponto de equilíbrio entre a atividade econômica necessária para o desempenho favorável da macroeconomia e a contenção da forma e da quantidade utilizada de recursos naturais, que são limitados e imprescindíveis para manutenção da vida.